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Foto do escritorAlexandre Costa

O OVO DA SERPENTE BRASILEIRA, POR NORA PRADO (*)


Nesta semana tenho assistido, com perplexidade e revolta, os crimes de apologia ao nazismo que têm acontecido, abertamente, através de algumas mídias no Brasil, sem que quase nenhuma medida razoável e cabível tenha sido feita para condenar e punir essas práticas abjetas. A primeira delas no Flow Podcast, pelo youtuber Bruno Monteiro Aiub, mais conhecido por Monark, onde entrevistava os deputados Tábata Amaral e Kim Kataguiri, respectivamente do PSB e Podemos. A certa altura da entrevista, o âncora do programa, visivelmente alcoolizado, passou a defender a legalização de um partido nazista brasileiro confundindo liberdade de expressão com apologia criminosa contra grupos humanos específicos. “A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei”, disse ele.


Suas declarações caíram como uma bomba em rede nacional e imediatamente milhares de internautas passaram a denunciá-lo fazendo com que vários patrocinadores do programa rescindissem contrato com o podcast, assim como vários outros futuros entrevistados declinassem do convite, recusando-se a associar a sua imagem à um canal “simpático” ao nazismo. Ao contrário dos deputados Tábata e Kim, que posaram sorridentes com Monark após a entrevista, como se nada de anormal tivesse acontecido, o ex-jogador, Zico, cancelou a sua ida ao programa. A péssima repercussão do entusiasmo de Monark ao defender a criação de um partido Nazista no país gerou notas de repúdio de diversas entidades como a Confederação Israelita do Brasil, a Federação Israelita do Estado de São Paulo, ministros do STF, além de vários senadores e deputados de diversos partidos políticos. Como consequência direta e, para aplacar o mal-estar e prejuízo econômico gerado ao podcast, Bruno Monteiro Aiub foi demitido do programa. Ele ainda tentou se desculpar, emitindo notas ridículas, através das redes sociais, mas isso não impediu a sua demissão do programa. Além disso, depois de diversas representações ao Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou, na terça-feira, a abertura de um processo investigativo para apurar a prática de “eventual” crime de apologia ao nazismo pelo deputado Kim Kataguiri e pelo ex-apresentador Bruno Monteiro Aiub.


Ora, apologia ao nazismo é crime previsto na nossa Constituição de 1989 que diz: A apologia do nazismo se enquadra na Lei 7.716/1989, segundo a qual é crime:

Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa – ou reclusão de dois a cinco anos e multa se o crime foi cometido em publicações ou meios de comunicação social.


Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.


Essa lei é respaldada pela própria Constituição, que classifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível. Isso significa que o racismo pode ser julgado e sentenciado a qualquer momento, não importando quanto tempo já se passou desde a conduta.


Caso vivêssemos num país sério, onde se respeitasse a constituição federal, não haveria a menor sombra de dúvida de que o que houve ali, no programa bagaceiro desse sujeitinho ordinário e ignorante, foi um crime de apologia descarada ao nazismo sem o menor constrangimento das partes; nem do apresentador, do deputado e, tampouco, da deputada, sorridente, que celebrou o encontro abraçadinha aos criminosos posando para uma selfie.


Mas para nossa incredulidade, esse não foi o único caso nesta semana. Outro ,ainda mais patético, para dizer o mínimo, aconteceu no final do programa Joven Pan News, pelo comentarista e ex-BBB Adrilles Jorge que, ao final da sua defesa pela “criminalização do comunismo”, levantou o braço e a mão fazendo o gesto típico da saudação nazista de Hitler.


Apesar de ter sido imediatamente desligado da emissora, e da nota de repúdio emitida pela mesma, a Jovem Pan tem se pautado por comentários e atitudes fascistas, semelhantes à essa, tendo sido denunciada diversas vezes, por isso, e por retransmitir desinformação em massa. Não podemos esquecer de que a Jovem Pan faz parte da rede de televisão bolsonarista, uma das que ajudou a eleger Jair Bolsonaro.


Tudo isso já seria um absurdo se não ganhasse desdobramentos ainda mais sombrios e surreais. Na coluna do jornalista David Coimbra, no jornal gaúcho Zero Hora de sexta-feira, ele endossa a suposta liberdade de expressão dos criminosos ávidos por terem a liberdade de manifestarem o desejo de um partido Nazista legal e do seu direito de expressarem o seu ódio e as suas práticas repulsivas. Numa débil tentativa de fazer valer o seu ponto de vista, esdrúxulo, este canalha pelego, distorce as liberdades civis que diz existirem na Inglaterra e EUA para apoiar discurso de exterminadores fascistas. Tudo isso fica ainda mais asqueroso quando sabemos que o jornal para quem o jornalista trabalha é de uma família judaica tradicional porto alegrense. Como esse bandido ainda não foi demitido eu, simplesmente, não compreendo.


Mas quando descubro através da pesquisa da antropóloga, Adriana Dias, de que no Brasil há cerca de 530 células nazistas concentradas principalmente nas regiões Sul e Sudeste, percebo que o tamanho da barbárie brasileira é infinitamente maior e mais perigoso do que se supunha antes do bolsonarismo chegar ao poder. De 334 em 2019 saltaram para mais de meio milhão de grupos de 3 ou mais pessoas para difundir ideias e ações inspiradas na experiência nazista da Europa na primeira metade do século 20, quando Hitler ascendeu ao poder na Alemanha com forte discurso de ódio contra minorias e em defesa do nacionalismo.


Infelizmente as sementes nazistas transmutadas no integralismo dos anos 1930 e, posteriormente, regadas e cultivadas durante o regime militar brasileiro ao longo de 20 anos e, sem a devida revisão histórica apoiada em provas incontestes das perseguições, prisões políticas com tortura e assassinatos, abertura de inquérito, processo e condenação dos militares envolvidos, provavelmente não recairíamos nas milícias que abundam no país, nessa anomalia do poder paralelo ao do estado.


Bolsonaro, seus filhos, familiares, aliados e cúmplices é um herdeiro pródigo desse legado nefasto que ficou mais de 20 anos chocando o ovo maldito do nazifascismo sob as barbas do congresso nacional, se preparando para ocupar o lugar deixado pelos seus ídolos torturadores sanguinários cuja expoente máximo foi o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, exaltado por Jair, na fala emblemática de apoio ao golpe de 2016 pela deposição ilegítima de Dilma Rousseff.


Caso os congressistas opositores junto ao STF o tivessem contido ali, na ocasião, dando voz de prisão e saindo com ele algemado para fazer valer a constituição de 1989, talvez o desfecho da história fosse outro e não teríamos a naturalização da violência, racismo e discursos de ódio. Caso não tivéssemos um “engavetador” geral da república, estrategicamente colocado ali por Bolsonaro, para aliviar os malfeitos dele e do seu clã, certamente , Bruno Monteiro Aiub, Kim Kataguire e Adrilles Jorge estariam presos cumprindo pena por fazerem apologia ao nazismo. Porque o que houve ali, não foi nenhuma “polêmica” como querem fazer parecer setores alinhados ao bolsonarismo, mas, sim um crime de racismo.


Encerro esta crônica me apropriando das sábias palavras de Zé Vitor Castiel, ator e advogado gaúcho, que na mesma Zero Hora escreveu: “Monark sempre foi uma bicicleta, e para mim, que sou judeu, esse nome jamais será associado a um apologista do nazismo e de sua legalização como partido livre no Brasil. O nome adotado por esse indivíduo é uma apropriação indébita das melhores reminiscências de milhões de mulheres e homens que, como eu, pedalaram numa Monark e acham que a discriminação, de qualquer espécie, é, simplesmente, algo nojento.


Porto Alegre, 12 de fevereiro de 2022.


(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

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