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O Natal precisa de abraços, por Paulo Gaiger*

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

Nos dias que antecedem o Natal, as multidões lotam as lojas do comércio, engarrafam as ruas com seus automóveis, se esbarram com mil sacolas de compras nas calçadas, jogam na megasena, se endividam de preocupações e prestações que deixarão rolar para logo ali, em 2025, quando a fatura bater à porta e o esvaziamento do contracheque dar aquele pavor. As pessoas compram porque são induzidas a comprar, é mais uma obrigação do que um prazer. Status. O valor do presente acaba sendo uma afirmação de poder e do amor monetário, que é uma quimera. A sinaleira no vermelho é uma inimiga da necessidade e da festa do amigo secreto. O plasta que buzina atrás de mim só pode ser um imbecil. Eu só buzino quando o imbecil está na minha frente. A fila no caixa é formada por gente lerda que atrapalha o espírito natalino que está sendo forjado pelos cartões de crédito, mau humor e deseducação. Uma pausa para um cafezinho. Que correria, minha amiga! Que fim de ano! Olha só o preço das coisas! Uma roubalheira! Fazer o quê, né? Vou nessa! Correria, meu! Não é estresse, é tacanhice! Fedores de uma cidade às pressas. É uma pena! Em Bilbao, no Euskal Herria, a festa de Natal é bem diferente. Prá começar, nada desta profusão de músicas natalinas em arranjos insuportáveis. Nada de enfeites batendo na cabeça de quem entra em um mercado. Lá, o Papai Noel ou “El Gordo” está desempregado, embora o San Nicolás ou Santa Claus seja lembrado. Quem faz as vezes do Papai Noel, sem trenó e sem renas, é o Olentzero, um velho carvoeiro muito simpático que presenteia as crianças com pedaços comestíveis e deliciosos de carvão doce. No início das noites frias que logo precedem o Natal, o Olentzero percorre as ruas, seguido da algaravia das crianças de cada bairro. É uma festa! Não é costume comprar e enlouquecer-se de loja em loja em busca de presentes. O que vi ao longo de quatro anos, foram as trocas de pães, bolos, doces feitos em casa, ovos e frutas entre famílias e vizinhos. No dia dos Reis, 6 de janeiro, é mais comum um presentinho comprado. Tem até mais sentido, afinal, a lenda diz que os Reis Magos foram os que presentearam o menino Jesus. Tudo mais simples e menos estressante. A gente até poderia pensar em dar uma mudada em nossos costumes pré-natalinos, que nos permitisse o tempo para contemplar a vida, para estarmos mais próximos dos amigos e da família sem necessariamente assumir dívidas no cartão. Além dos pães e bolos que em nossa casa sempre alguém sabe fazer bem, ou a avó ou o vizinho, a troca de bons livros já lidos, de CDs (quem os tem) já muito escutados, de uma carta amorosa, de um poema escrito especialmente para ti, mas, sobretudo, a troca de carinhos, de beijos e abraços às pampas. Temos que inverter a lógica: mais do que abraçar porque se ganha um presente, abraçar porque queremos bem, porque estar juntos nos alimenta, porque o beijo mata nossa sede e reaviva nosso olhar. Podemos combinar aqui para o Rio Grande do Sul que no Natal de 2024, é isso que iremos fazer: trocar abraços e beijos com a família, com os amigos, com a empregada doméstica, com o zelador, com o motorista do ônibus, com as colegas de trabalho e de aula, com os parceiros do futebol, corrida e vôlei, com os recolhedores do lixo, com o vendedor de gás, com o entregador do jornal, com os vizinhos, com a manicure. Superaremos nossos ranços e romperemos as pedras do pensamento e do coração. Talvez a gente consiga dar ao Natal o sentido que ele merece. Do contrário, é mentira que adoramos o menino Jesus.


(*) Adaptação do texto publicado no livro “Não vá ao supermercado nos domingos” (ed. Traços&Capturas – 2019).


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