Em 2020 convivíamos com a suposição de que a pandemia de coronavírus poderia prejudicar o a gestão de Jair Bolsonaro. No entanto, hoje é possível afirmar o contrário: o presidente e a sua equipe foram responsáveis pelo atual cenário em relação à covid-19 no Brasil. Ou seja: além de não barrar o avanço da doença no país, a negligência do governo brasileiro foi e continua sendo determinante para a proliferação do vírus no mundo.
Basta lembrarmos da pesquisa realizada pelo Lowy Institute, de Sydney, na Austrália, divulgada em janeiro deste ano, indicando o Brasil como o país que pior gerenciou a pandemia de Covid-19 no mundo. O levantamento analisou aproximadamente 100 países, a partir de informações baseadas em critérios como casos confirmados, mortes e capacidade de detecção da doença.
Outra pesquisa, publicada, em abril, na "Science", uma das revistas mais importantes do mundo, aponta que a "combinação perigosa de inação e irregularidades", por parte da gestão Bolsonaro, foi a principal culpada pela rápida disseminação da covid-19 e do cenário de caos no país. A pesquisa, liderada pela demógrafa brasileira Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, é assinada por dez cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que tentam explicar como um país que possui um sistema de saúde universal e gratuito (o SUS) conseguiu se tornar um dos mais atingidos pela crise.
Usando dados diários de casos e mortes fornecidos pelas secretarias estaduais de Saúde, o grupo fez um mapeamento detalhado da disseminação do coronavírus no território nacional, entre fevereiro e outubro do ano passado, primeira fase da epidemia, e concluiu que houve uma variação de padrões entre estados e municípios que reflete a diversidade das políticas de combate à covid-19 – ou a ausência delas.
A pesquisa afirma que, "embora nenhuma narrativa única explique a diversidade na disseminação, um fracasso geral em implementar respostas imediatas, coordenadas e equitativas em um contexto de fortes desigualdades locais alimentaram a propagação da doença". Os cientistas reiteram que a conduta do governo do presidente Jair Bolsonaro tem um peso proporcionalmente muito maior no cenário de caos gerado pela pandemia – uma conduta que ficou marcada não só por omissões, mas por atos irregulares como a promoção de curas ineficazes.
"No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências", diz o estudo. "Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e prazos de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos." Segundo os pesquisadores, essa falta de coordenação na adoção de medidas por parte dos governos regionais – atribuída ao fracasso do governo Bolsonaro em implementar uma estratégia nacional – apenas contribuiu para que o vírus se espalhasse sem barreiras pelo país.
"À medida que estados e municípios impuseram e relaxaram medidas restritivas em diferentes momentos, a mobilidade populacional facilitou a circulação do vírus e atuou como desencadeador da disseminação da doença", destaca o estudo.
Ao comparar os números de infecções e mortes registrados entre fevereiro e outubro com as políticas de restrição à circulação de pessoas adotadas pelos gestores públicos, os pesquisadores observaram que essas medidas se mantiveram moderadas ou foram flexibilizadas mesmo em meio a uma fase crítica da pandemia, quando medidas mais rígidas se faziam necessárias. A pesquisa também afirma que o alinhamento político entre governadores e o presidente – que sempre minimizou a pandemia e atacou a adoção de lockdowns – teve um papel importante na implementação ou não das medidas de distanciamento nos estados. Segundo os cientistas, essa "polarização politizou a pandemia" e prejudicou a adesão às medidas pela população.
O estudo foi publicado na mesma semana em que o Senado preparava a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as ações e possíveis omissões do governo Bolsonaro durante a crise do coronavírus, que já matou mais de 444 mil brasileiros em pouco mais de um ano.
PARECER DA OAB
No dia 15 de abril, a imprensa brasileira publicou um parecer elaborado a partir de uma comissão especial criada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em que chega à conclusão de que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, homicídio e lesão corporal por omissão, além de crime contra a humanidade. Uma das medidas da Comissão Especial para Análise e Sugestões de Medidas ao Enfrentamento da Pandemia de Coronavírus foi analisar a conduta do presidente Jair brasileiro durante a epidemia de Covid-19.
O parecer de 24 páginas será enviado ao Conselho Federal da OAB, que deverá decidir se a ordem deve fazer um pedido de impeachment do presidente com base no relatório. O grupo responsável pela elaboração do documento foi presidido por Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e também contou com juristas e advogados, como Miguel Reale Jr., Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões, Antonio Carlos de Almeida Castro, Geraldo Prado, Marta Saad, José Carlos Porciuncula, entre outros.
Os juristas apresentaram no documento episódios que mostram a omissão do governo e afirmam também que o número de vítimas fatais poderia ser menor se o presidente tivesse adotado medidas mais duras no início da pandemia. Como exemplo, eles mencionam o caso que envolve a farmacêutica Pfizer, produtora da vacina contra Covid-19. O CEO da companhia, Carlos Murillo, afirmou que a farmacêutica tentou negociar a venda de vacinas com o governo federal e que doses seriam entregues no final de 2020 e começo de 2021, mas o governo não deu resposta sobre a proposta.
CPI APONTA IRRESPONSABILIDADE
A CPI vem demonstrando que Bolsonaro e sua equipe sempre deram pouca importância aos riscos do vírus, não respeitaram distanciamento social, promoveram o kit-covid, comprovadamente ineficaz, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS). A cada novo depoimento ficam mais evidentes os papeis e as responsabilidades (no caso, a ausência delas) para fatos mais graves, como o caso da falta de oxigênio no Amazonas e no Rio de Janeiro, de medicamentos essenciais para entubar pacientes. A inoperância e o desinteresse de agentes públicos, principalmente em relação à aquisição de imunizantes, aos poucos vão adquirindo base para a configuração de crime.
ORÇAMENTO PARALELO Os deputados de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro solicitaram, no dia 10 de maio, que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue o suposto orçamento secreto no valor de R$ 3 bilhões e que servia para compra de apoio de parlamentares no Congresso Nacional, conforme revelou reportagem de Breno Pires, no Estado de S. Paulo, no domingo. De acordo com a matéria, o presidente teria montado, no final de 2020, um orçamento secreto e paralelo, por meio de emendas que serviam para garantir maioria no Congresso, evitando também o número mínimo de assinaturas para instalação de quaisquer pedido de impeachment. Grande parte dos recursos foram destinados na compra de tratores e de equipamentos agrícolas por preços até 259% acima da referência. Acuado, o presidente da Câmara, Arthur Lira, pretende colocar em pauta ainda nesta semana, em regime de urgência, uma série de alterações no Regimento Interno da Câmara. O objetivo é minimizar o impacto causado pela denúncia e, consequentemente, reduzir os efeitos das iniciativas e da mobilização da oposição para abrir a caixa preta do chamado "Bolsolão".
AUDITORIA No mesmo dia (10/5), o PSOL também acionou o Ministério Público Federal (MPF), em que solicita a instauração de procedimento de auditoria (investigação), com vistas a apurar todas as circunstâncias dos fatos noticiados, inclusive com a adoção das medidas cautelares cabíveis, para a proteção os direitos fundamentais do povo brasileiro, sobretudo a população mais vulnerável, e a consequente apuração de eventuais responsabilidades e a punição dos responsáveis, visando o cumprimento da lei e resguardo dos direitos constitucionais atinentes”, diz o documento apresentado pela Minoria.
ORÇAMENTO SECRETO E O COMBATE À COVID O texto aponta que “é grave a postura adotada pelo Governo Federal, sem nenhum zelo com a coisa pública. Enquanto isso, tais verbas poderiam ter sido utilizadas no combate a pandemia da Covid-19, sobretudo na compra de vacinas”. Além de Bolsonaro, a ação mira o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e o diretor da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Marcelo Pinto. Além de pedir a investigação do Bolsolão ao TCU e ao MPF, a oposição, também chamada de minoria, afirma que o dinheiro usado no orçamento paralelo deveria ser direcionado para combater os avanços da covid-19, responsável pela morte de mais de 420 mil pessoas no Brasil. O líder da oposição na Câmara, deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou, via twitter, que considera “imperativo investigar se o governo Bolsonaro escolheu montar uma base no Congresso em vez de garantir vacinas e, por isso, recusou imunizantes em 2020”. Molon ressaltou que "com os R$ 3 bilhões gastos na compra de apoio, daria para adquirir 58 milhões de doses da Pfizer, na primeira oferta”.
PEDIDOS DE IMPEACHMENT Desde que assumiu a presidência do Brasil, a Câmara dos Deputados já recebeu mais de 100 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro. De acordo com levantamento da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, até o dia 6 de abril haviam sido protocolados 106 pedidos de afastamento do presidente. No período de 31 de março a 6 de abril, foram 32 pedidos e em 31 deles acusam o presidente de boicotar o combate à crise sanitária. Os crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro, segundos os pedidos de impeachment, constituem principalmente atentados aos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros, à probidade administrativa, à dignidade, ao decoro e à honra do cargo. Cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira, dar andamento ou não a esses requerimentos. O avanço catastrófico da pandemia de covid-19 no Brasil, já previsto por especialistas em saúde, e a falta de liderança do governo federal no combate à crise sanitária impulsionaram o número de pedidos de afastamento de Bolsonaro, tornando-o recordista em pedidos de impeachment. Bolsonaro supera com folga a segunda colocada, a ex-presidente Dilma Rousseff, que foi afastada em 2016. Dos 107 protocolados, quatro foram arquivados por serem considerados apócrifos e um foi dado como "concluído", em função da certificação digital utilizada não ser do autor. Os outros 102 pedidos estão "em análise".
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