“Tu deviens responsable por toujours de ce que tu apprivoisé”
Antoine de Saint-Exupery. Le Petit Prince
O clássico de Saint-Exupery nos traz duas frases que servem para boas reflexões. A mais conhecida delas é a seguinte: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, na tradução de Dom Marcos Barbosa.
O que é cativado tanto pode ser uma pessoa como uma flor. Outros tradutores apresentaram uma frase um pouco diferente. Na tradução de Barbosa, o verbo apprivoiser é traduzido com o sentido de “cativar”, “seduzir”, “cuidar”, “proteger”, “dedicar-se”, “envolver-se”.
Eternamente, por sua vez, quer dizer um cuidado permanente, constante, sem interrupções.
A outra frase também provoca boas reflexões: “O essencial é invisível para os olhos”. Mas, pode ser visível para os outros sentidos e produzir um efeito igualmente muito importante.
A primeira frase provoca uma pergunta inevitável: este fenômeno é algo ligado à razão ou é ligado aos sentimentos? Imediatamente, o nosso interlocutor imaginário responderá que aquilo que genericamente chamamos de amor, não pertence à razão e sim evidentemente aos sentimentos. Daí a tradução de Ivone C. Benetti de uma forma um pouco diferente: “Só se enxerga bem com o coração. O essencial é invisível paraos olhos”. O coração (como “órgão dos sentimentos”) assume suacentralidade tradicional.
A razão, raciocina o cientista, está relacionada ao cérebro. O sentimento, diz o poeta, está ligado ao coração. Ora, o coração aqui não passa de uma metáfora. Como órgão, ele tem uma importância indiscutível para a vida.
No entanto, está cientificamente provado, não se pensa com o coração.
Pensa-se com o cérebro. Logo, é também com o cérebro na verdade que construímos o que chamamos de sentimentos. Portanto, razão e sentimento, são construídos, ambos, pelo cérebro. Com a ciência exclui-se o coração. Mas, o que seria do homem sem a poesia e sem a metáfora?
Então, não se exclui nem a poesia, nem a metáfora e nem o coração. Este, até num gesto, representa o símbolo do amor.
A vida exige de todos nós tanto a razão quanto o sentimento. Mas, talvez o sentimento esteja mesmo em primeiro lugar, se for valorizado o que chamamos de “instinto”, representado pelas necessidades básicas, entre as quais o alimento é talvez o principal. E aí, inevitavelmente, pensamos na figura da mãe, a mãe do homem e a mãe de todos os animais.
Ela é a figura que simboliza a vida em potencial. Sem ela, ou sem um equivalente, acaba-se a vida, desaparece o caminho, perde-se o potencial tão destacado por Aristóteles. Ora, ima vida sem potencial, acaba com a própria humanidade. Cuide-se, portanto, da criança e estimule-se o seu potencial. Pois ela é o alicerce do futuro da humanidade.
Sem o alimento, o homem, como qualquer animal, ou como qualquer outro ser, está condenado à morte.
Segue-se, então, que esta necessidade primitiva está antes da razão. Esta, só pode surgir depois de um cérebro bem alimentado e com suas etapas de desenvolvimento capazes de um raciocínio. Este, por sua vez, depende não só do alimento e de quem o fornece, e sim de uma interação social, que também poderá ser chamada de “educação”, que se inicia em casa, primordialmente com a figura da mãe e de seus “instintos maternos”.
Estes, próprios não só dos homens, mas de todos os animais. A eles se deve a sobrevivência do reino animal. Mas, e como se continua depois esta dupla tão importante formada como se vê pelo sentimento e pela razão, um alimentando o outro através da vida?
Passa a ser um caminho cada vez mais complicado, um “processo civilizatório”, em que a educação merece um destaque fundamental que poderá ser um sucesso ou um fracasso individual e coletivo. Um ingrediente de grande importância surge como prioritário, a necessária interação entre as pessoas. Desde a primeira delas, já comentada com relação a mãe, o bebê e a sua mãe, até as demais que vão aparecendo no aprendizado.
Ela se complica e novamente surge a dúvida: o que se deve à razão e o que se deve ao sentimento? A solidariedade, a generosidade, o amor enfim, é só sentimento ou contém uma certa dose de razão?
Nosso interlocutor imaginário, um pouco decepcionado, acaba por se convencer de que sentimento e a razão estão sempre juntos, um influenciando o outro, em graus maiores ou menores, independentes ou associados, mas nunca totalmente separados. Para isso, porém, o coletivo deve estar permeado de amor, de “bons sentimentos”, pois só assim é que o homem cresce e se aperfeiçoa. Sem amor, por fim, diminui sua potencialidade e sua diminuição pode ser tão grande que se transforme em barbárie. Ela pode surgir vestida de formas grosseiras, de fácil identificação, mas também pode fingir-se de “bem vestida”, de educada e com belo discurso e, no entanto, ser até pior do que aquela que nos parece grosseira. Aprender os caminhos destes labirintos não é fácil.
Precisamos de muita razão e de muitos sentimentos. Juntar os dois é uma tarefa árdua, mas uma necessidade fundamental para a continuação da vida.
(*) Bruno Mendonça Costa é médico psiquiatra.