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NEGRITUDE À VISTA


por Nora Prado (*)

Tenho visto o ator, compositor e humorista Paulo Vieira com uma certa frequência nos últimos dois meses e, confesso, que fiquei encantada com a sua inteligência, bom humor e maturidade. Admito que conheço muito pouco da sua carreira como ator e humorista, mas já sou fã do rapaz. A primeira vez foi no programa Saia Justa do GNT, depois no Papo de Segunda no mesmo canal e, semana passada, no Provoca da TV Cultura.


Com fluência narrativa e um carisma peculiar, ele nos conta sua vida de classe média baixa em Goiás e Tocantins, onde viveu com a família até conseguir realizar seu sonho de se tornar ator e vencer os desafios diários da profissão. Numa linha ascendente de sucesso, Paulo venceu alguns dos mais importantes festivais de humor no Brasil e atualmente é contratado pela Rede Globo onde atuou no humorístico Zorra Total e outros quadros de humor. Fora dos padrões de beleza ditados pelo mundo das celebridades, Paulo é preto, gordinho e sem qualquer atrativo que se possa considerar bonito ou sexi, pelos modelos eurocêntricos. Mesmo assim, ele sabe explorar muito bem o perfil de anti-herói brasileiro que tem encantado o público em suas performances. Paulo é um sujeito que não despreza as raízes culturais brasileiras formada neste caldo de brancos, negros e indígenas e cujo histórico de racismo estrutural marca na carne todos os afrodescendentes num país de extrema desigualdade social e injustiça atávica. Paulo Vieira, assim como tantos negros e negras atuantes e com grande visibilidade e representatividade, ainda é exceção no Brasil negro e mestiço por natureza.


Ele não doura a pílula e fala com propriedade sobre o tema do racismo, preconceito e os abismos sociais da sociedade brasileira. Sua matriz de origem, pobre e preta, dá o tom de seu humor contagiante enquanto artista, mas também reflete a lucidez do jovem cidadão. O humor é sua pedra de toque capaz de pôr a mostra os problemas e mazelas nacionais, assim como também propor as pazes com a nossa formação multirracial e cultural para sentir orgulho de sermos quem somos.

Sua alegria, jovialidade e otimismo, apesar de tudo, mostra o quanto ele está conectado com o Brasil profundo, igualmente atento as respostas vindas da periferia e disposto a transformar dor em estética. Com imaginação e irreverência.


Ao contrário de tantos colegas seus, preocupados em investir em viagens e roupas de grife para ostentar poder e prestígio, Paulo conta que com o primeiro cachêt mais substancial que recebeu na vida, 3.000,00 reais ganhos num evento pelo SESC, ele comprou uma pintura do artista plástico Alfredo Volpi. Seu pai ficou perplexo, sem nada entender, mas ele não se impressiona com a reação dos outros. Investe em arte porque ama e se identifica. Comprou uma pintura de Vicente do Rego Monteiro e está construindo o próprio acervo porque, um dia, pretende criar um museu em Palmas no Tocantins. Ele tem consciência que anda fora da curva, mas se orgulha disso. A única coisa que Paulo teme é cair na mediocridade.


Seus valores estão muito próximos da realidade e, mais uma vez, surpreende dizendo que quando resolveu construir a casa nova para a família começou pela piscina. A piscina está maravilhosa e o jardim ao redor também. Ao invés de a construir por último, ele preferiu aproveitar a vida pois não sabe quanto dinheiro ainda precisará investir na casa toda. Assim, se vierem as “vacas magras” ele pode sofrer melhor descansando dentro da piscina.

Seu discurso engajado com as causas e pautas da atualidade é fascinante e me lembra da minha alegria ao conhecer melhor Emicida, Djamila Ribeiro, Gaby Amarantos e Jeferson Tenório, dentre tantos expoentes da nova geração da negritude brasileira. A presença destes novos personagens, na mídia brasileira, reaquece as questões de identidade, lugar de fala, racismo e preconceito em relação aos negros e negras. Sua contribuição para a construção de um país menos desigual e com oportunidade para todos passa, necessariamente, por uma maior representatividade e visibilidade negra. Para isso é fundamental, também, que os brancos progressistas e antirracistas abram espaço para eles e repartam as fatias da mídia para ampliar o debate e a discussão de um Brasil melhor.


Certamente Paulo Vieira, veio para ficar e trazer mais alegria e prazer, mas, também, para incomodar e provocar a nossa branquitude, nos fazendo enxergar o descompasso social pelo qual precisamos lutar para mudar.

Bem vida negritude à vista e cada vez mais vista!


Porto Alegre, 20 de julho de 2021.


(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

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