por Mariana Carlos (*)
E lá estávamos nós de novo.
Não exatamente minha filha e eu.
Mas meu pai. E Janjão.
E tantos outros “cabelinhos brancos” – incansáveis lutadores da Geração de 68.
No começo dos anos 80, no Edifício Maria em frente à Praça da Caixa D’água, acontecia a primeira reunião do Partido dos Trabalhadores de Cachoeira do Sul, puxada por um líder comunista chamado Ewaldo Weber.
Seu Ewaldo não era nem nunca foi do PT. Mas sempre apoiou sua fundação. Tanto que cedeu a salinha térrea, nos fundos do prédio onde morava, para ser a primeira sede do PT na cidade. Meu pai, que tem a ficha de filiação número 02 da cidade, “catou algum milho” datilografando filiações por lá.
Seu Ewaldo foi militante do antigo Partidão, o famoso PCB. Uma posição política bastante “arrojada” pra Cachoeira da época.
Para se ter uma ideia de como era a questão política naquele período, trago o relato do Padre Zanini, que atuou na Paróquia Santo Antônio nos anos 70:
“Eu ressaltava os direitos sociais, denunciava as injustiças, e virei o “padre comunista”. Corri risco de morte quando falei em reforma agrária, e passei a ser perseguido por um fazendeiro que se dizia muito católico. Então eles perseguiam a mim e ao grupo de jovens. Levavam os jovens para beber com os militares, para arrancar deles o que eu estava tramando contra a ditadura. Eu fazia as pregações do Evangelho nas missas, e era sempre vigiado – um comandante sentado lá atrás e três soldados na frente com gravador”. (PEREIRA, 2015, pg.31)
Acho improvável que Zanini e Weber tenham sentado para pensar uma “ofensiva comunista” na cidade. Weber era ateu. E Zanini, um padre missionário convicto. De qualquer forma, meu pai era o encontro disso – foi do grupo de jovens da Santo Antônio (onde conheceu minha mãe, detalhe muito importante, sem o qual, eu não estaria aqui) e era amigo de Weber. Na verdade, eram parentes. Sabe como são as relações familiares para nossas avós: bastou um vínculo lá atrás, para ser “parente”.
Encontro.
O tempo faz o espiral da história girar em círculos, e muitos encontros acabam acontecendo sempre no mesmo lugar.
Ali onde fora fundado o PT, agora estava minha filha e eu. Não pelo PT, mas por nós – pela classe trabalhadora.
Aquela luta da geração do meu pai, pelo fim de um regime opressor e corrupto, agora está nas nossas mãos – nas mãos da juventude. Não apenas por ser juventude, mas por sermos trabalhadoras e mães.
As diferentes gerações se encontram na luta porque historicamente estão no mesmo lado da luta de classes – no lado de quem precisa vender sua força de trabalho para sobreviver.
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“Nós temos que fazer a criança nascer”, dizia Seu Ewaldo em 1981, referindo-se ao embrionário PT.
Pois é, Seu Ewaldo, a criança nasceu. Viveu, cresceu, tomou um golpe, está aprendendo com seus erros (eu espero), e segue renascendo todos os dias. Não por partidos, mas por uma coisa bem maior, acima e além de nós, que se chama povo brasileiro.
Dia 24 de julho estaremos juntos de novo nas ruas e nas redes. Eu, minha filha e meus pais.
Na mesma luta de tempos históricos diferentes.
Eu nascei em 1985, ano da abertura democrática, e vivi plenamente o usufruto dos meus direitos políticos, sociais e civis. E luto porque ouso sonhar. Esse é meu dever de mãe –trabalhar para garantir à minha filha, e aos filhos de toda classe trabalhadora, um Brasil digno, soberano, e sobretudo, humano – onde a VIDA, toda e qualquer VIDA, de qualquer “criança”, tenha a mesma importância.
(*) Mariana Carlos é mãe de Antônia Batatinha. Socióloga e educadora. Mora em Cachoeira do Sul, onde foi vereadora do PT aos 22, e a primeira mulher vice-prefeita em 200 anos de história do município.
Referência:
PEREIRA, Maria da Glória (Org). Saga Missionária: uma caminhada de fé e vida do Padre Antonio Zanini. Belém, PA: Paka-Tatu, 2015.