Li o artigo de Jorge Branco (“Terrivelmente cada dia mais parecido com o nazismo” – em Esquina Democrática, 14.07.22) e resolvi fazer um curto comentário, com base no que li no livro de Antonio Scurati (M – de Mussolini – o Homem da Providência). É inevitável que surjam comparações entre os três personagens, ao que se deve juntar a manifestação técnica do médico psiquiatra Guido Palomba (ver no youtube). Sem dúvida Mussolini “ganha” de Bolsonaro e Hitler, que, por sua vez, “ganha” disparado dos outros dois.
O livro é didático e, a meu ver, de leitura “obrigatória” para quem se interessa no assunto, especialmente para aqueles que apreciam a observação de características de personalidades famosas, pessoas que se tornaram dirigentes ou mesmo governantes de países. Gostaria de destacar alguns pontos comuns: a organização de “partidos populares”, pequenos de início e que crescem com apoios de diferentes matizes e origens; a conquista do poder por “meios legais”; o apoio de parte de um percentual elevado de eleitores; o apelo, aceito imediatamente por grande parte da população, às armas e à violência; a organização de grupos paramilitares; o desmonte do “Estado de Direito”; a desmoralização de instituições e de suas autoridades; o apoio surpreendente da parte de intelectuais, de empresários e de profissionais de todos os tipos; o apoio das “classes médias e das mais elevadas”; a homofobia; a anti-cultura e a anti-ciência; as perseguições individuais, as ameaças e os assassinatos; a propaganda do “mito”; a crença religiosa com ligação orgânica às igrejas e templos.
De modo geral, imaginamos que Mussolini é uma “cópia” de Hitler. Pois, Scurati nos demonstra que é o contrário, Hitler é uma “cópia aperfeiçoada” de Mussolini. O Cabo Hitler pedia e não conseguia por vários anos uma audiência com o Duce, que não lhe dava importância. A Igreja Católica, por sua vez, conseguiu com o Tratado de Latrão, organizar o Estado do Vaticano, uma pequena área dentro da cidade de Roma, que se tornou não só um símbolo de poder, mas uma atração obrigatória de quem vai a Roma, especialmente a visita à Capela Sistina. Uma “providência” para a Igreja e daí o título do livro.
O pensar, o agir, as ideologias são semelhantes. Hitler queria conquistar a Rússia, Mussolini queria uma “grande Itália” e conquistou a Líbia. A expansão territorial, aquela dos impérios, tida como uma “necessidade” do país conquistador. E, leiam e fiquem horrorizados vocês mesmos com o que Scurati conta sobre a Líbia conquistada e a Itália que apreciamos tanto. Sempre pensei que os “campos de concentração” fossem uma criação do nazismo. Pois, antes disso, Mussolini organizou seus campos de concentração (veja a foto da p. 500), e sua conquista era baseada nas palavras de ordem de extermínio, prisões, enforcamentos e morte. Fascismo, sempre uma adoração à morte.
Transcrevo o que diz Salem Omram Abu Shabur, deportado para o campo de AL-Agheila (p. 509): “Nós, que durante toda a vida estávamos acostumados a vagar de um lado para outro do nosso grande país em busca de pastos, fomos obrigado a ficar parados e enclausurados no campo ... Havia muita ansiedade no campo, e a atmosfera que se formara por causa do comportamento repressivo dos guardas era muito pesada. E não fazíamos outra coisa senão desejar que o dia passasse o mais rápido possível, como se o dia seguinte pudesse trazer algo de bom. Com a ansiedade que carregávamos em nosso corpo, o dia não fazia sentido. Viam-se muitas torturas e enforcamentos. Todos deviam assistir às execuções sem falar, sem comentar, quase sem chorar. Deixavam os corpos pendurados por dois ou três dias. Nos três anos que passei no campo com a minha família, foram mortos muitos homens. As mulheres ficaram sozinhas, e pode-se dizer que, para setenta mulheres, não havia nem um homem sequer”.
Portanto, caros leitores e amigos, não vamos nos iludir, o fascismo já mostrou o que é há muito tempo, os cenários de horror maior ou menor já conhecemos, muitos já o experimentaram na própria pele, e ninguém pode dizer que se enganou ...
(*) Bruno Mendonça Costa é médico psiquiatra.
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