MANIFESTANTES DENUNCIAM DESMONTE DA CULTURA E DEFENDEM GESTÃO PÚBLICA DO CAPITÓLIO
- Alexandre Costa
- 9 de fev. de 2020
- 7 min de leitura

Artistas, jornalistas, educadores, militantes dos movimentos sociais, representantes de partidos políticos e de entidades públicas participaram de uma manifestação em defesa da gestão pública da Cinemateca Capitólio e contra o processo de contratualização proposto pela Prefeitura de Porto Alegre, que pretende lançar edital no início de março. O ato, realizado na tarde deste sábado, dia 8 de fevereiro, foi promovido pela Associação dos Amigos do Cinema Capitólio (AAMICA). A manifestação chamou a atenção de quem passava pelo centro da cidade e se deparou com diversas atrações culturais e artísticas. Durante o ato, os manifestantes leram duas cartas abertas, que foram assinadas por personalidades do setor audiovisual gaúcho, e protagonizaram um belo e simbólico abraço ao prédio da Cinemateca Capitólio. Também foi divulgado a necessidade de obter o maior número possível de apoiadores e assinaturas de uma petição pública contra a terceirização da casa.
Confira o resumo sobre a posição dos diferentes segmentos: Associação de Amigos da Cinemateca Capitólio, dos profissionais do cinema e da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal da Cultura, além de informações sobre a história, acervo, as metas e a falta de diálogo com a comunidade.
HISTÓRIA
O antigo Cine-Theatro Capitólio, localizado na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro, no Centro de Porto Alegre, foi inaugurado em 1928 e durante décadas era uma das principais atrações culturais da cidade. Na década de 60, o Capitólio, assim como os demais cinemas das grandes cidades, entraram em decadência. No auge da sua decadência, o Capitólio mudou de nome, passando a se chamar Cine Premier. Porém, nem a mudança de nome e nem os novos proprietários conseguiram resistir. Em 1994, o Capitólio fechou as portas para o público e a cidade passou a assistir a deterioração do prédio. No ano seguinte, o prédio foi adquirido pela Prefeitura e foi incluído na política de revitalização da área central da capital gaúcha. A partir de 2001, diversos profissionais ligados ao cinema, à arte e à cultura deram início a uma grande mobilização para que o espaço fosse transformado na atual Cinemateca Capitólio, que utilizado na guarda da memória audiovisual do Estado.
VÍDEO
MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DA CINEMATECA CAPITÓLIO
POSIÇÃO DA PREFEITURA
Em matéria publicada pelo Sul21, o secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, defende que a contratualização é necessária para ampliar e qualificar a oferta de serviços à população. Ele afirma que o processo de contratualização começou a ser gestado na SMPE em setembro de 2019. Segundo ele, o primeiro passo foi compreender o funcionamento da Cinemateca, o que ela oferece hoje e o que representa para a população, os serviços que são considerados bons e o que poderia ser melhorado. Ribeiro afirma que nada será perdido quando uma Organização da Sociedade Civil (OSC) assumir a casa. Pelo contrário, garante que os serviços prestados atualmente são considerados no edital como o patamar mínimo que qualquer entidade deve oferecer para participar da concorrência pública. “A partir de tudo aquilo que foi oferecido pela Cinemateca nos últimos anos para a população, a gente estabeleceu os parâmetros mínimos que precisam ser cumpridos pela futura organização social. Ou seja, na pior das hipóteses, ela vai ser obrigada a fazer pelo menos o que é feito hoje. Mas, na grande maioria dos casos, as metas estipuladas estão acima do que atualmente é oferecido”, diz.
Ele cita como exemplo de ampliação dos serviços a meta que será estipulada em edital de que o número de sessões gratuitas deverá passar dos 20% do total, índice registrado em 2019, para 30%. Da mesma forma, segundo ele, deverão ser mantidos ou ampliados os números de mostras temáticas e sessões obrigatórias. A próxima etapa do trabalho, de acordo com o secretário, foi conversar com as organizações sociais que poderiam ter interesse em assumir a gestão da Cinemateca para compreender o que elas imaginavam que poderiam assumir de responsabilidades na gestão da casa e valores para essa contratualização. “O modelo foi muito bem recebido por essas organizações”. Por fim, diz que convidou as associações de profissionais da área audiovisual que têm interesse na preservação do espaço. “A gente apresentou o modelo para eles, eles apresentaram algumas observações. Eles se sentiram muito inseguros, digamos assim, porque não haviam recebido anteriormente a isso um material do que seria essa proposta e a gente explicou que não havíamos feito isso antes porque a gente não tinha ainda um material concreto e objetivo para passar para eles. Assim que nós tivemos esse material, um primeiro movimento que nós fizemos foi justamente de aproximação, porque são importantes as contribuições deles. Eles aí disseram que irão apresentar contribuições mais objetivas para que a gente possa refinar esse modelo. Nós estamos agora no aguardo dessas contribuições”, afirma o secretário.
AMIGOS DA CINEMATECA
“Primeiro, nós não entendemos o porquê. Se o prédio estivesse ruim, precisando de conserto, renovação ou sei lá o quê, se a programação estivesse ruim ou se a equipe estivesse ruim, a gente entenderia que se procurasse outra solução. Nós não conseguimos entender mexer no time que está dando certo. Segunda coisa, quem nos garante que irá continuar igual ou melhor, se possível? Nós não sabemos de onde virá. É um edital que a gente não conhece. Pelo menos nós, da Aamica, nunca tivemos acesso”, diz Luiz Antonio Grassi, presidente da Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio (Aamica), que reúne frequentadores e apoiadores da casa. Grassi argumenta que a atual equipe da Cinemateca, formada por 11 servidores públicos e quatro profissionais terceirizados para programação, projeção e portaria, além da equipe de limpeza, está dando continuidade a uma política cultural de combate à discriminação, de valorização e reintegração social, articulada com diversos segmentos da sociedade e que, caso haja uma terceirização, há o temor de que esse trabalho seja descontinuado. “É até curioso, poucas vezes a gente consegue ver tão bem as coisas pelas quais a gente luta funcionando muito, muito bem. É uma iniciativa que teve muito êxito e está tendo uma gestão muito boa, muito eficiente e econômica por parte de uma equipe de funcionários da Prefeitura”, diz. “Quem garante que essa política continuará? Vai ter outra equipe, outra entidade e o que vai acontecer? Vai passar apenas filmes cult, filmes populares ou vai ser simplesmente um novo cinema de rua? E o acervo, como vai ser guardado?”, questiona. Ele ainda pergunta a razão para que a iniciativa seja tomada no último ano do governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). “Esse governo está acabando em 31 de dezembro. Se ele não continuar, o que é uma possibilidade, um outro governo vai ficar atrelado a um contrato. Isso seria uma coisa razoável?”
PROFISSIONAIS DO CINEMA
Presidente da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul (APTC-RS), entidade que encabeçou o movimento pela reabertura do Capitólio, Daniela Strack ressalta que o trabalho atual da Cinemateca é o resultado dessa construção iniciada há 20 anos. “É uma demanda que veio do setor, que veio da sociedade civil e foi sendo construída junto. Acho que o mais grave, além da programação, é essa ideia de terceirização do acervo, porque a gente está lidando com memórias. São doações dos acervos dos nossos profissionais e técnicos. A gente tem na Cinemateca roteiros de trabalhos originais dos diretores, material sensível. Películas que estão lá e que a gente enxergou na Cinemateca Capitólio o lugar adequado para guardar”, afirma. Para ela, o melhor seria manter a estrutura atual, em que o trabalho de gestão efetuado por servidores públicos é compartilhado com a Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul (Fundacine), responsável por ajudar na arrecadação de fundos e ampliar a oferta de serviços com esses recursos. Um dos trabalhos que só foi possível por recursos captados pela Fundacine foi a digitalização de acervos da casa. “A gente acha que essa gestão continuar sendo compartilhada seria o ideal, porque a gente está lidando com uma Cinemateca que não é só uma sala de cinema, ela é muito mais ampla. Não é só o fato de ter uma programação super qualificada”, diz Daniela. Uma preocupação que Daniela Strack expressa é que, caso a contratualização seja confirmada, o acesso e a consulta ao acervo da Cinemateca não sejam mais gratuitos, como, segundo ela, aconteceu após a terceirização da Cinemateca Brasileira, sediada em São Paulo. “A gente tem muito medo que isso aconteça com a Cinemateca aqui em Porto Alegre, essa restrição do acervo. Na Cinemateca Brasileira, o pesquisador tem que pagar para ir lá trabalhar, não é mais uma biblioteca aberta”, afirma.
EDITAL
O edital deverá prever que, em caso de erro de gestão por parte da OSC, a Prefeitura poderia reassumir a casa em 60 dias, mas Daniela pondera que, uma vez contratualizado, seria difícil recuperar serviços desmobilizados. “Como assumir em 60 dias se vai estar tudo desmobilizado?”
ACERVO
A respeito do acervo, o secretário Thiago Ribeiro diz que a gestão também deverá ser passada para a OSC, mas afirma que serão estabelecidos padrões de qualidade para a sua manutenção e que o edital prevê a melhoria dos sistemas de climatização e controle de umidade. Ele diz que será exigida a instalação de um sistema que emita alertas para variações bruscas de temperatura, o que não existe hoje, e que a OSC deverá ter uma equipe técnica capacitada para manutenção do acervo.
METAS
Daniela Strack também questiona o processo de contratualização da Cinemateca, especialmente a forma como ele tem sido conduzido pela SMPE. Por exemplo, com a implementação de metas que não seriam factíveis. De acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), a taxa de ocupação média do cinema do Capitólio — 30 pessoas por sessão — é quase o dobro da média nacional, 16 por sessão. Mesmo assim, a SMPE projeta que seria possível sair dos atuais 31 mil espectadores anuais para a casa dos 50 mil, ainda que este número seja acima de todos os cinemas de sala única do País, incluindo o circuito comercial.
FALTA DE DIÁLOGO
Além disso, ela reclama da falta de diálogo, uma vez que a conversa com o secretário Thiago Ribeiro só teria sido agendada depois de “muita batalha”. Conforme conta, um primeiro contato entre as partes foi realizado em agosto passado, depois de um evento promovido pela APTC-RS na própria Cinemateca para debater o futuro da instituição. A partir desse primeiro contato, Ribeiro teria ficado de chamar as entidades ligadas ao setor audiovisual para apresentar o estudo de economicidade do projeto. “Isso nunca aconteceu. A gente tentou uma série de vezes marcar essa próxima reunião, não conseguimos”, diz Daniela. A presidente da APTC-RS diz que, quando Daniela Mazzilli assumiu o cargo de coordenadora de Cinema e Audiovisual da SMC e, consequentemente, a gestão da Cinemateca em novembro passado, as entidades tentaram diversas vezes agendar uma nova reunião com a SMPE, o que só veio a acontecer na última semana de janeiro, depois de protocolados pedidos formais junto à Prefeitura. “O discurso dele é como se as portas estivessem abertas e não é bem assim, foi bem difícil”, afirma Daniela Strack. Uma nova reunião está marcada para a próxima semana, mas ela avalia que é pouco tempo. “Eles estão há um ano com esse projeto e aí chamam as entidades para colaborar, mas elas só tem uma semana. Não é realmente uma colaboração. Não nos chamaram para sentar junto e pensar projetos, de que forma seria essa parceria”, diz.