A ameaça do presidente Jair Bolsonaro a um jornalista que o questionou sobre o motivo de Fabrício Queiroz ter depositado R$ 89 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, não é um caso isolado. O fato ocorreu no domingo (23/8), durante visita do presidente à Catedral de Brasília. Além de não responder à pergunta, o presidente ainda ameaçou o jornalista, afirmando que "a vontade que tenho é encher a sua boca de porrada".
Durante a semana, Bolsonaro fez novo ataque, desta vez, atingindo toda a categoria. "Aquela história de atleta né, que o pessoal da imprensa vai para o deboche, mas quando pega num bundão de vocês a chance de sobreviver é bem menor", disparou o presidente. Devido à limitação até mesmo para reflexões simplórias, o presidente mirou nos jornalistas e, sem perceber, acertou nas mais de 116 mil vítimas de covid-19, classificando-as indiretamente de bundões, tal qual os jornalistas.
Não é de hoje que Jair Bolsonaro ataca jornalistas. Em dezembro do ano passado, o presidente disse a um jornalista que ele tinha “uma cara de homossexual terrível”. Em fevereiro, fez insinuações sexuais contra a repórter Patrícia Campos Mello. Bolsonaro afirmou, diante do Palácio do Planalto, que a repórter “queria dar seu furo”. E não se referia obviamente ao “furo” jornalístico. Uma fala que pode ser recebida como de caráter ofensivo à dignidade de todas as mulheres. No levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), só no primeiro semestre deste ano o presidente fez mais de 240 ataques contra a imprensa, incluindo 32 ataques pessoais a jornalistas. No ano passado, mais de 50% dos ataques à imprensa no Brasil foram de sua autoria.
HISTÓRICO DE AGRESSÕES
O presidente coleciona um longo histórico de declarações que vão de violação de direitos à apologia à violência e à tortura. Em 2003, atacou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), durante uma discussão na Câmara dos Deputados, sobre violência sexual, afirmando que não estupraria a parlamentar porque ela não merecia, por ser "muito feia". Durante a votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro justificou seu voto prestando uma homenagem a Brilhante Ustra, um dos mais cruéis torturadores da ditadura militar. O extenso currículo de agressões verbais e de declarações deploráveis do presidente, talvez expliquem a frieza, o menosprezo e o desrespeito às vítimas do covid-19 e seus familiares.
Foto: Marcos Corrêa/PR
BOLSONARO AMEAÇOU INTERVIR NO STF
A revista Piauí publicou reportagem revelando que o presidente Jair Bolsonaro esteve a ponto de intervir no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 22 de maio de 2020. A motivação da intervenção foi o ministro Celso de Mello encaminhar à Procuradoria-Geral da República, um pedido de busca e apreensão do celular do presidente, para que Augusto Aras desse seu parecer sobre o pedido. Esse procedimento é padrão e acontece em toda denúncia ou pedido que envolva a figura da Presidência da República. Ao seguir o rito imposto, o ministro não ameaçou apreender o celular do presidente, mas seguiu o devido processo legal. A jornalista Monica Gugliano, autora da matéria da revista Piauí, relata que a ideia do presidente era enviar militares para destituir os 11 membros do STF, substituindo-os por militares.
O assunto foi tratado durante reunião ministerial e a iniciativa teria como objetivo restabelecer a autoridade do presidente, que, em sua visão, vinha sendo vilipendiada pela Suprema Corte. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, achou que a medida proposta pelo presidente - de destituir a Suprema Corte - seria um erro. No mesmo dia, Heleno emitiu uma nota em tom de ameaça ao STF. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional", diz o texto. O processo foi arquivado dez dias depois do episódio.
CONFLITOS NA CÂMARA Ao que tudo indica, a conduta do presidente Bolsonaro e as iniciativas do seu governo têm influenciado negativamente os rumos do país. Ao violar a democracia e atacar direitos sociais e o estado de direito, Bolsonaro vem provocando sucessivas crises, levando o país a uma constante instabilidade política. O tensionamento provocado pelo presidente e pela sua base de apoiadores tem repercutido até no desempenho político da Câmara dos Deputados. No ano passado, o parlamento aprovou apenas 114 propostas. Em 2018, foram 157 matérias aprovadas no plenário da Casa. O número de projetos aceitos foi o menor desde 2016 (120).
No Senado, a situação foi inversa. Levantamento da presidência do Senado indica que, em 2019, foram votadas 331 matérias entre PECs, projetos de lei, medidas provisórias, projetos de decreto legislativo e projetos de resolução. O fato é que 2019 foi mais produtivo, comparado aos primeiros anos das últimas seis legislaturas. A diferença entre os números da Câmara e os do Senado podem ser explicados em função dos constantes conflitos entre Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Jair Bolsonaro, e também pela disputa por protagonismo entre Maia e Davi Alcolumbre, presidente do Senado e aliado do presidente. É consenso no meio político que Bolsonaro não convive bem com as diferenças. O presidente trata como inimigo que tem divergências com ele ou com seu governo. Isso explica os sucessivos rompimentos com apoiadores, que vão de deputados como Alexandre Frota a ministros como Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro.
VIOLAÇÃO DE DIREITOS
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), um colegiado independente que funciona no âmbito do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, aponta que as ações no primeiro ano do seu mandato, permitiram a violação de direitos humanos. Entre as violações estão a suspensão da reforma agrária, a ampliação da liberação de agrotóxicos, a extinção de cargos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – um grupo de peritos independentes fundamental para a detecção de tortura em presídios, por exemplo – e uma portaria que permitiu a deportação sumária de imigrantes. Segundo um parecer encomendado pelo conselho, as medidas adotadas nestes primeiros 12 meses afetaram a política de combate à desigualdade e violência e a promoção de educação e cultura.
DEFESA DA DEMOCRACIA O movimento Brasil pela Democracia e pela Vida reúne mais de 70 entidades e foi lançado em junho deste ano por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em conjunto com entidades como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), Comissão Arns, centrais sindicais, movimentos e organizações não-governamentais. A iniciativa também conta com o aporte do Pacto pela Democracia, uma coalizão de movimentos, coletivos, organizações, associações e cidadãos que atua por meio de uma plataforma de ações conjuntas. A partir desta estrutura, que tem alcance nacional, o movimento colocou na rua, no dia 29 /6, a campanha #BrasilpelaDemocracia #BrasilpelaVida”.
VIRADA PELA DEMOCRACIA Poucos dias depois, promoveu a Virada pela Democracia, um mega evento online, que iniciou no final da tarde da sexta-feira dia 3 de julho e se estendeu por todo o fim de semana (4 e 5/7). A iniciativa contou com a colaboração e o envolvimento de praticamente todas as entidades que integram o movimento. Além de ter possibilitado a realização de inúmeras atividades em diferentes cantos do Brasil e com formatos distintos, a Virada reuniu dezenas de convidados proporcionando debates relacionados à defesa da democracia e da vida e o aprofundamento de temas como direito à alimentação, fake news, violência contra a mulher, cultura, patrimônio e meio ambiente.
100 MIL MORTES NO BRASIL No início deste mês, no dia 8 de agosto, data em que o país superou a marca de 100 mil mortes provocadas pela covid-19, o Brasil pela Democracia e pela Vida veiculou um vídeo em que faz uma analogia entre as 100 mil mortes ocorridas em função da bomba em Hiroshima, no Japão, durante a II Guerra Mundial, e as vítimas da pandemia de coronavírus no Brasil, que naquele momento já superavam a marca de 100 mil óbitos.
A coordenação do movimento Brasil pela Democracia e pela Vida afirmou que, em breve, promoverá outras atividades para chamar a atenção da sociedade e denunciar os ataques permanentes às instituições, à imprensa, ao Estado Democrático de Direito, bem como alertar para a violação de direitos dos cidadãos e cidadãs e da própria Constituição. Além de combater o fascismo, a campanha também é direcionada à defesa da vida. Por isso, o movimento tem alertado para a omissão e a negligência por parte do governo federal em relação ao combate à pandemia do novo coronavírus.
OMISSÃO DO GOVERNO BOLSONARO
O Brasil registrou mais de 116,5 mil mortes provocadas pelo avanço do covid-19 no país. A omissão do governo diante da pandemia agravou ainda mais a crise econômica, atingindo principalmente a população mais pobre e vulnerável. A pandemia levou milhares de pequenas empresas a fecharam suas portas, aumentando o desemprego, realidade que já atinge milhões de trabalhadoras e trabalhadores em todo o país. O descaso de Bolsonaro diante da necessidade de adotar medidas preventivas, como o distanciamento social, contribuiu para que o Brasil permanecesse por 11 semanas como epicentro da covid-19 no mundo. Ao não registrar redução do número de mortes e de contaminados, a crise econômica se prolonga e se estende ainda por mais tempo.
PROTEGER A VIDA De acordo com a coordenação do movimento Brasil pela Democracia e pela Vida, “o objetivo é congregar todos e todas que compreendem como indispensável a defesa da paz e a preservação do Estado Democrático de Direito e suas instituições, de maneira a assegurar, fortalecer e expandir os ainda insuficientes espaços de participação e intervenção social. Além disso, os organizadores ressaltam que as iniciativas do movimento buscam “unir esforços para proteger a vida, favorecendo a solidariedade, a cooperação, a articulação e a coordenação entre governos, instituições, organizações, movimentos e cidadãos e cidadãs.”
ENTIDADES NO RS
Entre as mais de 70 entidades que compõem o Brasil pela Democracia e pela Vida, algumas delas têm atuação no Rio Grande do Sul, como a Associação de Juristas pela Democracia, o Comitê em Defesa pela Democracia e do Estado Democrático de Direito, o Instituto Novos Paradigmas, Democracia e Mundo do Trabalho, Federação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (FEMERGS) e o www.esquinademocratica.com.
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