Depois da pandemia, que já matou cerca de quatro milhões de pessoas no mundo, sendo mais de 650 mil apenas no Brasil, o início de 2022 não é nada promissor. A guerra na Ucrânia coloca a humanidade em alerta, diante da possibilidade do uso de armas químicas, bacteriológicas e atômicas.
Por pelo menos dois anos, o mundo viveu e conviveu com os dilemas do isolamento social, com o colapso dos sistemas de saúde e com os prejuízos econômicos, gerados pelo desemprego, pela queda do consumo e pela instabilidade financeira.
Além da covid que segue matando milhares de pessoas no planeta, das bombas na Ucrânia, da ascensão do nazismo no mundo, das turbulências comerciais que surgem a partir das sanções e dos embargos econômicos, o medo de uma terceira guerra já faz parte das nossas vidas, tanto quanto a discriminação racial, a homofobia e a violência contra a mulher.
Diante da iminência do caos e das trevas, da tristeza que se instala em nós sem pedir licença, lembrei do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que usou a palavra entusiasmo para definir seu sentimento em relação às milhares de pessoas que saíram às ruas de Madri, em maio de 2011. Na época, manifestantes clamavam, em diferentes lugares do mundo, por uma nova visão de sociedade, priorizando a vida em relação aos interesses políticos. Assistindo as imagens da guerra na Ucrânia, dos escombros, das cidades destruídas, de pessoas mortas e de milhares de refugiados, lembrei das palavras de Galeano. Elas se transformaram em esperança, uma espécie de tábua de salvação para não sucumbir à tempestade que se tornou a vida nestes tempos de mar revolto e águas profundas.
O autor de As Veias Abertas da América Latina disse a um repórter espanhol que a palavra vem do grego e sua origem significa ter os deuses dentro de si. Galeano explicou que todas as vezes que os deuses estão dentro de uma ou de muitas pessoas, isso o inspirava a dizer que valia a pena viver. "Isso está muito além da pequenez política, de ganhar ou perder e também da realidade individual. Estas coisas menores importam pouco em relação a esta outra vida que nos espera. Este outro mundo, que esta na barriga da vida atual, é infame e mal nascido, bem diferente do que esta por vir".
O sábio Eduardo Galeano nos disse ainda que "a história é um paradoxo andante e que a contradição move-lhe as pernas e talvez por isso os seus silêncios digam mais que as suas palavras e muitas vezes as suas palavras revelam, mentindo, a verdade".
De certa forma, a guerra tomou conta das manchetes e dos noticiários, relegando tudo mais a uma condição secundária. Estes tempos tristes nos remetem a resistir. Por isso, é preciso mirar o horizonte sem deixar de ver o que está mais próximo.
MULHERES O 8 de março deixou de ser luta de um dia e se tornou contínua e permanente, afinal a resistência vem de longa data, como escreveu Galeano, no livro Espelhos.
Segue abaixo alguns trechos extremamente oportunos para esse início de 2022.
Desde o ano 1.234, e durante os sete séculos seguintes, a Igreja Católica proibiu que as mulheres cantassem nos templos. As suas vozes eram impuras, devido àquele caso da Eva e do pecado original.
No ano de 1783, o rei da Espanha decretou que não eram desonrosos os trabalhos manuais, os chamados "ofícios vis", que até então acarretavam a perda da fidalguia. Até ao ano de 1986 foi legal o castigo das crianças, nas escolas da Inglaterra, com correias, varas e cacetes.
Em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade, em 1793 a Revolução Francesa proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A militante revolucionária Olympia de Gouges propôs então a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. A guilhotina cortou-lhe a cabeça.
Meio século depois, outro governo revolucionário, durante a Primeira Comuna de Paris, proclamou o sufrágio universal. Ao mesmo tempo, negou o direito de voto às mulheres, por unanimidade menos um: 899 votos contra, um a favor.
A imperatriz cristã Teodora nunca disse que era uma revolucionária, nem nada que se parecesse. Mas há mil e quinhentos anos o império bizantino foi, graças a ela, o primeiro lugar do mundo onde o aborto e o divórcio foram direitos das mulheres.
LIVRE COMÉRCIO
Lootie", ("Saquezinho") foi o primeiro cão pequinês a chegar à Europa.
Viajou para Londres em 1860. Os ingleses batizaram-no assim porque era parte do saque extorquido à China no fim das longas guerras do ópio.
Vitória, a rainha narcotraficante, tinha imposto o ópio a tiros de canhão. A China foi convertida num país de drogados, em nome da liberdade, a liberdade de comércio.
Em nome da liberdade, a liberdade de comércio, o Paraguai foi aniquilado em 1870. Ao final de uma guerra de cinco anos, este país, o único das Américas que não devia um centavo a ninguém, inaugurou a sua dívida externa. Às suas ruínas fumegantes chegou, vindo de Londres, o primeiro empréstimo. Foi destinado a pagar uma enorme indenização ao Brasil, à Argentina e ao Uruguai. O país assassinado pagou aos países assassinos pelo trabalho que tinham tido a assassiná-lo.
O Haiti também pagou uma enorme indemnização. Desde que em 1804 conquistou a sua independência, a nova nação arrasada teve de pagar à França uma fortuna, durante um século e meio, para expiar o pecado da sua liberdade.
As grandes empresas têm direitos humanos nos Estados Unidos. Em 1886, o Supremo Tribunal de Justiça estendeu os direitos humanos às corporações privadas, e assim continua a ser. Poucos anos depois, em defesa dos direitos humanos das suas empresas, os Estados Unidos invadiram dez países, em diversos mares do mundo.
Os campos de concentração nasceram na África. Os ingleses iniciaram a experiência, e os alemães desenvolveram-na. Depois disso, Hermann Göring aplicou na Alemanha o modelo que o seu pai tinha testado, em 1904, na Namíbia. Os mestres de Joseph Mengele tinham estudado, no campo de concentração da Namíbia, a anatomia das raças inferiores. As cobaias eram todas negras.
OS AMIGOS DE HITTLER
“Os amigos de Adolf Hitler têm má memória, mas a aventura nazi não teria sido possível sem a ajuda que deles recebeu. Como seus colegas Mussolini e Franco, Hitler contou com o precoce beneplácito da Igreja Católica. Hugo Boss vestiu seu exército. Bertelsmann publicou as obras que instruíram seus oficiais.
Seus aviões voavam graças ao combustível da Standard Oil [hoje Exxon e Chevron], seus soldados viajavam em caminhões e jeeps da marca Ford.
Henry Ford, criador desses veículos e do livro O judeu internacional, foi sua musa inspiradora. Hitler agradeceu por tudo condecorando-o.
Também condecorou o presidente da IBM, a empresa que tornou possível a identificação dos judeus.
A Rockefeller Foundation financiou investigações raciais e racistas da medicina nazi.
Joe Kennedy, pai do presidente, era embaixador dos Estados Unidos em Londres, porém mais parecia embaixador da Alemanha. E Prescott Bush, pai e avô de presidentes, foi colaborador de Fritz Thyssen, quem pôs sua fortuna à disposição de Hitler.
O Deutsche Bank financiou a construção do campo de concentração de Auschwitz.
O consórcio IGFarben, o gigante da indústria química alemã, que depois passou a se chamar Bayer, Basf ou Hoechst, usava como ratos de laboratório os prisioneiros dos campos, e além disso os usava como mão de obra. Estes operários escravos produziam de tudo, incluindo o gás que ia matá-los.
Os prisioneiros trabalhavam também para outras empresas, como Krupp, Thyssen, Siemens, Vasrta, Bosch, Daimler Benz, Volkswagen e BMW, que eram a base econômica dos delírios Nazis.
Os bancos suíços ganharam uma nota preta comprando de Hitler o ouro de suas vítimas: suas joias e seus dentes. O ouro entrava na Suíça com assombrosa facilidade, enquanto a fronteira estava completamente fechada* para os fugitivos de carne e osso.
A Coca-cola inventou a Fanta para o mercado alemão em plena guerra. Nesse período, também Unilever, Westinghouse e General Eletric multiplicaram ali seus investimentos e suas ganâncias.
Quando a guerra terminou, a empresa ITT recebeu uma milionária indenização porque os bombardeios aliados haviam danificado suas fábricas na Alemanha”.
Excelente, Alexandre!