O coronel do Exército uruguaio Eduardo Ferri foi condenado à prisão pelo Tribunal Penal do Uruguai, na quarta-feira passada (20/11), em Montevidéu, pelo sequestro ilegal do casal Universindo Dias/Lilian Celiberti e de seus dois filhos menores. A ação foi executada pela Operação Condor, em novembro de 1978, em Porto Alegre, com apoio do Departamento de Ordem Político e Social (DOPS-RS).
A juíza Sílvia Urioste, do Tribunal Penal de 27º Turno, considerou Ferri o principal responsável pela ação clandestina realizada em território brasileiro. Esta é a segunda condenação do militar uruguaio, que está com 77 anos, pelo mesma modalidade criminosa. O coronel uruguaio foi preso em setembro de 2017, em um hotel de Madri.
A Operação Condor era uma aliança de cooperação formada pelas ditaduras instaladas nos países do Cone Sul. Estabelecida oficialmente em 25 de novembro de 1975 durante reunião com a participação de integrantes dos serviços de inteligência militar da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, tinha como objetivo executar ações clandestinas e à margem da lei, com apoio dos Estados Unidos.
Por meio da unificação dos aparatos repressivos dos países participantes, torturou, sequestrou, assassinou e sumiu com os corpos de opositores aos regimes militares na América do Sul. As vítimas eram militantes de esquerda, líderes sindicais, camponeses, padres e freiras, estudantes, professores, intelectuais e suspeitos de participarem de movimentos armados.
SEQUESTRO TEVE REPERCUSSÃO INTERNACIONAL O sequestro dos uruguaios em Porto Alegre teve repercussão internacional, após dois jornalistas brasileiros terem recebido informações anônimas sobre o fato. O repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo João Baptista Scalco, da sucursal da revista Veja em Porto Alegre - RS, foram ao apartamento onde vivia o casal, no bairro Menino Deus, na capital gaúcha. Confundidos com companheiros dos uruguaios, os jornalistas foram recebidos por homens armados que mantinham Lílian presa. Universindo e os filhos de Lílian, Camilo e Francesca, de 8 e 3 anos de idade, já haviam sido levados ao Uruguai clandestinamente.
A inesperada chegada dos jornalistas quebrou o sigilo da operação, obrigando os militares a levarem rapidamente Lílian a Montevidéu. Em 1980, dois inspetores do Departamento de Ordem Político e Social, uma ramificação oficial da polícia a serviço da repressão política durante o regime militar e que haviam participado da prisão dos jornalistas no apartamento de Lilian em Porto Alegre, foram condenados pela Justiça brasileira. Eram João Augusto da Rosa e Orandir Portassi Lucas (um ex-jogador de futebol conhecido como Didi Pedalada), ambos identificados pelos jornalistas e pelo casal de uruguaios como sendo participantes no sequestro. O episódio confirmou a participação do governo do Brasil na Operação Condor.
Apesar das torturas sofridas, o casal sobreviveu e foi libertado em novembro de 1983. Lilian, Universindo e as duas crianças são os únicos sobreviventes conhecidos a terem sofrido uma ação da Operação Condor. O número de vítimas da Operação Condor não é preciso. O Centro Internacional para a Promoção dos Direitos Humanos aponta um total de 377 vítimas oficialmente comprovadas.
ARQUIVOS DO TERROR
Em 22 de dezembro de 1992, veio à tona uma série de informações sobre a Operação Condor, quando José Fernández, um juiz do Paraguai, visitou uma delegacia de polícia para buscar os arquivos de um ex-preso político. Em vez disso, ele encontrou o que mais tarde seria conhecido como "Arquivos do Terror", onde são detalhados a tortura, sequestro e assassinato de milhares de latino-americanos pelos serviços de segurança da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Os documentos comprovam a existência de um acordo entre esses países para a troca de informações e o assassinato de cerca de 50 mil opositores políticos na América Latina.
MÚSICO BRASILEIRO DESAPARECIDO NA ARGENTINA
No dia 18 de março de 1976, Francisco Tenório Júnior, saiu do hotel em Buenos Aires para comprar cigarros e nunca mais apareceu. Tenorinho tinha 35 anos, era músico da banda que acompanhava os cantores/compositores brasileiros Toquinho e Vinícius de Morais. Dez anos depois, a revista Senhor (hoje, ISTOÉ) revelou que um conselheiro da Embaixada do Brasil na capital argentina o visitou quando estava preso na Escola Mecânica da Armada (ESMA). Ele relatou que o músico foi assassinado, depois de vários dias de tortura praticada por marinheiros argentinos e brasileiros. As informações foram passadas pelo ex-marinheiro Cláudio Vallejos, que lembra o nome de um brasileiro, o major do Exército Souza Baptista Vieira. Vallejos ouviu Vieira dizer que o músico era apenas amigo de comunistas, mas isso bastava! O executor foi o famoso Alfredo Astiz, ex-capitão da Marinha Argentina, acusado do assassinato de 5 mil pessoas e condenado à prisão perpétua em 2011, por crimes de lesa-humanidade.
MAIS DE 30 MIL TORTURADOS E MORTOS
O jornalista norte-americano John Dinges autor de "Os anos do Condor" foi correspondente do jornal "Washington Post" na América Latina e viveu no Chile, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Ele revela que mais de 30 mil opositores aos regimes militares na América Latina foram torturados e assassinados pela Operação Condor. Ao todo, o autor entrevistou 200 pessoas e pesquisou milhares de documentos. Emmanoel Bezerra dos Santos (1943-1973), dirigente do Partido Comunista Revolucionário (PCR), fora enviado ao Chile e à Argentina para dialogar com outras organizações de esquerda no exílio para formar uma Frente Revolucionária. Foi mais uma vítima da “Condor”, tendo sido preso e torturado até a morte. Um grupo de remanescentes da Vanguarda Popular Revolucionária desapareceu na Foz do Iguaçu, fronteira Brasil/Paraguai. Entre eles, Onofre Pinto, José Lavecchia, os irmãos Daniel e Joel de Carvalho, Vítor Ramos e, provavelmente, Gilberto Farias Lima.
MORTOS NA ARGENTINA O major Joaquim Pires Cerveira, dirigente da Frente de Libertação Nacional (FLN), foi preso em Buenos Aires, como relata sua filha, a jornalista e historiadora Neusah Cerveira: “Às 18 horas do dia 5 de dezembro de 1973, meu pai Joaquim Pires Cerveira (…) se dirigiu a um encontro com seu companheiro de Organização (…) João Batista de Rita Pereda. Atropelado e seqüestrado com Pereda no centro de Buenos Aires pela Operação Condor, foram entregues à ditadura brasileira. Meu pai foi assassinado em 13 de janeiro de 1974 no DOI-Codi da Barão de Mesquita (RJ), tornando-se um desaparecido político. Dali para frente, a vida se resumiu na busca da verdade e dos seus restos mortais.”