O incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, foi uma das maiores tragédias do Brasil. Quase nove anos depois da triste madrugada de 27 de janeiro de 2013, os quatro acusados pelo incêndio que resultou na morte de 242 pessoas e 636 feridos vão a júri popular, a partir das 13 horas da próxima quarta-feira, 1º de dezembro. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), o julgamento pode durar 15 dias e, provavelmente, será uma das audiências mais longas já realizadas no estado.
As sessões serão realizadas diariamente em três turnos, inclusive aos fins de semana, e serão encerradas às 23 horas, podendo, avançar pela madrugada, sendo retomadas às 9 horas da manhã. O júri será composto por 68 pessoas, escolhidas na última quarta-feira (24/11) por sorteio a partir de uma lista de 150 pessoas.
No dia do julgamento, sete dos 68 jurados serão destacados para compor o Conselho de Sentença que irá julgar os réus Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann (sócios da boate) e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão (integrantes da banda que se apresentou naquela trágica noite de verão).
CRUELDADE
Durante meses, o pai de uma jovem morta no incêndio da boate Kiss, conviveu com uma angústia: ter de testemunhar na defesa de um dos acusados de serem os causadores da tragédia. No caso, o dono da boate, Elissandro Spohr.
O episódio ocorreu com Flavio Silva. Há alguns meses, ele descobriu que o advogado Jader Marques o havia colocado no rol de quem falaria em juízo para tentar inocentar seu cliente.
“Veja bem, um dos maiores responsáveis pelo assassinato da minha filha… O defensor dele me arrolou para ser testemunha de defesa. Até hoje não consigo entender essa atitude de desumanidade. Na verdade, é uma atitude de crueldade”, repudia Flavio.
Pai de Andrielle Righi da Silva, morta na tragédia aos 22 anos, Flavio desabafou inicialmente com o amigo e diretor de cinema Luiz Alberto Cassol. Eles se aproximaram quando Cassol co-dirigiu o documentário “Janeiro 27”, que relata a tragédia, com entrevistas com mães, pais e sobreviventes. Tornaram-se confidentes desde então. A possibilidade de servir como defesa de um dos réus constrangeu Flavio profundamente. Durante meses, ele não soube como contar para a mulher e a filha, nem mesmo para os membros da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), da qual é presidente.
A angústia e o estresse consumiram sua saúde. Neste mês, Flavio teve uma isquemia cardiovascular e precisou passar por cateterismo.
“Isso foi um choque para mim porque eu não entendia. Eu, que não estava na boate na noite que aconteceu a tragédia, nem nas proximidades, fui arrolado por esse advogado para testemunhar para o réu que matou a minha filha”, desabafa.
A menos de um mês do julgamento, novamente sem qualquer explicação, o nome de Flavio deixou de constar do rol de testemunhas. Ele não sabe a razão, mas não deixa de se indignar pelos danos irreversíveis causados pela frieza da defesa.
VÍDEO
Contornados os problemas de saúde mais emergenciais, mas ainda debilitado, sentiu-se seguro para detalhar o episódio e pediu que Cassol fizesse o registro para levar à sociedade o que considera cruel. “Até que ponto um advogado [pode ir] para salvar a pele do cliente, sem levar em consideração se o pai ou mãe está sofrendo ou não a dor da perda do filho?”, questiona.
“Ser usado como argumento de algum defensor dos réus para tentar, de alguma forma, desvirtuar o pensamento da sociedade e confundir, num ato tão baixo, imoral e desumano, é cruel demais. Acho que a sociedade merecia saber desse relato”, justifica Flavio, emocionado, no vídeo que resolveu fazer com o depoimento ao diretor e amigo. O material está disponível nas redes sociais da AVTSM.
Os sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão respondem por 242 homicídios simples e 636 tentativas de homicídios, ocorridos na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013. O julgamento começa no dia 1º de dezembro, no Fórum Central de Porto Alegre.
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UMA LONGA CAMINHADA JURÍDICA
A ação penal original sobre a tragédia de Santa Maria tramita na 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Embora o fato tenha ocorrido em 27 de janeiro de 2013, a ação penal iniciou apenas após a formalização da denúncia pelo Ministério Público, o que ocorreu no dia 2 de abril daquele ano. Durante o processo, foram realizadas 64 audiências e ouvidas 215 pessoas, entre vítimas sobreviventes, testemunhas, peritos e interrogatórios de réus.
Por decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2019, os quatro acusados pelo incêndio irão a júri popular, a partir da próxima quarta-feira em Porto Alegre. A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu transferir o julgamento, que ocorreria em Santa Maria, para a capital gaúcha. No final de maio deste ano, o juiz Faccin, que presidirá o júri, explicou que a pandemia de coronavírus e a complexidade de logística de um júri que deverá se estender por dias, o levaram a marcar a data para o final do ano. O magistrado autorizou pedido feito pela defesa do réu Elissandro Callegaro Spohr, para que sejam incluídas ao processo cópias, tanto do procedimento instaurado para abertura de ação penal contra o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (MDB), quanto da ação penal instaurada contra os Bombeiros de Santa Maria. O pedido do Ministério Público para aumentar o número de jurados a serem sorteados, de 100 para 150, foi acatado. O Tribunal de Justiça também determinou a realização de dois sorteios suplementares após o sorteio principal. Como é esperado que o julgamento se estenda por vários dias, é considerado que haja desgaste dos jurados. As partes envolvidas no caso foram consultadas sobre o sorteio de dois outros jurados como suplentes. São cinco dias para elas se manifestem. A Associação dos Familiares e Vítimas da Tragédia (AVTSM) ocupará 50 assentos, que serão alternados entre os interessados. Parentes que não integram a entidade terão direito a seis lugares, totalizando 56. Os demais espaços serão ocupados pela imprensa (12 lugares), acusados (16 – quatro para cada um dos réus) e Ministério Público (2).
CONFIRA O HISTÓRICO DO PROCESSO JURIDICO A ação penal original sobre a tragédia de Santa Maria tramita na 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Embora o fato tenha ocorrido em 27 de janeiro de 2013, a ação penal iniciou apenas após a formalização da denúncia pelo Ministério Público, o que ocorreu no dia 2 de abril daquele ano. Durante o processo, foram realizadas 64 audiências e ouvidas 215 pessoas, entre vítimas sobreviventes, testemunhas, peritos e interrogatórios de réus.
INVESTIGAÇÃO A investigação policial foi realizada de 27 de janeiro a 2 de abril de 2013.
PRISÕES TEMPORÁRIAS
A prisão temporária dos réus ocorreu no dia 28 de janeiro de 2013.
PRISÃO PREVENTIVA
No dia 1º de março de 2013 foi decretação de prisão preventiva, revogada em 29 de maio de 2013 pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em habeas corpus interposto pela defesa do músico Marcelo de Jesus dos Santos.
RECURSOS NEGADOS
O Ministério Público recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, inclusive postulando ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul medida cautelar para suspender a libertação enquanto não julgados os recursos. E ao Supremo Tribunal Federal a suspensão da decisão que libertou os réus. Todos os recursos e cautelares foram negados.
ASSOCIAÇÃO A Associação das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), algumas vítimas sobreviventes pessoalmente e familiares de outras falecidas, com a concordância do Ministério Público, ingressaram no processo na condição legal de assistentes.
FORMALIZAÇÃO DA DENÚNCIA A denúncia foi formalizada no dia 2 de abril de 2013, contra os sócios da boate Kiss Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Augusto Bonilha Leão (produtor e auxiliar de palco). Eles foram acusados pelo Ministério Público por homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual, qualificados por fogo, asfixia e torpeza. Os dois sócios da casa noturna foram os responsáveis pelas reformas estruturais nela realizadas, instalação da espuma que incendiou e causou a tragédia, superlotação e contratação do show pirotécnico sem condições de segurança. Já os integrantes da banda acionaram o fogo de artifício, destinado ao uso em ambientes externos, no palco da boate, onde havia cortinas e madeira, e direcionaram-no para a espuma, que estava a poucos centímetros das fagulhas.
QUATRO RÉUS
No dia 27 de julho de 2016, o juiz decidiu pela pronúncia dos quatro réus, pelos homicídios e tentativas de homicídios, nos exatos termos da denúncia do Ministério Público. As defesas dos quatro processados interpuseram recursos junto ao Tribunal de Justiça (nº 70071739239). No dia 30 de novembro de 2016, a Procuradoria de Justiça Criminal emitiu parecer pela manutenção da pronúncia.
DECISÃO MANTIDA
No dia 22 de março de 2017, por dois votos a um, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a pronúncia dos dois sócios fáticos da boate Kiss – Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann – e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira – Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão – pelo homicídio de 242 pessoas e tentativa de homicídio de outras 636. A decisão ocorreu no julgamento de Recurso em Sentido Estrito impetrado pelas defesas dos réus. Foi conservado o entendimento de que houve dolo eventual nas práticas dos homicídios, o que mantém ao Tribunal do Júri a competência de julgamento. No entanto, os desembargadores, por maioria, entenderam pela exclusão das qualificadoras (fogo, asfixia e torpeza).
FRAUDE PROCESSUAL
Também foram denunciados, na mesma ocasião, por fraude processual, os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze; e, por falso testemunho, o ex-sócio da boate Kiss Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor Panzer, funcionário Eliseo Jorge Spohr, pai de Elissandro. Os dois bombeiros praticaram crime de fraude processual ao encaminhar à Polícia Civil documentos que não constavam originalmente no Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) da boate Kiss e foram obtidos e autenticados após a tragédia. Por sua vez, Elton e Volmir cometeram falso testemunho ao afirmar em depoimentos à Polícia Civil que Eliseo não era sócio da casa noturna, quando na verdade existiam indicativos de que ele fosse, embora não aparecesse no contrato social.
Houve cisão parcial, passando a constituírem processos criminais específicos, quanto a essas acusações por fraude processual 027/2130006197-6 e falso testemunho 027/2130006199-2.SISENTES DA ACUSAÇÃO
VAKINHA PARA AJUDAR OS FAMILIARES DAS VÍTIMAS
Para garantir uma estrutura de acolhimento para as pessoas que irão acompanhar todo o processo, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) organizou uma "vakinha" para custeio das despesas dos familiares.
CONTRIBUA PIX (CNPJ) 17802573000131 PIX (EMAIL) avtsmsecretaria@gmail.com VAKINHA http://vaka.me/891146 https://www.vakinha.com.br/vaquinha/participacao-dos-familiares-no-juri-do-caso-kiss