JOEL SILVEIRA, O ÚLTIMO MAGO DO JORNALISMO
- Alexandre Costa
- 5 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
por Nora Prado (*)

Neste domingo assisti ao documentário de Geneton Moraes Neto, Garrafas ao Mar, a Víbora Manda Lembranças, sobre a vida e obra do jornalista Joel Silveira. Sergipano que chegou ao Rio de Janeiro, em 1937 para cursar a faculdade de direito, mas abandonou o curso no segundo ano para tornar-se repórter e um dos maiores jornalistas brasileiros. Iniciou na carreira trabalhando no semanário Dom Casmurro, jornal esquerdista de propriedade de Brício de Abreu e Álvaro Moreyra. Depois foi trabalhar como repórter e secretário da revista Diretrizes, de Samuel Wainer onde permaneceu até a redação ser fechada pelo DIP, em 1944. Escreveu também para os Diários Associados, Última Hora, O Estado de São Paulo, Diário de Notícias, Correio da Manhã e Manchete.
De Assis Chateaubriand ganhou a alcunha de “A Víbora”, por ser muito astuto e inteligente. Foi enviado pelo chefe para cobrir a participação do Brasil na 2º Guerra Mundial, em 1945, junto à Força Expedicionária Brasileira sendo um dos precursores do jornalismo internacional no país. Sua experiência neste episódio, além das crônicas pontuais da época, resultou em quatro livros publicados ao longo de sua brilhante carreira.
Geneton Moraes, o diretor do filme, se torna aprendiz e amigo de Joel, que passa a visitar e a entrevistar com regularidade em longas conversas gravadas em fita cassetes e em vídeos. Trabalho de valor inestimável, pois registra para a posteridade o pensamento vivo de um dos grandes jornalistas brasileiros despojado de vaidades numa simplicidade comovente. É maravilhoso ver e ouvir de sua própria voz as respostas intrigantes, prosaicas e desconcertantes para as perguntas sobre personagens históricos como Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, David Nasser, Assis Chateaubriand, Jânio Quadros, Rubem Braga, Gilberto Freire, entre tantos outros.
Seu texto, impecável quanto a apuração objetiva dos fatos, não se curvava ao imperativo frio da notícia, antes se deixava envolver por um certo grau de subjetividade e sensibilidade que transmitia numa fluência quase poética que emocionava o leitor. Essa capacidade narrativa extraordinária, aliada ao espírito investigativo e humanista, cedo o distinguiu entre os seus pares como um gigante da palavra escrita. Tanto que muitos de seus artigos jornalísticos são obra de estudo e permanecem como parâmetro de um tipo de jornalismo literário, praticamente em extinção. Exercido com grande personalidade, profundidade e impacto emocional. Tanto assim, que ao longo do filme, muitos destes trechos são interpretados por dois mestres do Teatro: Carlos Vereza e Othon Bastos. Através deles somos levados pelas imagens e atmosferas vividas por um repórter ávido por extrair da vida as suas cores mais intensas e legítimas. A pontuação feita pelos atores, ao longo do documentário, amplificam o sentido da visão crítica e a flor da pele de Joel Silveira.
Joel foi membro fundador do Partido Socialista Brasileiro e por conta de sua simpatia pelos movimentos da esquerda foi preso algumas vezes, mas nunca se acovardou por causa das suas posturas políticas, sendo fiel a sua natureza humanista e profundamente solidária com a condição humana.
Nos últimos anos sofria por conta da solidão, pois seus amigos mais próximos tinham morrido, e de um câncer de próstata. Um de seus prazeres era conversar com o pupilo Geneton que, sem querer, já colhia material para o futuro filme.
Ao longo dessas conversas a personalidade de Joel se revela apaixonada pelo ser humano, pela vida e com uma vasta cultura geral que o qualificaram para exercer o papel de repórter do seu tempo com vocação, paixão e maestria. Uma obra a ser conhecida em maior profundidade nas universidades de jornalismo e letras, bem como ser lida por leigos para aprender mais sobre a política e a cultura do Brasil. Ao longo de sua carreira Joel publicou 23 livros entre jornalismo e ficção.
Garrafas ao Mar, a Víbora Manda Lembranças, é uma aventura fascinante que está disponível no YouTube e merece ser visto por qualquer um disposto a conhecer o último mago do jornalismo brasileiro. Pois mais do que uma víbora, Joel Silveira foi um alquimista da palavra.
Porto Alegre, 6 de maio de 2021.
* Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.