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Foto do escritorAlexandre Costa

INVESTIGAÇÕES DO ASSASSINATO DE MARIELLE, QUE FARIA 42 ANOS NESTA TERÇA (27/7), FORAM MAL CONDUZIDAS

Nesta terça-feira (27/7), a ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) completaria 42 anos, se não tivesse sido assassinada junto com seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. O crime chocou o Brasil e as investigações para identificar a motivação, os autores e os possíveis mandantes foram mal conduzidas. Marielle e Anderson sofreram uma emboscada na Rua Joaquim Palhares, bairro do Estácio, região central da capital fluminense. O carro em que estavam foi abordado por outro veículo e alvejado por vários disparos, que atingiram a vereadora e o motorista. Além dos erros primários e do desperdício de provas potencialmente reveladoras, as investigações foram marcadas por ações extremamente confusas e conturbadas, sendo consideradas, por especialistas, como quase amadoras.

Na emboscada, foi usado um Chevrolet Cobalt clonado e os investigadores descobriram que Eduardo Almeida Nunes de Siqueira, morador da Muzema, favela dominada pela milícia, clonou um veículo do mesmo modelo, entre janeiro e fevereiro de 2018. Além disso, outro fato que chama a atenção é que o advogado Bruno Castro, que representa Siqueira, é o mesmo que atua para o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, acusado de executar Marielle e Anderson. O jornal faz uma importante associação, revelando que em depoimento prestado à Delegacia de Homicídios (DH), em 2018, Siqueira havia dito que clonou um carro igual ao usado no crime, mas as afirmações “foram esquecidas no processo”. Eduardo “não sabia informar” se o carro tinha sido utilizado no assassinato, mas viu grande semelhanças com o veículo que clonou.


SUSPEITOS

A polícia do Rio segue outras linhas de investigação. Uma das versões acredita que o ex-bombeiro, ex-vereador e miliciano Cristiano Girão ordenou a morte de Marielle, com o objetivo de se vingar do deputado federal Marcelo Freixo (Psol). Girão era um dos nomes na lista da CPI das Milícias, em 2008, presidida por Freixo. O miliciano ficou preso até 2017, um ano antes do crime. O ex-bombeiro diz que possui um álibi, mas o Ministério Público solicitou ao Google o fornecimento da localização de Girão no momento do crime. O MP aguarda o julgamento de três recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF). O Google recorreu da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou o fornecimento de informações às autoridades fluminenses. Em março de 2019, Lessa, de 48 anos, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46, foram presos. A força-tarefa que levou à Operação Lume diz que eles participaram dos assassinatos de Marielle e Anderson. Segundo as autoridades, Lessa efetuou os 13 disparos, enquanto Élcio dirigia o Cobalt.


A investigação do caso Marielle não chegou a uma conclusão sobre a existência ou não de um mandante, mas revelou uma estrutura sólida de atuação de milicianos e assassinos de aluguel no Rio de Janeiro. O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio entrou na apuração do crime em setembro de 2018 e conseguiu, enquanto procurava os assassinos, investigar e prender integrantes da milícia mais antiga do país - de Rio das Pedras, Zona Oeste, e comprovar a existência do Escritório do Crime, grupo de assassinos de aluguel por trás de diversos homicídios não esclarecidos no Rio. O grupo se reunia em uma padaria em Rio das Pedras chamada “Sabor da Floresta” e acertava como executar seus alvos.


Foram essas apurações que jogaram luz sobre nomes como o do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como responsável por unir o comando da milícia à participação em grupo de extermínio. Alvo principal da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro de 2019, ele foi morto em uma operação na Bahia, neste ano, e virou assunto nacional quando vieram à tona as informações de que ele empregou parentes no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na época em que, segundo o MP, existiria um esquema de desvio de dinheiro (as “rachadinhas”).


LIGAÇÕES PERIGOSAS

As duas investigações se conectaram. Foi durante o cumprimento de um dos mandados de busca e apreensão da Intocáveis, que mirou a milícia de Rio das Pedras, que foram encontradas, em um celular, mensagens usadas como prova do esquema das rachadinhas. A conversa é da ex-mulher de Adriano e ex-funcionária de Flávio Bolsonaro, Danielle da Nóbrega, com Fabrício Queiroz, apontado como “operador” do esquema das rachadinhas. Amigo e policial ao lado de Queiroz, em vida, Adriano fez fortuna com fazendas, cavalos e imóveis - objeto de disputa familiar e alvo de outras investigações ainda em curso.


TROCA DE INVESTIGADORES

O que mais chama a atenção nas investigações sobre o assassinato de Marielle e de Anderson são os inúmeros acontecimentos paralelos ao caso, como as trocas da direção da Delegacia de Homicídios e dos integrantes da força-tarefa do Ministério Público. Na segunda-feira (26/7), foram anunciados os oito novos promotores do caso. No dia 5 de julho, um boletim interno da Polícia Civil do RJ anunciava Edson Henrique Damasceno como o novo titular da Delegacia de Homicídios, resultando na terceira troca de comando no caso Marielle. Antes de Damasceno, Giniton Lages, Daniel Rosa e Moyses Sant’anna eram os responsáveis pela DH.


No dia 10 de julho, as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile comunicavam a saída da força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que investiga o atentado. No dia 17, Bruno Gangoni foi escolhido para assumir temporariamente o grupo de trabalho. Na segunda-feira (26/7), o MP divulgou que ele e mais sete promotores vão formar a força-tarefa do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco. São eles: Roberta Laplace, Fabiano Cossermelli, Diogo Erthal, Juliana Pompeu, Michel Queiroz Zoucas, Marcelo Winter e Carlos Eugênio Laureano.

INTERFERÊNCIAS EXTERNAS Simone e Letícia, que estavam no caso desde setembro de 2018, saíram por receio e insatisfação com “interferências externas”. Não foram especificadas quais teriam sido essas interferências. O último ato delas foi a denúncia contra o delegado da Polícia Civil Maurício Demétrio. Ele foi preso no fim do mês passado, suspeito de comandar um esquema que exigia propina de lojistas, que vendiam roupas falsificadas. As promotoras descobriram algo mais contra o delegado, segundo a TV Globo apurou. De acordo com a denúncia, Demétrio recebeu – de uma pessoa ainda não identificada – informações sigilosas do caso Marielle e Anderson.


DELAÇÃO PREMIADA

De acordo com informações repassadas à imprensa, o desconforto das promotoras começou quando Júlia Lotufo, viúva do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, quis fazer uma delação premiada revelando informações sobre homicídios e ligações de políticos com criminosos no RJ. Adriano da Nóbrega foi morto em fevereiro de 2020, num suposto confronto com a polícia na Bahia. O ex-PM estava foragido, acusado de chefiar o Escritório do Crime, um grupo de matadores de aluguel, e também uma milícia na Zona Oeste do Rio. As duas promotoras chegaram a ouvir o depoimento de Júlia, mas teriam encontrado inconsistências no relato. Mesmo assim, a proposta de delação continuou a ser analisada por promotores de outra área do Ministério Público. DESTRUIÇÃOD E PROVAS No dia 10 de julho, a Justiça condenou o ex-PM Ronnie Lessa, sua esposa, Elaine, o cunhado e dois amigos pelo crime de destruição de provas. À exceção de Ronnie, todos acabaram soltos no dia 11, pois a pena era em regime aberto. Segundo o MPRJ, os cinco jogaram armas no mar da Barra da Tijuca, quase um ano depois da morte da vereadora e do motorista. Ao condená-los, a Justiça afirmou que é possível que entre as armas despejadas esteja a submetralhadora utilizada para matar Marielle. De acordo com a investigação, o material foi retirado de um apartamento de Ronnie Lessa na Taquara dias antes da sua prisão, em 2019. As armas nunca foram encontradas. GARDÊNIA AZUL Elaine ficou solta somente por uma semana. No dia 18, ela foi presa pela Polícia Federal (PF) por tráfico internacional de armas — a Receita Federal encontrou, em fevereiro de 2017, 16 quebra-chamas para fuzil AR-15 vindos de Hong Kong. A peça serve para ocultar as chamas decorrentes de disparos de armas de fogo, de modo a não revelar a posição do atirador. O destinatário era a Academia Supernova, que funcionava na comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste da cidade, controlada pela milícia. Ronnie e Elaine eram sócios do estabelecimento. No dia 19, o MPRJ denunciou o ex-vereador carioca Cristiano Girão pelo atentado contra um rival. Segundo o órgão, o crime foi encomendado em 2014 a Ronnie Lessa. O ex-policial André Henrique da Silva Souza, o Zóio, e a companheira dele, Juliana Sales Oliveira, sofreram uma emboscada na Gardênia Azul, em Jacarepaguá. O casal estava num carro em movimento quando os disparos aconteceram, vindos de outro carro. A razão para o atentado, segundo o MPRJ, era a disputa por milicianos pelo controle da Gardênia Azul. ELO ENTRE OS CRIMES A força-tarefa do Caso Marielle do Ministério Público e a Delegacia de Homicídios da Capital concluíram que o crime é o elo entre Ronnie Lessa — apontado como assassino de Marielle — e Cristiano Girão, que passou a ser suspeito de ter encomendado também a morte da ex-vereadora. No celular de Ronnie Lessa, foi identificada uma busca no Google para pesquisar informações divulgadas pela imprensa sobre a morte de Zóio. A pesquisa foi feita em 2018, quatro anos depois do crime. O interesse num caso antigo fez com que ele passasse a ser investigado pelo assassinato. Dados telemáticos — coletados através de antenas de celular — revelaram que Lessa estava na Gardênia no dia da emboscada. Ele também foi visto por duas testemunhas. Cristiano Girão foi condenado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro por comandar a milícia da Gardênia Azul. Ele estava na cadeia na época dos assassinatos do André e Juliana, mas, segundo o MPRJ, de lá ainda controlava a quadrilha. EXUMAÇÃO DE ADRIANO O corpo do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, morto em confronto com policiais militares em fevereiro de 2020, foi exumado a pedido do Ministério Público da Bahia (MP-BA). Ele foi morto na cidade de Esplanada, a 155 quilômetros de Salvador. Adriano estava foragido havia mais de um ano e era suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle. As informações dessa nova necropsia serão comparadas com os relatos dos policiais que participaram da ação. Ainda nesse laudo, será possível analisar a distância que os tiros foram disparados, a partir das lesões causadas. Dois exames já haviam sido feitos no corpo de Adriano, mas a partir desse novo procedimento, será examinada com maior precisão as trajetórias dos disparos que atingiram o miliciano.


CORPO EM LOCAL DIFERENTE Os peritos que foram cumprir a ordem da Justiça para exumar o corpo do miliciano Adriano da Nóbrega, a fim de realizar novos exames, não acharam os restos mortais no local indicado pela família. Parentes do ex-capitão do Bope informaram um cemitério — a polícia não disse qual. Mas o corpo só foi encontrado em outro, o Memorial do Rio, em Cordovil, na Zona Norte da cidade. Lá, um cemitério vertical, os peritos localizaram o corpo do miliciano no jazigo 01362. Uma placa informa que ali jazia Adriano Magalhães da Nóbrega. VERSÕES DIFERENTES Em agosto do ano passado, a Polícia Civil da Bahia concluiu que o ex-policial militar não havia sido executado, mas que morreu em troca de tiros com os PMs. Adriano foi alvejado duas vezes e teria disparado sete vezes contra os PMs. Segundo o perito criminal José Carlos Montenegro, que apresentou os resultados da reconstituição do caso, Adriano foi atingido por 2 tiros, após disparar sete vezes contra três policiais que entraram na casa onde ele estava escondido. Dois projéteis atingiram o escudo dos policiais e os outros a parede e uma janela. Laudos de duas necropsias no corpo do miliciano, porém, contradizem a versão dos PMs que o encontraram. Uma das análises indica que uma bala o atingiu deitado, e não em confronto. Uma força-tarefa com 70 homens foi mobilizada no cerco ao capitão, mas somente três PMs conseguiram localizá-lo. Segundo o depoimento desses três policiais, eles deram voz de prisão contra o ex-capitão da varanda. Como Adriano não respondeu, forçaram a porta. Assim que a arrombaram, Adriano disparou sete vezes, mas não acertou ninguém. Na mesma hora, dois dos três PMs revidaram, com um tiro cada um — os dois atingiram o miliciano. A necropsia feita no Rio de Janeiro trouxe detalhes desses tiros que mataram Adriano. Um projétil, segundo o laudo, parece ter vindo rente ao chão. Uma das balas entrou pela cintura, do lado esquerdo, saiu pela clavícula e entrou novamente no corpo de Adriano, alojando-se no pescoço. “É um tiro absolutamente em que a vítima provavelmente já estava deitada. Isso precisa ser esclarecido. Esse tiro deveria entrar e sair numa posição paralela ao solo”, diz o perito Nelson Massini. Outro dado do laudo é a falta de vestígios de pólvora nas mãos do miliciano — apesar de, segundo os PMs, Adriano ter atirado sete vezes. Um terceiro destaque são lesões na região da cabeça de Adriano. Massini destaca que os ferimentos foram feitos enquanto o miliciano ainda estava vivo — mas não foram explicados pelos policiais. Adriano da Nóbrega era apontado como o chefe do Escritório do Crime, um grupo que reúne policiais e ex-policiais que matam pessoas em troca de dinheiro. Também conhecido como "Capitão Adriano", ele era considerado pelos policiais uma pessoa violenta e, quando foi morto, estava foragido havia mais de um ano, por causa de um mandado de prisão de janeiro de 2019.

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