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Foto do escritorAlexandre Costa

INDIGNAÇÃO DE PREFEITOS E GOVERNADORES COM A TRAIRAGEM DOS PARLAMENTARES FEDERAIS, POR CARLOS WAGNER


Uma das verdades na disputa política no Brasil, principalmente no interior. Os melhores cabos eleitorais dos senadores e deputados federais são, pela ordem, os vereadores, os prefeitos e os governadores. Principalmente em se tratando de reeleição. A próxima eleição será a primeira na história da democracia brasileira em que esses cabos eleitorais vão pensar duas vezes antes de pedir votos para reeleger senadores e deputados federais. Por quê? A maioria deles considera que foi vítima de trairagem dos parlamentares, porque eles facilitaram o avanço do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre as receitas municipais e estaduais. Citam dois fatos: o primeiro é Projeto de Lei (PL), aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro, que estabeleceu um teto de 17% para a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo. Na quinta-feira (07/07), o presidente publicou um decreto no Diário Oficial determinando que os postos de combustíveis exibam uma placa com os preços praticados antes do PL e depois.


O segundo fato é a PEC da Bondade (Proposta de Emenda à Constituição), que já foi aprovada pelo Senado, onde teve um único voto contra do senador José Serra (PSDB-SP), e agora tramita na Câmara dos Deputados com uma enorme chance de ser aprovada. A PEC da Bondade, também chamada de PEC Kamikaze e por vários outros nomes, colocará na mão de Bolsonaro R$ 42,1 bilhões para serem gastos em benefícios sociais – há matérias na internet. A soma do dinheiro perdido com o teto do ICMS e a PEC da Bondade fará falta para as prefeituras e estados. Nunca tantos prefeitos, incluindo apoiadores do presidente da República, e governadores reclamaram como estão fazendo nos dias atuais. Mesmo sendo de partidos diferentes, senadores e deputados federais candidatos à reeleição sempre se entenderam com vereadores, prefeitos e governadores. Antes de seguir contando a história vou dar uma explicação que considero necessária para quem não é jornalista velho e estradeiro como eu. É sobre a palavra que usei: trairagem. O seu uso é muito comum nas delegacias de polícia. Durante uma investigação, os agentes procuram identificar nas quadrilhas os “traíras”, aqueles que entregam os seus companheiros de crime para salvar a sua pele. A palavra migrou para as redações, levada pelos repórteres que fazem a cobertura dos assuntos policiais, e acabou se integrando ao texto jornalístico, onde é usando em vários assuntos.


Voltando à história. O fato é o seguinte. Uma leitura minuciosa em tudo que temos publicado sobre a ação dos senadores e deputados na aprovação dessas medidas revela que o conteúdo tem deixado muito a desejar. Estamos mais preocupados com os danos que elas causarão às contas públicas do que em mostrar para os leitores como esse dinheiro fará falta para as prefeituras. Apenas mencionamos o fato, sem entrar em detalhes, partindo do princípio que o leitor sabe do que estamos falando. Pode até saber. Mas não sabe os detalhes. Nas cidades médias e grandes do Brasil a população mais impactada será a dos moradores das favelas. Onde a carência dos serviços públicos já é grande, principalmente na área de saneamento básico, saúde e educação. Nas cidades pequenas do interior do Brasil existem duas situações. A primeira é a dos municípios dos estados do Sul e do Centro-Oeste, onde a maioria da população é de classe média e os serviços municipais conseguem dar um bom nível de atendimento, principalmente para os filhos das famílias de baixa renda. A segunda situação é a dos municípios em que a maioria dos moradores é pobre e depende dos serviços sociais para sobreviver. Cada centavo conta para essas prefeituras. Conheço muito bem a situação porque sempre viajei muito pelo Brasil fazendo reportagem sobre conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Andei por cidades, falei com pessoas e vi situações pelo interior do Brasil muito semelhantes às que encontrei nas cidades de Angola, na África, onde estive nos anos 90 durante a Guerra Civil. As pessoas não têm o que comer, nem remédios e muito menos educação. Claro que os senadores e deputados federais sabem dessa situação. Então por qual motivo resolveram apostar nas propostas do governo?


Os motivos pelos quais os senadores e deputados de situação e oposição resolveram apostar nas medidas do governo Bolsonaro são muitos e variados. Vou me deter apenas nos parlamentares do Centrão, que integram a base governamental. Esses parlamentares fizeram parte de todos os governos desde a primeira eleição direta para presidente da República, em 1989, que elegeu Fernando Collor de Mello. A marca registrada do Centrão é apoiar o governo até sugar todas as vantagens (emendas parlamentares, cargos e outros benefícios) possíveis e depois cair fora. De todos os presidentes da República, Bolsonaro é o que mais vantagens deu para o Centrão, como o orçamento secreto, um truque contábil que permite pagar emendas parlamentares sem saber o nome de quem pagou e o beneficiado. A pergunta é: pelas pesquisas de intenção de votos existe a real possibilidade do maior adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), se eleger no primeiro turno. O teto do ICMS e a PEC da Bondade têm como objetivo garantir que haja um segundo turno. Até as pedras das ruas do Brasil sabem disso. Qual a possibilidade de que isso aconteça? Ninguém sabe. Caso não dê certo, o Centrão vai desembarcar do governo e aderir ao vencedor das eleições. Há outra hipótese que devemos considerar nas nossas análises. Os vereadores, prefeitos e governadores se sentiram traídos pelos senadores e deputados federais que apoiaram a história do ICMS e da PEC da Bondade. Se eles fizerem “corpo mole” na campanha vai acontecer uma renovação considerável no Senado e na Câmara dos Deputados. Devemos ficar atentos a essa possibilidade.


(*) Carlos Wagner é jornalista, repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo. Atualmente, Carlos Wagner é responsável pelo site Histórias Mal Contadas.

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