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Foto do escritorAlexandre Costa

IMPRESCINDÍVEL CONTRALUZ, POR PAULO GAIGER (*)


No ano passado “Pela última vez” e “Salvo” eram promessa terrível de últimas gravações do Bebeto Alves, esse compositor e intérprete sem alambrados, único e fenomenal, nascido em Uruguaiana, mas com os pés, as mãos, o olhar e o coração no mundo. No de dentro, no de fora, nas autoestradas, nas ruelas secretas de acesso para algum lugar, nos desvãos, na inquietação, no pensamento, no poema. Vastidão, rio, átomos, fótons e canção. Gastei os dois ótimos CDs sempre atordoado pela sacanagem da promessa de não mais. I promise, teria dito? Que não. O artista Bebeto Alves se impôs e seduziu o outro, o Bebeto Alves, talvez, desesperançado, quem sabe, desanimado ou mal respirando, espantado, como tantos e tantas, com o dilúvio da lama abjeta da mediocridade, da censura evangélica, dos cancelamentos que erguem cercados e mitos. Tipo eu digo o que você tem que fazer, determino o que se deve ouvir e ver, tua liberdade é o tempo do Tik Tok, e olha lá! Divagações minhas. A arte é do Bebeto, da música, da poesia, do cinema, da fotografia, das artes visuais, docemente e contundentemente imortal, que se renova, que renasce, que surpreende, que encanta, que, ainda bem, não se cumpre em promessas de nunca mais. Como ele mesmo escreve na apresentação: “um trabalho que é um contínuo do meu tempo e de mim. Acho que cheguei em um outro lugar, um lugar de um novo velho artista que se restabelece com uma nova velha ideia do que significa estar aqui”. Evoé! I promise não fazer mais está aqui transmutado em devir, tempo e música, ressignificado, olhares de longe e do avesso, revelado como fonte, como vastidão, rio, átomo, fótons e canção. Me repito milongamente. A silhueta do efeito da contraluz, imagem de beleza, mistério e força, convida para chegar-se, para desvendar mas allá, para navegar sem relógio e bússola, apenas deixar-se fruir e desfrutar. As dez canções do Contraluz são acachapantes, nenhuma menos envolvente. Letras-poemas de arrepiar: “um céu d’água/o meu pé pra fora/que se bailarino fosse/pela estrada/em reafirmamento/em dia de alegria/dava fim ao sofrimento”; “uma palavra solta/ou ao revés/outro sentido/um outro viés/nada se explica/nada é como é”; “o que se desenha em luz e carvão/risca a vida, linha da mão/céus, montanhas me vão e vem/serei esse relevo, eu serei?”; “na ponta de um começo/preciso encontrar/antes de um fim/me ponho a pensar/como entrar e sair por aí”; “vou me levando/em tua leveza/riscando/a ponta do pé/levo o teu.../tua cintura é meu braço/em um, dois, três/passos meus”. Um poema de amor em De déu em déu? Beats, beats, beats, late corazón. Em Contraluz, Bebeto toca todos os instrumentos, os violões, a guitarra, as percussões, o teclado e, então, confirmamos o já sabido: é um baita instrumentista, um músico pleno, completo, mas ainda mais. Os arranjos são dele também, de fazerem cair o queixo. Seu timbre, sua forma de cantar o elevam como um intérprete extraordinário, singular, que nos abraça e toca nosso coração. Escrevo em plenitude e respirando a alegria em saber que Bebeto Alves não nos abandonou, não se abandonou. Ouçam Contraluz e se deixem levar. Está disponível para aquisição no site da ProdutoOficial e no www.bebetoalves.com.br. Obrigado, Bebeto!


(*) Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes - UFPel.

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