top of page

GRUPO CORPO NA GLÓRIA DE LECUONA, POR NORA PRADO(*)


O documentário Lecuona, sobre a coreografia do Grupo Corpo a partir da obra do pianista e maestro cubano, Ernesto Lecuona, é uma das mais belas da companhia mineira, uma das melhores e mais representativas em atividade no Brasil. A coreografia de Rodrigo Pederneiras, de 2004, esbanja sensualidade, lirismo, vitalidade e humor apoiada no apuro técnico de bailarinos muito bem treinados numa sofisticada cadência de movimentos que expressam a universalidade do amor e da paixão.



Fugindo à regra de utilizar apenas trilhas sonoras compostas especialmente para a companhia, desta vez, Rodrigo foi beber diretamente na fonte das composições de Lecuona com suas letras rasgadas e melodramáticas, num misto de tango, rumba e salsa que remetem a latinidade caliente dos trópicos. Representa a grande tradição de versatilidade da música popular hispano-caribenha, destacando-se em diversos gêneros, incluindo a música “clássica”. Seu conjunto de danças afro-cubanas para piano é provavelmente a mais estilizada melodização de diversos ritmos da herança afro-americana: a conga, a dança lucumí e, sobretudo, a célebre Comparsa.


O espetáculo, apresentado e gravado no Palácio das Artes de Belo Horizonte, mostra uma longa sequência de pas de deux onde as duplas de bailarinos fazem “misérias” em cada nova coreografia traduzindo as letras de cada canção com inigualável potência e liberdade criativa. Estão lá todas as variações possíveis do enlace amoroso desde o sutil enamoramento, passando pelas delícias do namoro, do arrebatamento da paixão, da sensualidade e saudades até a dor dos ciúmes e da traição. Numa sequência dramatúrgica que explora o tema do encontro e desencontro amoroso, até as últimas consequências, é natural que a linha tênue que separa o sublime do ridículo seja rompida, diversas vezes, causando uma comoção genuína de quem já passou pelo calvário de se entregar ao amor sem limites.


Neste sentido a contribuição dos intérpretes foi crucial para que cada dupla chegasse ao cerne de cada canção, desenvolvendo criações coreográficas de acordo com a natureza das suas personalidades particulares. Evidente que o toque de Rodrigo está presente em todas elas, conferindo unidade e harmonizando o deslumbrante conjunto de artistas. Nesse sentido, o papel da figurinista é fundamental para encerrar a proposta, bem como a cenografia de Paulo Pederneiras. As bailarinas usam vestidos, em geral curtos, mas com saias de comprimentos variados e panejamento extravagante, na maioria das vezes numa frente única, valorizando as costas nuas e os braços torneados. Sempre com cores vibrantes, vermelho, azul marinho, azul turquesa, rosa, verde ou amarelo. Usam sapatos de salto baixo remetendo aos bailes dos anos dourados. Os homens vestem calça e camisa pretas e sapatos combinando. Essa elegância é ainda maior quando, no final do espetáculo, os panos pretos sobem e se enxerga uma caixa prateada envolvendo o palco por onde os bailarinos dançam em conjunto a mesma coreografia e as mulheres vestem vestidos longos brancos. As placas de aço das paredes do fundo e laterais refletem os pares que se multiplicam como num grande salão de baile.

A sensação é de puro deleite e alegria contagiante, uma vez que somos lançados a esse carrossel de sensações que culmina com um “felizes para sempre” eternizado na dança mágica pelo salão dos sonhos e da fantasia.


O documentário alterna cenas de ensaios ao longo do processo com as coreografias na íntegra de cada dupla e os comentários em off de Rodrigo, seus colaboradores, os bailarinos e bailarinas. Um espetáculo para lavar a alma e se guardar para sempre no coração.


Porto Alegre, 6 de outubro de 2021. (*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

Comentarios


JORNALISMO LIVRE E INDEPENDENTE_edited_e
  • Twitter
  • Facebook
  • Youtube
bottom of page