GERINGONÇA PARA MARTE, POR PAULO GAIGER (*)
- Alexandre Costa

- 25 de fev. de 2022
- 3 min de leitura

Soube pelo radinho de uma gente apressada, louca para mudar para o planeta Marte e construir uma nova sociedade só com endinheirados. Que coisa, fiquei pensando enquanto fitava o horizonte chamuscado das cores do crepúsculo do fim da tarde. No outro dia, de manhã cedinho, dei mão do jornal para me inteirar das notícias. Tava lá: de fato, só gente com a guaiaca cheia e com conta gorda no banco, pagando fortunas que nem consigo imaginar para entrar no tal foguete que se escreve assim: SpaceX. Aqui, o que voa tem nome mais apropriado: quero-quero, sabiá, bem-te-vi, beija-flor, carcará, canarinho, cardeal, pica-pau. Eu só consegui pronunciar ispeice-equis porque Dom Rubira me ensinou. Fiquei bons minutos tentando acertar a pronúncia. Meu professor quase mijou as calças de tanto rir. Que passarinho vai ter um nome desses, tão gozado? Resolvi escrever uma cartinha pro dono do empreendimento perguntando por que ele não usava esse monte de dinheiro para reformar a escola rural aqui da colônia, investir na apicultura, na salvação dos rios e das sangas, no teatrinho que andava fechado porque as madeiras do palco tinham ruído e o telhado estava cheio de cupim. Expliquei que já tinha visitado o planetinha e que a gente que mora lá é macanuda, de bom tutano e boas ideias, admira o Mujica, mas tem um medão dos terráqueos, peritos em destruir coisas belas e a matar a si mesmos. Os marcianos e marcianas, sublinhei n final da cartinha, não têm exército porque não existe desigualdade por lá. Um dos homens mais enricados de nossa terrinha, ouvi no noticiário, é esse tal de Putin, dizem que é meio dono da Rússia, que quer fazer uma guerra para enricar mais. Puro egoísmo! Fiquei imaginando a tal nova sociedade em Marte com Putin, o tal do fedelho dono das redes sociais e aquele desavergonhado que bota estátua em tudo que é lugar... Escaramuça, na certa! Mas pra minha surpresa, o dono do empreendimento me respondeu. Faz uns dois meses que isso aconteceu, mas só agora conto. O endinheirado nem teve o trabalho de responder as minhas perguntas e pensar em minhas sugestões. Simplesmente me convidou para embarcar na ispeice-equis. Mandou junto as passagens de avião para eu chegar até o Kennedy Center da Nasa, que deve ser o nome do campinho de onde saem os foguetes e os teco-tecos. Fiquei desconfiado. Com mesura, lhe escrevi dizendo que precisava de três passagens: uma pra mim, outras duas para o Bento e para o Onofre. E não é que o endinheirado, ao invés de mandar as passagens, mandou seu jatinho particular. Lá fomos nós pra pista da colônia, o povaréu desejando boa sorte. Quando o piloto viu o Bento e o Onofre ficou uma fera: “cachorro e cavalo não podem viajar nem aqui, nem na ispeice-equis”. Olhei nos olhos do desaforado e coloquei a mão no relho: “Que bosta de aviãozinho e de foguete são esses que se negam a levar meu guaipeca e meu pangaré? Se tem espaço pra esses endinheirados desavergonhados donos da riqueza da terra, como que não tem lugar para o Bento e para o Onofre que são incapazes de tolerar uma injustiça sem morder ou dar um coice bem dado nos fundilhos do safado? Pois bem, avisa teu dono de que não vamos mais”. O desmiolado partiu num záz ao ouvir os latidos do Bento e os relinchos do Onofre. Acabei não indo pra marte na ispeice-equis. Nem queria, de coração, entrar nesse passarinho do mal.
(*) Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes – UFPel








