A pedido do Ministério Público da Bahia, o corpo de Adriano da Nóbrega foi exumado na segunda-feira (12/7) e será submetido a novos exames periciais para identificar as circunstâncias de sua morte, em fevereiro de 2020. Na época, o corpo passou por dois exames e a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirmou não haver indicações de execução ou tortura. Adriano, suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, estava foragido há mais de um ano e foi morto na cidade de Esplanada, a 155 quilômetros de Salvador. Em nota, o MP-BA informou que o laudo desta nova exumação ainda não foi divulgado. O MP-BA não informou a data da exumação, mas disse que a medida foi tomada para a realização de novos exames, com o objetivo de detalhar as lesões causadas pelos tiros. As informações desse novo laudo serão comparadas com os relatos dos policiais que participaram da ação. Ainda nesse laudo, será possível analisar a distância que os tiros foram disparados, a partir das lesões causadas.
Segundo o MP, a autorização para a exumação foi dada pelos tribunais de Justiça da Bahia e do Rio de Janeiro. Dois exames já haviam sido feitos no corpo de Adriano, mas a partir desse novo procedimento, será examinada com maior precisão as trajetórias dos disparos que atingiram o miliciano.
CONCLUSÃO DO INQUÉRITO Na época da conclusão do inquérito, em agosto do ano passado, a Polícia Civil da Bahia concluiu que o ex-policial militar não havia sido executado, mas que morreu em troca de tiros com os PMs. Adriano foi alvejado duas vezes e teria disparado sete vezes contra os PMs. Segundo o perito criminal José Carlos Montenegro, que apresentou os resultados da reconstituição do caso, Adriano foi atingido por 2 tiros, após disparar sete vezes contra três policiais que entraram na casa onde ele estava escondido. Dois projéteis atingiram o escudo dos policiais e os outros a parede e uma janela. ADRIANO E OS BOLSONAROS O miliciano era investigado por participar do suposto esquema de desvio de salários de funcionários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Logo após a morte do miliciano, Flávio escreveu nas redes sociais que havia suspeita que Adriano tivesse sido torturado. Também na época, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirmou não haver indicações de execução ou tortura, a partir dos exames feitos pela Polícia Civil. Adriano da Nóbrega era apontado como o chefe do Escritório do Crime, um grupo que reúne policiais e ex-policiais que matam pessoas em troca de dinheiro. Também conhecido como "Capitão Adriano", ele era considerado pelos policiais uma pessoa violenta e, quando foi morto, estava foragido havia mais de um ano, por causa de um mandado de prisão de janeiro de 2019.
PERGUNTAS SEM RESPOSTAS Apontado pelo Ministério Público fluminense como líder do Escritório do Crime, milícia nascida em Rio das Pedras que seria uma das mais antigas e poderosas do estado do Rio de Janeiro, o Capitão Adriano, como era conhecido, tinha um patrimônio estimado em R$ 10 milhões em dinheiro e bens em nome de “laranjas”, segundo indicam investigações que ainda não apontaram os “herdeiros” desse patrimônio criminoso. Quando da sua morte, Adriano estava com 13 celulares. Os aparelhos foram apreendidos pelos policiais, mas nunca foram divulgadas informações sobre o com quem falava e o conteúdo encontrado nos telefones.
Como a Polícia rastreou Adriano até achá-lo na Bahia? O ex-oficial do Bope era considerado foragido havia mais de um ano, sob acusação de chefiar a milícia Escritório do Crime, alvo das Operações Os Intocáveis e Os Intocáveis II. Para evitar rastreamento, tinha vários celulares, nos quais instalava chips que descartava após a primeira - e única - ligação. Usava documentos falsos e é descrito por testemunhas como homem calado. A discrição e as técnicas de despiste o tornavam um alvo difícil de identificar e localizar. Sua localização pode indicar a ação de informantes, mas isso ainda não foi esclarecido.
Por que Adriano escolheu aquela região para se esconder? Uma possibilidade sob investigação da Polícia baiana é que Adriano lavasse dinheiro com bens, como imóveis e gado, na área onde foi rastreado ou perto dela. Isso explicaria a presença do miliciano ali - onde se sentiria seguro e teria uma rede de relações. Também ajudaria a entender como foi achado pelas autoridades fluminenses: a pesquisa de bens, negócios e pessoas próximas poderia ter levado a ele. Mas isso não está claro.
O miliciano teve apoio de terceiros, inclusive com informações de dentro da Polícia, para fugir e se esconder? É muito difícil que um criminoso conhecido e procurado se abrigasse e se deslocasse com sucesso por uma região tão distante de sua área original de atuação (a zona oeste da capital fluminense) sem algum tipo de apoio de quem conhecesse bem o novo local. Adriano demonstrou que se movimentava com facilidade pelas estradas e imóveis próximos a Sauípe e Esplanada. Isso pode indicar ajuda de pessoas que conhecem caminhos e esconderijos por lá.
Qual foi o papel do fazendeiro Leandro Guimarães na proteção a Adriano? Guimarães chegou a ser preso por porte ilegal de armas, na véspera da morte de Adriano, e teve a prisão relaxada pela Justiça, após fiança e com determinação para que use tornozeleira eletrônica enquanto responde ao processo. Promotor de vaquejadas, ele disse à Polícia que conhecia o ex-PM como interessado na compra de fazendas, mas não sabia de quem se tratava e só percebeu que era perigoso quando o miliciano passou a ameaçá-lo para que o ajudasse. Testemunhas, porém, afirmam que Adriano, à vontade, andava a cavalo e armado pela fazenda de Guimarães. Há pelo menos uma foto em que o fugitivo aparece com um fuzil às costas. O próprio Guimarães admitiu ter visitado o ex-oficial em Sauípe, o que poderia indicar proximidade entre os dois. A Polícia da Bahia investiga a versão do empresário, para saber se abrigou o ex-oficial por medo ou cumplicidade.
Como Adriano conseguiu fugir do cerco à casa em que vivia na Costa do Sauípe? A escapada de Adriano, fugindo pelos fundos da casa onde estava e supostamente atravessando um mangue e cruzando a nado uma lagoa, por quase uma hora, tem toques cinematográficos. É preciso determinar se, nesse trajeto, o ex-capitão teve alguma ajuda e se a informação sobre a proximidade de Polícia vazou.
Como a Polícia localizou Adriano na casa onde foi cercado em Esplanada e por que ele a escolheu para se esconder?
Depois de fugir de Sauípe e se abrigar em uma fazenda de Guimarães, o ex-capitão, ao saber da aproximação da Polícia, fugiu para a casa vazia do vereador Gilsinho de Dedé (PSL), que alega não conhecer o fugitivo. Não está claro se alguém delatou o miliciano.
Quais foram as orientações dadas aos policiais que perseguiam Adriano? Foi dito aos agentes, explicitamente, que era prioritária a preservação da vida do miliciano, pela quantidade de informações sobre crimes que ele provavelmente detinha? A estratégia traçada era de confronto ou de cerco?
Se mais de 70 policiais cercavam a casa onde Adriano estava, não teria sido melhor esperar que se rendesse? O ex-oficial não tinha saída. Estava trancado em um imóvel cercado e, sozinho, não teria como resistir e escapar com vida. Não teria sido melhor esperar, negociar e tentar vencê-lo pelo cansaço, levando-o à rendição?
Por que a casa foi invadida, já que era certo que Adriano resistiria? O advogado Paulo Emílio Catta Preta contou ao Estado que não seu cliente dissera que não se apresentaria à Polícia, como o defensor sugerira, por avaliar que seria morto na prisão. O treinamento e histórico do ex-oficial no Bope indicavam preparo e disposição para o confronto. Esse perfil do fugitivo certamente era conhecido por seus perseguidores. A invasão da casa sem negociação tinha grande possibilidade de resultar na morte de Adriano, como de fato ocorreu.
Se houve tiroteio, como afirma a Polícia, por que o corpo de Adriano tem marcas de tiro à queima-roupa? Os indícios no cadáver indicam disparos muito próximos. É preciso determinar com certeza se houve troca de tiros ou uma execução de um prisioneiro dominado.
Por que a mãe e irmãos do ex-oficial querem cremar o cadáver? A morte violenta indica a necessidade de preservação do corpo, caso se confirme a execução. A cremação impossibilitaria uma exumação para novo exame cadavérico.
QUEIMA DE ARQUIVO
Apesar de rico, o próprio Adriano, que foi expulso da PM em 2014 acusado de envolvimento com o jogo do bicho, temia valer mais morto do que vivo. “Ele falou em queima de arquivo. ‘Temo por ser uma queima de arquivo‘. Mas eu não perguntei nem quem teria interesse nessa queima de arquivo nem quais eram as informações que ele eventualmente teria”, disse, após a operação policial na Bahia, o advogado de Adriano à época, Paulo Emílio Cata Pretta. Adriano era suspeito de cometer ao menos seis assassinatos entre 2003 e 2010.
VIÚVA DE ADRIANO E A DELAÇÃO PREMIADA
A notícia sobre a já bem adiantada negociação de acordo de delação premiada de Júlia Emílio Mello Latufo com o Ministério Público Federal pode levar ao esclarecimento do assassinato da então vereadora do PSOL do Rio de Janeiro, Marielle Franco. A homologação do acordo com a viúva do capitão Adriano da Nóbrega, miliciano assassinado na Bahia e suspeito de participar da morte de Marielle Franco, deve ser concretizada nesta semana. No mês passado, o ex-senador Demóstenes Torres, advogado de Júlia Emílio Mello Latufo, procurou o MP, a pedido da sua cliente. O acordo de delação está na segunda fase e trata de homicídios cometidos por organizações criminosas no Rio de Janeiro.
Júlia Lotufo viveu com Adriano da Nóbrega por cerca de dez anos. A viúva chegou a acompanhar o miliciano até a Bahia, onde ele foi morto, em fevereiro de 2020. Após o execução de Adriano, Júlia ficou foragida e teve sua prisão preventiva decretada, mas a punição foi reduzida a prisão domiciliar. A viúva de Adriano responde a um processo da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital do RJ, por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Após a morte do marido, Júlia Lotufo passou a cuidar do espólio e das atividades ilegais de Adriano da Nóbrega. Denunciada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), o envolvimento de Júlia ficou evidente após a apreensão de documentos que demonstram seu envolvimento na contabilidade dos negócios da quadrilha de Adriano. Uma planilha foi obtida na quebra do sigilo telemático da viúva.
Antes da morte de Nóbrega, Júlia Emílio Mello Latufo trabalhou na Subdiretoria-Geral de Recursos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
CAMINHO PARA DELAÇÃO Partiu de Júlia a iniciativa de fazer contato com os investigadores. Ela procurou inicialmente a Polícia Civil. O secretário de Polícia Alan Turnowski procurou o MP do Rio com o objetivo de fazer uma reunião da defesa de Júlia com a promotora Simone Sibílio, responsável pela investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Este encontro ocorreu há algumas semanas, e Sibílio se interessou sobre as informações que Júlia tinha a fornecer sobre o caso Marielle. A defesa de Júlia foi encaminhada para outra área do Ministério Público, que investiga a participação de milicianos em assassinatos de aluguel – mortes como as cometidas pela organização criminosa Escritório do Crime.