por Alexandre Costa* A apropriação dos símbolos nacionais pela extrema direita brasileira (o uniforme da seleção e a própria bandeira do Brasil) tem sido denunciada seguidamente por torcedores contrariados com o uso político e ideológico do traje pentacampeã mundial, que conquistou o planeta por meio do futebol arte. O desconforto de ver a "canarinho" (como é chamada carinhosamente a camisa amarelada seleção ) transformada em objeto de identificação dos seguidores de Jair Bolsonaro rompeu fronteiras e vem se espalhando pelo mundo.
A crítica ao uso indevido da "amarelinha", que foi usada por Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Zagallo, Romário, Ronaldo, Taffarel, Carlos Alberto, Cafú, Zico, Falcão, Sócrates, Ronaldinho Gaúcho, entre outros tantos, vem chamando a atenção da mostra do Museu da Fifa (Federação Internacional de Futebol), em Zurique (Suíça). A exposição apresenta duas camisas da seleção brasileira e se refere às peças, mencionando que as mesmas passaram a ser confundidas como itens políticos.
A exposição é temporária e a descrição feita pela entidade se refere aos uniformes lançados em 2019, uma camisa branca com detalhes em azul; e a outra verde e amarela, dos anos 1950. Na descrição das peças, o Museu diz que as “distintivas” cores verde e amarela da camisa passaram a “se confundir” com a política e a camiseta foi “apropriada por apoiadores do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro”.
Segundo o Museu da Fifa, as peças não fazem parte da exposição permanente da instituição sobre a história e cultura do futebol internacional e dos torneios da federação. Elas estão inseridas em uma exposição especial, que estará em exibição até 25 de fevereiro, intitulada “Designing the Beautiful Game” (“Projetando o Belo Jogo”, na tradução livre). Ela foi desenvolvida em colaboração com o Design Museum de Londres, mas passou pela curadoria do Museu da Fifa.
APROPRIAÇÃO RECENTE E UM FENÔMENO ANTIGO
A apropriação da camisa da seleção brasileira pela extrema direita começou a partir das manifestações de Junho de 2013, um ano antes da realização da Copa do Mundo de 2014, disputada em 12 cidades brasileiras. “Naquele momento, a camisa da Seleção se tornou a camisa do sem partido, a camisa como uma bandeira. E foi sendo apropriada aos poucos por esse movimento, mais de extrema-direita, contra o chamado sistema político”, afirmou Marcos Guterman, jornalista e historiador, autor do livro O Futebol Explica o Brasil.
Em 2015, o uso da camiseta da seleção brasileira por manifestantes aumentou ainda mais, com os atos organizados principalmente pelos movimentos MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua. O uso da "canarinho", como é chamada carinhosamente a camisa da seleção pentacampeã mundial, se proliferou de vez nos atos golpistas pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e nas manifestações que pregavam a prisão do então ex-presidente Lula.
Para Guterman, a camisa da seleção está manchada pela política, que representa o partido da camisa amarela. O sequestro e a usurpação deste símbolo de todos os brasileiros facilitou a aceitação do discurso bolsonarista e sua lógica linear: ‘quem for contra é contra o Brasil’, ‘contra o futebol’, ‘contra a Seleção Brasileira’, ‘contra a economia’, ‘contra o emprego’.
DITADURA MILITAR USOU O TRI MUNDIAL EM 70
A imagem da Seleção Brasileira, comandada por Pelé e que goleou a Itália no Estádio Azteca, sagrando-se tricampeã mundial na final da Copa do Mundo de 1970, foi utilizada pelos militares para fortalecer o governo de Emílio Garrastazu Médici, o então general-presidente.
Enquanto os gritos de dor eram silenciados em sessões intermináveis de tortura e as mortes cometidas pelos órgãos de segurança eram ocultadas da grande maioria da população, o ufanismo nacionalista conquistava o coração dos então 90 milhões de brasileiros. A conquista da Jules Rimet fez aflorar ainda mais o espírito patriótico do povo, que ao comemorar o título mundial estava sendo iludido por uma sensação de falso progresso, deixando de lado os problemas políticos, sociais e humanitários causados pelo regime militar.
O período da Ditadura Militar foi um dos mais tensos da história brasileira e ficou marcado pela falta de liberdade, pelo uso de tortura contra os opositores políticos e pela prática de terrorismo de Estado. Iniciada por um golpe civil-militar em 1964, contra o então presidente João Goulart, os militares passaram a impor um regime autoritário que era sustentado por atos institucionais. Ao longo dos 21 anos de ditadura, o Brasil teve cinco “presidentes-generais”. A ditadura foi responsável pela morte de 434 entre mortos e desaparecidos, além da morte de milhares de indígenas e do registro de ao menos 20 mil pessoas torturadas e/ou perseguidas.
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Se por um lado a Seleção de Pelé, Tostão e companhia dava um show com a bola nos pés, fora das quatro linhas a discrição era predominante em quase todos os atletas do plantel. A controversa demissão do treinador assumidamente comunista João Saldanha e a chegada de Mário Jorge Lobo Zagallo, a dois meses da estreia do Brasil na Copa, foi pouco comentada pelos jogadores na época. A imprensa, por sua vez, era impossibilitada de contestar essa e outras decisões, em virtude da censura imposta pelo regime.
*Alexandre Costa é jornalista, responsável pelo www.esquinademocratica.com.br