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EXÍLIO E AUTOEXÍLIO NO BRASIL FASCISTA

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

por Nora Prado (*)


É comum associarmos a palavra exílio aos anos de chumbo da ditadura militar quando o regime de exceção tornou a vida insuportável para tantos. As perseguições, torturas e mortes nos porões da tirania brasileira foi uma assombração constante para os que discordavam do regime e, porventura, ousassem declarar o seu inconformismo e contrariedade. Estudantes, professores universitários, advogados, artistas e profissionais liberais, em geral, foram alvos preferenciais dessa perseguição sanguinária que tomou de assalto a vida nacional. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram vítimas desse abuso de poder que, por milagre, tiveram suas vidas poupadas, mas foram obrigados a sair do Brasil. Exilados em Londres, viveram parte de suas promissoras carreiras longe do país e dos seus entes queridos.


Muitos cientistas e pesquisadores também foram convidados a se retirar das universidades sendo obrigados a pedir asilo político em outros países e desenvolverem seus estudos fora da sua terra natal. Neste clima de intolerância e ódio, alguns se autoexilaram por conta própria em países da América Latina ou da Europa, abandonando uma vida inteira e sem saber, ao certo, quando voltariam. Eram tempos incertos em que qualquer movimento em falso poderia ser considerado suspeito. Quantos foram perseguidos, torturados e mortos sem que nada de concreto lhes fosse atribuído? Quantas vidas foram ceifadas em nome da suposta segurança nacional? Os militares golpistas, amparados em decretos e atos institucionais absurdos, instauraram um verdadeiro regime de terror e caça às bruxas onde todos eram suspeitos a priori.


Havia censura prévia em jornais e revistas, rádios e emissoras de televisão. Peças de teatro e filmes eram sumariamente proibidos e, não raro, atores conviviam com censores na platéia num clima de intimidação permanente. Não havia a menor possibilidade de oposição e o país mergulhou numa noite de trevas por vinte anos.


Com a distensão progressiva da ditadura militar e o movimento pelas “Diretas Já!”, aos poucos fomos retornando desse pesadelo macabro para um cotidiano mais humano e possível. Com a promulgação da nova constituição de 1988 pudemos corrigir uma série de aberrações e arbitrariedades e retomarmos o Estado Democrático de Direito. Assim, com as garantias das liberdades individuais e sociais retornamos o leme do nosso barco rumo ao desenvolvimento com igualdade e justiça como valores indissociáveis numa busca por uma sociedade mais fraterna e plural, sem preconceitos e baseadas na harmonia social e comprometida com a ordem interna e internacional.


Desde então, apesar dos traumas e feridas profundas, nosso país e seus cidadãos voltaram a sonhar com um país mais justo e menos desigual. Esse ideal foi duramente conquistado, aos poucos, e tivemos o sabor fugas nos governos petistas, nos quais sem dúvida alguma, atingimos os melhores índices de desenvolvimento enquanto nação. Mas apesar de todos os avanços empreendidos uma extrema direita, recalcada e rancorosa, seguia a sombra desse novo país. Saudosos de um passado sombrio e autoritário, muitos políticos e setores da sociedade civil sentiram-se desvalorizados e sem voz ativa no novo contexto de liberdade. Apoiados por setores reacionários das igrejas e lideranças neopentecostais e evangélicas muitos desses partidos de direita e extrema direita apoiaram o golpe de 2016 quando depuseram Dilma Rousseff, legitimamente eleita pelo povo.


Desde então, seguimos num compasso de retrocesso econômico, social e cultural sem precedente que culminou na eleição de Jair Messias Bolsonaro em 2018. Com as manobras políticas de Sérgio Moro e a sua turma de Curitiba, prenderam Lula e retiraram da eleição o maior adversário de Bolsonaro que, certamente, ganharia a eleição. Um dos maiores escândalos jurídicos políticos do Brasil e que foi paulatinamente desmascarado através da Vaza Jato e, finalmente, agora em março quando o ministro Edson Facchin reconheceu a incompetência da Vara de Curitiba para julgar Lula e anulou todos os seus processos, restituindo os seus direitos políticos.


Mas isso depois de todo o estrago feito com consequências desastrosas para o país. Com a ascensão de Bolsonaro ao poder, admirador confesso do torturador Coronel Brilhante Ustra e fã do regime militar, ele tem cumprido à risca as promessas de campanha, destruindo sistematicamente o sistema educacional, a previdência social, a cultura, a ciência e todo o arcabouço de políticas públicas em todas as áreas. Apoiado por militares da reserva em centenas de postos estratégicos de comando, Bolsonaro é o maior responsável pelo desastre sanitário da covid 19 no Brasil.


Sem um plano de contenção da doença nem estratégias de vacinação em massa, além de promover aglomerações, não usar máscara, fez apologia de medicamentos e tratamentos sem comprovação científica tem debochando da vacina e dos pacientes infectados. Não comprou vacinas quando estas foram oferecidas e impediu que os governadores comprassem estoques por conta própria. Foi o maior responsável pelo caos no sistema de saúde que entrou em colapso na Amazônia, nunca defendeu o lockdown nem o distanciamento social, fez apologia da abertura do comércio e diminuiu o auxílio emergencial de 600 reais para 250 reais no momento mais grave da pandemia. Não bastasse tudo isso, teve a audácia de retirar os incentivos do MEC para o ensino básico à distância impedindo que muitos estudantes possam estudar de modo remoto.


Ingenuidade pensar que se trata somente de incompetência, quando se trata de projeto de governo. Destruição completa da soberania dos brasileiros, é disso que se trata na verdade. E por isso mesmo ele, o gabinete do ódio e as milícias virtuais não dão trégua aos dissidentes do sistema, todos com voz e expressão para denunciar e divergir do seu governo. Jean Willis foi um dos primeiros a ser atingidos por esta máfia inescrupulosa. O deputado eleito do PSOL foi obrigado a renunciar depois de incontáveis boletins de ocorrência onde denunciou perseguição e ameaças de morte a ele e seus familiares. A filósofa, professora e escritora Márcia Tiburi foi outra vítima dessa perseguição implacável assim como a antropóloga e professora Deborah Diniz. Figuras públicas de notável saber e participação na vida nacional, essas pessoas foram exiladas em nome da sua integridade física e emocional.


Na semana passada, mais um cérebro foi expulso de nosso país nas mesmas e brutais circunstâncias que os seus outros colegas. A geógrafa paulista Larissa Bombardi, pesquisadora e professora da USP, em carta aberta denunciou as ameaças e perseguições que vem sofrendo desde o lançamento do seu Atlas Geográfico de Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Européia. Importante documento que concentra dados pesquisados no território brasileiro sobre os graves problemas do uso indiscriminado de agrotóxicos e a contaminação do solo e das águas por estes venenos, muitos dos quais, já proibidos na Europa e Estados Unidos, mas, que seguem sendo utilizados nas nossas lavouras. As tentativas de intimidação contra a pesquisadora se intensificaram depois que uma rede de supermercados orgânicos da Escandinávia passou a boicotar produtos brasileiros contaminados por produtos há anos banidos pela Europa. Larissa, em seu amplo e pormenorizado estudo, toca nas fragilidades de um mercado trilionário do agronegócio nacional e enfureceu setores desse mercado rentável as custas da saúde humana. O trabalho dela confronta a imagem do modelo de agricultura baseado no uso intensivo de veneno e o impacto negativo sobre a saúde dos agricultores e consumidores.


O Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, espaço permanente que congrega entidades da sociedade civil, órgãos de governo e representantes do setor acadêmico e científico, vieram a público manifestar o seu apoio irrestrito à Dra. Prof. Larissa Mies Bombardi, mestra, doutora, pós-doutora, professora, membra do Fórum Nacional e do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos. “Recebi indicação de lideranças de movimentos sociais para que eu evitasse os mesmos caminhos, alterasse os meus horários e a minha rotina, de forma a me proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos com a temática sobre a qual eu me debruço”, disse a pesquisadora. Um dos que a atacaram por suas pesquisas foi o agrônomo Xico Graziano, ex-deputado federal pelo PSDB e apoiador do governo Jair Bolsonaro. Ele acusa a pesquisadora de falsificar a história. O agrônomo é conhecido por ter seu nome envolvido em disparos de fakenews através de seu filho, Daniel, que administrou o site Observatório Político, do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Daniel foi intimado num inquérito por postar calúnias envolvendo Fábio Luis Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula. Entre elas, a de Fábio ser sócio da Friboi e dono de mansões, aviões e grandes áreas de terras, como o terreno onde está instalada a Escola Superior de Agricultura (Esalq), na cidade de Piracicaba. Todas desmentidas. Em agosto de 2020, a professora foi vítima de um assalto em sua casa. Após ter sido trancada, durante a madrugada, no banheiro, teve seu laptop antigo levado. “Era um laptop antigo de baixíssimo valor, mas que tinha todo o meu banco de dados. Felizmente eu tinha um backup em outro local, em um HD externo escondido, que não foi encontrado”.


Esse quadro dantesco e assustador dá a medida do ódio e do perigo que esta notável cientista sofre, diariamente, simplesmente por executar com competência e excelência o seu trabalho de pesquisa na área. Uma afronta à ciência e ao estado de democrático de direito. Infelizmente perderemos mais uma grande cabeça para a milícia de plantão deste governo truculento que segue em frente tentando desqualificar e calar todos os que destoam da sua cartilha genocida. A doutora Larissa seguirá com sua pesquisa em outro país que assegure a sua integridade física e a de seus familiares. Por aqui, seguimos atônitos, mas com fôlego e disposição para denunciar esse vandalismo típico da ditadura militar. As máscaras estão caindo e em breve esses brucutus serão julgados num novo governo onde a democracia e a liberdade voltem a reinar soberanas novamente. Até lá, sigamos unidos, firmes e coesos contra a barbárie! Porto Alegre, 24 de março de 2021.


* Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

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