Até o começo do século 20, as mulheres não andavam sozinhas nas ruas, raramente estudavam ou trabalhavam fora de casa e passavam boa parte da vida no ambiente doméstico, cozinhando, servindo seus maridos e cuidando dos filhos. A presença de mulheres na vida política do Brasil era algo inimaginável. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós foi a primeira deputada eleita no país, em 1934, pelo estado de São Paulo. Ainda hoje, passados 87 anos, as mulheres são minoria no cenário político brasileiro. Dos 513 parlamentares eleitos em 2018, apenas 77 eram mulheres. Mesmo diante da disparidade numérica em relação aos homens, estudos demonstram que as parlamentares do sexo feminino são mais eficientes que seus colegas homens.
O mundo mudou e hoje o lugar das mulheres, como diz um bordão do movimento feminista, é onde elas quiserem. Mas para chegar até aqui foi preciso incorporar uma palavra determinante às suas vidas: a liberdade. No entanto, é sempre bom lembrar que este vocábulo sempre esteve acompanhado de muita luta, superação, conquistas e também de exploração, dor, desigualdade, preconceito, violência e muitos e múltiplos outros termos e seus respectivos significados.
Atualmente, a inserção das mulheres na sociedade e a participação no mercado de trabalho vêm crescendo, garantindo independência e uma maior liberdade em relação aos estereótipos que as colocavam em posições secundárias no mundo. As lutas travadas desde sempre por direitos, emancipação, igualdade e liberdade são cada vez mais necessárias. É inacreditável, mas na sociedade contemporânea as mulheres ainda enfrentam batalhas como o feminicídio, um termo relativamente novo para uma prática medieval.
A luta de Carlota Pereira de Queirós (foto ao lado) na política serviu de exemplo para outras mulheres e vem passando de geração para geração, fortalecendo cada vez mais a presença feminina nos mais diversos ambientes sociais. Profissões que eram rotuladas como masculinas, como os parlamentares, hoje são exercidas com naturalidade e competência.
Seja em funções braçais ou de liderança e gestão, lá estão as mulheres, desafiando regras, quebrando tabus, em um mundo em permanente e constante transformação, e muitas vezes garantindo o sustento da casa. Independente da área de atuação, o que se percebe é que as mulheres exercem suas funções com extrema competência, como indicam estudos abaixo e que deixariam Carlota Pereira de Queirós orgulhosa.
Publicado recentemente, um estudo inédito no Brasil analisou a produção parlamentar na Câmara dos Deputados, com recorte de gênero, entre anos anos de 2015 a 2020. A pesquisa do Vamos Juntas na Política mostra que, mesmo sendo minoria nos cargos de lideranças, as parlamentares apresentaram 40% mais projetos do que os deputados e aprovaram cerca de 192% propostas a mais do que seus colegas. O levantamento demonstra ainda que as parlamentares são responsáveis por 22% dos projetos para educação e 25% dos projetos da área da saúde.
Um outro estudo semelhante analisou a representação substantiva das mulheres no processo legislativo entre a 49ª e a 55ª legislaturas (1991-2019) e apontou efeitos do trabalho feminino sobre as matérias apresentadas, chegando à mesma conclusão. A pesquisa faz parte da monografia Elas que lutam: a participação das mulheres no processo legislativo na Câmara dos Deputados pós-constituinte, defendida no dia 3 de dezembro de 2020 pelo formando do curso de Direito, José Jance Marques Grangeiro, da Universidade de Brasília (UnB). O estudo, que teve orientação da professora Débora Diniz, demonstra que no período pesquisado (28 anos) as deputadas brasileiras foram mais eficiente do que os parlamentares, no que diz respeito à apresentação e à aprovação de proposições legislativas. A metodologia utilizada foi a pesquisa documental por meio da análise do banco de dados da Câmara dos Deputados, o Sileg-Tramitação. Todas as informações usadas são públicas e podem ser acessadas diretamente na página do órgão. A monografia descreve como as mulheres produzem e sobre o que elas elaboram. E ainda aponta o que é apresentado a respeito delas. Os resultados do levantamento mostram que as mulheres apresentam e aprovam, em média, mais projetos do que os homens dentro do período de uma legislatura. Entre 2015 e 2019 – isto é, a 55ª Legislatura –, por exemplo, elas aprovaram três vezes mais proposições que os deputados. Além disso, os resultados do trabalho das parlamentares têm muito mais impacto na sociedade, de forma mais justa e solidária.
RESULTADOS
No total, a pesquisa analisou 75.396 proposições legislativas que iniciaram a tramitação na Câmara dos Deputados entre a 49ª e a 55ª legislaturas (1991 a 2019). Foram consideradas para a sondagem apenas as propostas de lei em sentido formal e material, ou seja, aquelas que criam normas de conteúdo geral e abstrato. O estudo observou diferentes tipos de proposição legislativa: medida provisória, projeto de decreto legislativo (e suas variações), projeto de lei, projeto de lei complementar, projeto de lei de conversão, projeto de resolução (e suas variações), proposta de emenda à Constituição e proposta de fiscalização.
EFICIÊNCIA Em relação à eficiência do que foi apresentado, o trabalho das parlamentares brasileiras vem crescendo a cada legislatura. Em 1991, as propostas apresentadas por mulheres atingiram 6,6%, passando para 10% em 2015. Na 49ª Legislatura, as mulheres aprovaram 6,3% de tudo o que propuseram contra 3,9% dos homens. Na legislatura seguinte, elas aprovaram 3,7% contra 3,3% dos projetos de seus colegas. Entre 1999 e 2003, as deputadas aprovaram quase 8% de tudo o que apresentaram, enquanto os parlamentares homens chegaram a apenas 3,4%. Na 52ª Legislatura, a diferença diminuiu. Enquanto as deputadas aprovaram 6,2% dos textos apresentados, os deputados quase chegam a 5%. Essa média próxima, com uma leve vantagem das mulheres, repete-se nas duas legislaturas seguintes. No entanto, de 2015 a 2019, a diferença entre o volume de matérias aprovadas voltou a crescer. Enquanto as mulheres aprovaram 2,4% de tudo o que apresentaram, os homens aprovaram apenas 1%.
DISCRIMINAÇÃO
De acordo com o estudo de José Jance Marques Grangeiro é possível perceber que dentro do ambiente político existem espaços permitidos para mulheres e outros não. De 1991 a 2019, entre as propostas surgidas na Câmara dos Deputados e que se converteram em normas, destaca-se a atuação feminina nos temas de saúde, educação, direitos humanos, direito civil (em especial o direito de família) e cultura. A monografia indica que quatro em cada 10 projetos sobre saúde, apresentados pelos deputados e que se converteram em normas, eram de autoria feminina. O mesmo ocorre com as matérias relacionadas à cultura. Três a cada 10 propostas aprovadas sobre educação, direitos humanos, direito e justiça e direito civil também foram apresentadas por mulheres. Uma das suposições para o fato das mulheres estarem mais presentes nas comissões que tratam de temas socialmente considerados femininos é de que se trata do único espaço disponível para elas no campo político, considerados de menor prestígio.