EMANCIPAÇÃO HUMANA (PARTE II), POR BRUNO MENDONÇA COSTA (*)
- Alexandre Costa
- 14 de jun. de 2022
- 6 min de leitura
Este artigo será publicado em quatro partes. A primeira na segunda-feira (13/6) e a última na quinta-feira (16/6). Boa leitura!

Partimos, então, do homem concreto, aquele que vive o dia-a-dia com todos os seus obstáculos, dificuldades, carências diversas, que o coloca num nível muito abaixo daquele que se presume possa alcançar o homem livre do futuro. Este, sem nenhuma dúvida, não existe concretamente. Poderá ser considerado por muitos como uma utopia ou até mesmo como algo inalcançável, considerando os instintos próprios dos seres humanos. Ou seja, desde logo, haverá uma visão otimista com relação ao futuro e, em oposição, uma visão pessimista.
A visão pessimista não pode prevalecer. E forçosamente não prevalecerá, pois se observa que apesar do imenso número de (maus) exemplos, a humanidade apresenta progressos indubitáveis em diferentes áreas. É um progresso variável, as vezes lento, as vezes mais rápido, mas ele pode ser enumerado e demonstrado. Ele é produto de dois fatores indiscutíveis: o desenvolvimento econômico-financeiro, com as diferentes vestimentas do capitalismo nas várias regiões do mundo, caudatário principalmente do progresso da ciência e da tecnologia, e o avanço do aperfeiçoamento das organizações sociais, sob a forma de instituições, tais como as ONGs, funcionamento de empresas privadas que guardam ou não compromentimentos sociais, os parlamentos com vários níveis de compreensão política e social, os partidos políticos e suas ideologias, os compromissos sociais por parte dos vários tipos de organizações denominadas de Estados.
Os retrocessos na caminhada civilizatória já não ocorre mais em termos de países isolados, mas, graças à globalização, envolve todos os países, sejam ricos ou pobres. Estes envolvimentos apresentam aspectos positivos e negativos, mas, no balanço final, é difícil que não ocorram balanços positivos para todos. É o que acontece, por exemplo, com relação aos direitos humanos. Enfim, a trajetória pode ser obstaculizada pontual ou eventualmente, mas recobra seu caminho e avança para rumos melhores. Estes avanços e recuos sempre aconteceram nesta trajetória da humanidade, como encontramos inúmeros exemplos em nossas pesquisas da História. Sócrates conseguia demonstrar que respeitava as religiões, mas a solução dos problemas humanos não estava em discussão de deuses e sim em discussão de homens. Foi condenado a morrer justamente porque foi acusado de desacreditar os deuses da época. Era o iV século a. C.
A “emancipação” é vista, assim, como um tema abstrato. Como é abstrato o homem para o qual ela está voltada. O homem concreto do dia-a-dia, vive alienado e nem sequer cogita discutir temas como este. Para ele, que está a procura de sua carência alimentar, é como falar se existem ou não existem anjos.
No entanto, apesar da ignorância que graça em todas as camadas sociais, faz parte do ser humano discutir temas teóricos ou abstratos, pois não deixa de ser uma exigência justamente de sua vida concreta, embora não percebida pela maioria. O homem concreto precisa sobreviver e para isso, não pode dispensar-se de perceber os avanços da tecnologia e da ciência. É o que estamos presenciando em nossa época atual. Ninguém consegue deixar de saber que existe algo que pode salvar vidas, a vacina contra o vírus COVID19. A aceitação por parte da grande maioria, seguramente mais de 80% da população de qualquer país, é uma prova, pelo menos parcial, de que a ciência está prestigiada em nossa época, por inclusive de boa parte da maioria dos religiosos. Mesmo a Igreja Católica, através da palavra de seu representante maior, o Papa Francisco, não apresenta declarações negacionistas ou contra o avanço da ciência. Conclui-se, assim, que a igreja, seja ela qual for, é capaz de ater-se ao seu aspecto individual e individualista, ou mesmo íntimo, de que a religião é algo próprio de cada pessoa, garantida inclusive pela Constituição de 1.988 no Brasil.
Concebe-se a religião como algo que pertence ao direito de cada um, indiscutível até pela legislação e pela nossa Carta Maior. Tal como ela, pode-se conceber os “outros direitos”, como os já referidos anteriormente.
Ora, coloca-se a religião e os demais direitos, como inscritos no item que poderíamos chamar também de individualistas ou egoístas. O que parece uma contradição, surge em nossas abstrações como algo claro e indiscutível. Se reivindico para mim direitos que defendo com muita força e que são prerrogativas daquilo que passo a denominar de “minha liberdade”, defendo-os prioritariamente de forma egoísta. O que serve para mim servirá também para o outro. Mas igualmente será acatado de forma individualista e egoísta. Se o outro, o meu semelhante, não quiser para si este mesmo direito, isso passa a ser um “problema dele” e não “um problema meu”. São decisões singulares, individuais e não coletivas ou sociais. Só são sociais porque abrigam desejos dos homens. Podemos tomar como exemplo, a existência da quantidade de igrejas de todos os tipos que existem hoje no Brasil. Só num mesmo bairro de um balneário muito conhecido de S. C. existem no mínimo 20 diferentes igrejas, cada um delas com um só deus, que é o mesmo Deus da Igreja Católica, mas, é lógico, com pastores que fazem pregações de diferentes teores.
A perspectiva de uma vida melhor para o futuro, simplesmente por participar daquele agrupamento religioso, é, sem dúvida, o traço comum de todas elas, incluindo a própria Igreja católica. Esta perspectiva de uma vida melhor encontra-se no fortalecimento de sua igreja e por hipótese dele próprio, mas aí por meios divinos, ligados ao deus da igreja e ao deus individual.
Ninguém desconhece os aspectos positivos de uma vida social com bons relacionamentos, voltada ao respeito de si próprios e dos outros, das boas intenções com relação ao próximo, das benemerências de instituições religiosas, do indubitável valor das Santas Casas, um exemplo, na área da saúde. Desta forma, as instituições religiosas substituem o Estado em tarefas que competiriam a ele apresentar soluções. Elas aparecem de forma integral ou pelo menos de forma parcial e, assim, tornam-se provas de que as religiões, sejam elas quais forem, tem o seu lado positivo indiscutível. Mas, de modo principal, o objetivo mais profundo é a crença num futuro mágico que pode surgir para cada um, graças à participação no seu agrupamento religioso.
Ora, defendem muitos, se as religiões, ou também as instituições não religiosas, podem resolver os problemas sociais, não há necessidade de que o Estado passe a “perder tempo” na discussão destes problemas e sim se dedique a “outros de maior grandeza”, como por exemplo, a educação e a segurança individual e coletiva. O Estado não só passa a se dedicar a “questões maiores” como deixa também de gastar recursos financeiros em algo que pode ser resolvido por instituições da sociedade civil. Os cidadãos se convencem destas soluções apresentadas e como consequência os problemas continuam e se cronificam e o Estado, indiferente de qual seja o partido político no governo, deixa de exercer o objetivo para o qual existe e foi criado.
Na atual situação de pandemia, o SUS e as providências das instituições estatais, com todas as dificuldades sobejamente apresentadas pelas mídias, incluindo o negacionismo, demonstram que o desastre seria muito maior no Brasil se elas não existissem com seus milhares de dedicados servidores. Se esta situação de pandemia serviu para esse objetivo de demonstração, o mesmo raciocínio serve para demonstrar que o Estado poderá servir para a solução de tantos outros problemas, como a miséria quase absoluta ou a pobreza indigna, a falta de moradias, o desemprego, a carência alimentar, a precariedade física das escolas, a falta de verbas para escolas e universidades, etc.
Não se deve desprezar o valor da contribuição das instituições sociais particulares e das igrejas nos problemas sociais, mas não se deve deixar só para elas a solução dos graves problemas a serem enfrentados. Elas devem ser consideradas como um meio complementar de ajuda. O principal idealizador e executor é o Estado. E jamais, em qualquer hipótese, negar o direito de cada um de ter seu credo particular. Se isso está em nossa lei maior, trata-se de um direito indiscutível.
Mas, se este direito está na lei maior e é indiscutível, devemos também igualmente apresentar a necessidade de tentar soluções por parte do Estado dos outros problemas que se encontram sem solução faz tantos anos. Não discuti-los e não aventar soluções é viver sob o manto da alienação que pode ser conveniente para algumas das religiões existentes ou para pessoas por elas comandadas. Mas a ausência ou a pouca discussão, acaba sendo um grave erro com relação à finalidade do Estado e principalmente do esforço coletivo que deve haver na solução dos problemas sociais.
(*) Bruno Mendonça Costa é médico psiquiatra.
A 3ª PARTE DESTE ARTIGO SERÁ PUBLICADA NA QUARTA-FEIRA (15/6).