As mudanças climáticas e o crescimento das populações já vinham aumentando os desafios que o sistema global de produção de alimentos enfrentava, mesmo antes da pandemia de coronavírus. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, as projeções em relação à economia global são extremamente pessimistas e indicam, inclusive, uma inevitável escassez de alimentos no mundo.
Os efeitos da guerra entre russos e ucranianos deve piorar ainda mais o cenário no Brasil, bastante abalado em função da pandemia, a começar pela elevação do preço dos combustíveis, que já estamos assistindo; e, em futuro próximo, com a falta de fertilizantes e matérias primas.
No Brasil, a pandemia teve a dimensão de uma catástrofe humanitária. Cerca de 30 milhões de pessoas contraíram o vírus e mais de 656 mil morreram, sem contar os prejuízos econômicos. Ano passado, o desemprego bateu recorde, atingindo aproximadamente 14,8 milhões de brasileiros e levando 14,5 milhões de famílias à extrema pobreza. O aumento no número de brasileiros passando fome, de 10,3 milhões em 2018, para 19,1 milhões em 2020, representou um crescimento de 85% em dois anos. Por isso, as projeções sobre as consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia para o mundo e, principalmente, para as populações mais pobres, como é o caso do Brasil, são simplesmente assustadoras. ALERTA Em um comunicado na sexta-feira (11/3), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) fez um alerta sobre as consequências da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. De acordo com Qu Dongyu, diretor-geral da entidade, a interrupção da produção agrícola na Rússia e na Ucrânia pode agravar seriamente a insegurança alimentar global. Na semana passada, a BBC entrevistou o chefe de uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo. Svein Tore Holsether, da Yara International, sediada na Noruega, afirmou que a guerra na Ucrânia vai causar um choque "catastrófico" na cadeia de suprimentos e no custo dos alimentos.
COMBUSTÍVEIS E FERTILIZANTES Os alertas e as projeções sobre as consequências da guerra para o Brasil ainda são vistos como alarmismos distantes da realidade do país. No entanto, vale lembrar que na sexta-feira os brasileiros sentiram no bolso a elevação do preço dos combustíveis, resultado da alta do petróleo no mundo inteiro. Em relação aos fertilizantes, a situação é bem mais grave. O país é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, atrás de China, Índia e Estados Unidos. Porém, o Brasil é o maior importador mundial desses insumos.
De acordo com a Embrapa, a soja é a principal cultura consumidora de fertilizantes do país. Mais de 90% dos fertilizantes, produzidos ou importados pelo país, são utilizados pela soja, milho, cana-de-açúcar e algodão. Cabe lembrar que o Brasil importa 85% dos fertilizantes que utiliza e a Rússia é responsável por 23% das importações. Svein Tore Holsether afirmou que metade da população mundial obtém seus alimentos graças ao uso de fertilizantes e sem a utilização deles a produção de alguns produtos poderá ser reduzida pela metade. A Yara International opera em mais de 60 países e compra quantias consideráveis de matéria-prima da Rússia. "Não é uma questão se vamos ou não entrar numa crise global de alimentos, mas quão grande será essa crise", afirmou Holsether, lembrando que a Rússia é responsável por um quarto dos nutrientes essenciais para fertilizantes na produção de alimentos na Europa.
O alerta do diretor-geral da FAO sobre a escassez global de de alimentos causada pela guerra esta baseado em dados concretos, como o fato da Rússia ser o maior exportador mundial de trigo e a Ucrânia o quinto maior. "Os dois países fornecem, juntos, 19% da oferta mundial de cevada, 14% de trigo e 4% de milho, representando mais de um terço das exportações globais de cereais, argumentou Qu Dongyu, lembrando que a cadeia de suprimentos e as interrupções logísticas na produção de grãos e oleaginosas da Ucrânia e da Rússia, bem como as restrições às exportações russas, terão repercussões significativas na segurança alimentar.
Cerca de 50 países dependem da Rússia e da Ucrânia para 30% ou mais de seu suprimento de trigo e muitos destes países são pouco desenvolvidos, têm baixa renda e apresentam déficit alimentar. Muitos países europeus e da Ásia Central dependem da Rússia para mais de 50% de seu suprimento de fertilizantes, e a escassez pode se estender até o próximo ano. Os preços dos alimentos, que já estavam em alta desde o segundo semestre de 2020, atingiram um recorde histórico em fevereiro de 2022, devido à alta demanda, custos de insumos e transporte e interrupções nos portos.