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Foto do escritorAlexandre Costa

DEBAIXO DE SETE CHAVES, DENTRO DO CORAÇÃO, POR PAULO GAIGER (*)


Algumas profissões vão além das oito horas diárias, do bater o ponto; vão além do trânsito, às vezes, infernal entre o ir para o trabalho e o voltar para o aconchego ou desespero do lar; muito além e diferente dos cumprimentos formais, dos bons dias protocolares da boa educação; dos sorrisos ensaiados; da bajulação ou autocomiseração. Existem profissões que se confundem com a vida mesma, parece que elas se estendem sobre todas as horas do dia ou são as escolhas e modos de vida que tomam conta da mão e do olhar das horas laborais. Lendo os livros da Eliane Brum, já sabe, se encontra uma mulher/repórter/jornalista que se entrega, que se compromete, que apura, que respeita, que não teme, que vai aos cafundós em busca de vida ou para denunciar as ameaças à vida, e que ama, ama muito o que faz e ama as pessoas que encontra. Dá para inferir que constrói relações de beleza infinita. E, por isso, faz tudo tão bem. É muito provável que outras jornalistas e repórteres tenham essa qualidade humana, assim como médicas, bombeiras, antropólogas, indigenistas, cooperantes e professoras, por exemplo. Se faz o que se é porque se é o que se faz, mas sempre em devir, aprendendo, se transformando. Um tipo de trabalho que afeta, em mão dupla, lá e cá, cria vínculos, constrói parcerias leais e orgânicas, oxigena cada encontro e hora vividas, cria afeto e respeito, transborda o espaço e o tempo, expectativas para o dia seguinte. E deixa saudades! Muitas! Em meus catorze anos de UFPel, nem quero e nem consigo falar de minha vivência intensa na Universidade Regional de Blumenau, da galera do Grupo Phoenix de teatro universitário, ou na UNISINOS, das “quatro sobrinhas”... Sim, em meus catorze anos de UFPel vivo, em meu trabalho de professor, um contínuo de experiências humanas de encher a alma que ultrapassa a sala de aula, as horas com os grupos de pesquisa e de extensão. E meio como um pai cujas filhas partem de mala feita, projetos e passagem de ida, a melancolia e a saudade aceleram o passo. Felizmente, as tecnologias de comunicação vieram também para dar conta da boa sensação de redução da distância e do tempo inexorável. Já não escrevemos longas cartas e aguardamos ansiosamente por dias e dias pelas notícias das pessoas queridas. Uma chamada de vídeo, um post, uma fotinho no instagram e tudo parece acontecer ao lado. Embora, sem abraços, sem beijos, sem perfumes e sem calor. Roberta foi para Campinas, pouco nos falamos, mas nos curtimos. Patrícia, para Garibaldi, mas ela e eu estamos escrevendo artigos juntos e planejando o seu doutorado. Garibaldi é bem aqui. Lizi segue em Pelotas e segura a onda trabalhando em uma padaria de produtos orgânicos. É uma atriz maravilhosa, de uma energia alegre e vital. Nos encontramos todas as semanas no Grupo de Pesquisa Coletivo MeiaOito. Coisa bem boa. Karol é fodástica, dona de um bom humor contagiante, se formou não faz muito, mas já está no mestrado da FURG e nos vemos no grupo de pesquisa. Ufa! Jane é um vulcão, uma força anímica sem igual, de uma lealdade descomunal. Dançarina, atriz, cantora, produtora... Se forma no final do ano e regressa para São Paulo. Já dói. Letícia está se formando agora. É uma atriz de uma inteligência cênica fora de série. Mulher parceira, leal, multiartista. A convidei para integrar o Coletivo. Tomara! Claudia também se forma neste semestre, mas se vai para Florianópolis em razão do mestrado. Vai deixar uma lacuna imensa. Companheira e atriz de nunca esquecer. Shai já está em Jaraguá do Sul, trabalhando como professora de teatro do município catarinense. Nos falamos a cada mês para oxigenar nossos laços, nosso carinho, saber de como vão as coisas. A vida de professor é meio isso: lado a lado da estudante, a motivando, transgredindo e abrindo caminhos que revelam potenciais, que descortinam horizontes e belezas humanas. E canto, com os olhos cheios e o coração batendo: “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração...”


(*) Paulo Gaiger é Artista professor do Centro de Artes – UFPel.

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