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DE MARIELLE À BRUNO PEREIRA E DOM PHILLIPS: DUAS FACES DO MESMO SONHO E MARTÍRIO, POR NORA PRADO (*)


O governo Bolsonaro já tem dois marcos concretos e simbólicos para sinalizar o desastre absoluto que foi e tem sido o seu governo e pelo qual será lembrado pela história horrenda do Brasil, recente, durante o seu sangrento mandato. A morte brutal da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Silva, em março de 2018, e o desaparecimento suspeito do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na floresta amazônica em 2022. O primeiro em meio as ações comunitárias de Marielle em áreas de interesse da milícia carioca na Zona Oeste. O segundo em meio ao abandono completo das políticas ambientais e desarticulação dos órgãos competentes na fiscalização e proteção da floresta Amazônica, assim como das populações indígenas e comunidades ribeirinhas. Alguns alegarão que mataram Marielle antes de Bolsonaro assumir o poder, o que cronologicamente é verdade, mas, diante das implicações e evidências dele com os assassinos, sua participação é escandalosamente notória. Ronie Lessa, o segundo envolvido preso e um dos acusados pelo crime, era seu vizinho de condomínio, na época. Sargento da reserva da polícia e ex-chefe da milícia na zona oeste, foi dono de um bingo clandestino na Barra da Tijuca e planejava, antes de ser preso, expandir o seu negócio de distribuição de água para áreas dominadas por traficantes de drogas na cidade. Casualmente, um amigo de Ronnie, Élcio de Queiroz, ex-policial militar expulso da PM em 2015 por envolvimento com a contravenção, fez contato direto com a casa de Bolsonaro, horas antes e no dia do crime. Depois desta bombástica revelação, o porteiro que cobria a guarita do condomínio nesta noite, e quem passou essa informação a um jornalista, foi sumariamente retirado de cena, assim como, foram alterados os registros e planilhas da portaria naquela fatídica noite. Além disso, a interferência sistemática de Bolsonaro exigindo a troca do comando da Polícia Federal do Rio e troca dos delegados responsáveis do caso Marielle, por cinco vezes, comprova a sua preocupação extrema para obstruir as linhas de investigação e obstrução da justiça na resolução do caso.


Outro fato, de extrema importância, diz respeito ao filho de Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, vereador cujo gabinete era vizinho ao de Marielle, na Câmara dos Vereadores do Rio, e com quem ele discutiu no corredor da casa, chegando a ameaçar um assessor da vereadora. Marielle era uma liderança feminista, negra, comprometida com as comunidades de base periféricas e com a justiça social, assessora do deputado federal do PSOL, Marcelo Freixo, na denúncia, investigação e desbaratamento das milícias cariocas. Sua ação, firme e combativa incomodava os conservadores e os oportunistas de plantão. Passados mais de quatro anos da sua covarde e bárbara execução, continuamos esperando os esclarecimentos finais que mostrem quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Silva.


Quanto ao seu marco final, o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, que cobriam parte da Amazônia profunda na região do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, pesquisando e entrevistando indígenas que tem suas terras invadidas e sua integridade física ameaçada por garimpeiros, grileiros e madeireiros, mostra o destino cruel de todo aquele que se dispõe a lutar pela floresta e seus guardiões originários. Bruno da Cunha Araújo Pereira é servidor público ligado à Funai, afastado do cargo e no comando da pesquisa sobre invasão de terras indígenas, que conduzia e acompanhava a reportagem de Phillips. Exímio conhecedor da área do Vale do Javari, recebia frequentes ameaças por seu trabalho de investigar invasões e denunciar a exploração ilegal na Amazônia, que cresceu exponencialmente desde o início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019. Sua articulação, junto à Polícia Federal, da “Operação Korubo”, em 2019, foi responsável pela destruição de balsas de garimpo ilegais na Amazônia. Vale lembrar que a pedido de Bolsonaro, o então ministro da Justiça Sérgio Moro, na época, pediu a sua exoneração da FUNAI por atrapalhar os interesses de grupos ruralista e garimpeiros. Dom Phillips é um jornalista inglês que colabora para os jornais The Guardian e The New York Times e mora no Brasil há cinco anos. Há quinze anos especializou-se em políticas de preservação do meio ambiente brasileiro e estava escrevendo um livro, com patrocínio da Fundação Alicia Patterson, sobre as invasões de terras indígenas na Amazônia. Em Salvador, onde vivia com a mulher, Alessandra Sampaio, ensinava inglês em um projeto social para jovens dos bairros Marechal Rondon e Alto do Cabrito.


Sumidos do mapa desde domingo passado, infelizmente, é provável que há estas alturas seus corpos estejam no fundo do rio ou tenham sido devorados por piranhas. Visto que Bruno era persona non grata pelos garimpeiros, traficantes e grileiros, tendo recebido diversas ameaças por sua atuação junto as tribos indígenas, dificultando a ação criminosa dos forasteiros. A demora da polícia federal brasileira para iniciar as buscas numa operação eficaz para apurar esse crime de natureza política, demonstra o desprezo do chefe maior em exercício, pela justiça e esclarecimento da verdade. Não se some com um barco inteiro e dois tripulantes sem que algo muito grave tenha provocado essa súbita abdução. Na ocasião em que Bruno e Dom foram vistos pela última vez, uma lancha conduzida por Amarildo da Costa Conceição foi vista por ribeirinhos, logo atrás dos dois. Durante a operação que investiga o desaparecimento do indigenista e do jornalista, Amarildo, também conhecido por “Pelado”, foi detido por carregar uma porção de droga e munição de uso restrito das Forças Armadas. Na lancha apreendida pelo suspeito foram encontrados vestígios de sangue que aguardam perícia. Caso seja constatado ser sangue humano, estas amostras serão comparadas com o DNA dos desaparecidos. Em mais uma das centenas de declarações infelizes, Bolsonaro, praticamente culpou Bruno e Dom pelo ocorrido. "Realmente... Duas pessoas apenas, em um barco, em uma região daquela, né, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que eles tenham sido executados", afirmou com sua indiferença e absoluta falta de empatia.


Assim como Marielle lutava pelos direitos civis, pela diminuição da desigualdade social e pela democracia, Bruno e Dom lutavam pela liberdade e o direito à floresta pelas tribos indígenas e pela denúncia de práticas criminosas contra os povos originários. Foram inescrupulosamente silenciados como foram no passado Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros ambientalistas e ativistas que seguem sendo perseguidos, ameaçados e mortos pela milícia da banda podre do agronegócio aliada a criminosos que tem a simpatia e bênçãos de Bolsonaro. Na esteira de suas declarações cínicas e mentirosas, seguiremos até outubro testemunhando ainda mais violência e barbárie contra o povo brasileiro. Se Marielle, Bruno e Dom representam ações progressistas em benefício da civilidade e bem-estar comum, Bolsonaro e seus aliados representam exatamente o seu oposto, pois defendem a tirania em nome dos privilégios e da impunidade.


Não admira que ele e seus aliados ameaçaram e intimidaram a divulgação dos dados da última pesquisa eleitoral realizada pela XP que mostrava o resultado favorável para o seu maior adversário, Lula, dando vitória em 1º Turno ao candidato petista. A empresa censurada retirou do ar o resultado. Eles podem censurar mas, não podem mudar os ventos nem as mudanças que inevitavelmente virão com a primavera.


Assim como desejo que a democracia vença o retrocesso no qual ainda estamos atolados, desejo a completa apuração dos responsáveis pelo desaparecimento de Bruno e Phillips e revelem o mandante da morte de Marille. Que os responsáveis sejam devidamente investigados, processados e punidos. Só assim poderemos seguir em frente num país mais justo e sadio para todos. De toda forma o silenciamento dessas vozes serão lembrados para sempre como a face mais trágica que se seguiu ao golpe de 2016 e os quatro anos de terror do governo bolsonarista. Que outubro chegue logo!


Porto Alegre, 11 de junho de 2022.


(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

 
 
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