DA DEMOCRACIA EM VERTIGEM AO FASCISMO GENOCIDA - PARTE 4
- Alexandre Costa
- 31 de mar. de 2021
- 10 min de leitura
Atualizado: 1 de abr. de 2021

A quarta e última matéria da série "DA DEMOCRACIA EM VERTIGEM AO FASCISMO GENOCIDA", apresenta algumas considerações sobre a crise protagonizada pela troca de comando das forças armadas, relacionando o fato ao que o ministro do STF Gilmar Mendes classificou como o maior escândalo jurídico da história. Quatro anos e meio depois do Impeachment que destituiu Dilma Rousseff da Presidência da República, o Brasil se transformou em um país despedaçado. No quebra cabeça do impeachment, a suspeição do ex-juiz Sergio Moro recai também sobre o TRF4, de forma tosca e rudimentar.
Em meio às indefinições sobre o futuro, o jornalista Alexandre Costa lança dúvidas sobre Gilmar Mendes e sobre o restabelecimento da democracia no Brasil, que pode ser definido no julgamento dos recursos da PGR no STF, no próximo dia 14 de abril, data em que a Suprema Corte analisará a anulação da condenação de Lula e, em consequência, estará definindo os rumos políticos do país.
OS GOLPES DE 1964 E DE 2016 TIVERAM MÉTODOS DIREFENTES, MAS OS OBJETIVOS FORAM OS MESMOS
A farsa do impeachment contra Dilma Rousseff não foi um fato isolado e tampouco restrito ao Brasil. Apesar das diferenças de formato dos golpes contemporâneos em relação à derrubada de governos nas décadas de 60 e 70 - utilizando brutal violência e fazendo sangrar as veias abertas da América Latina -, os objetivos são os mesmos. Ao tornar pública a trama orquestrada pelo ex-juiz Sergio Moro e o uso da Operação Lava Jato para perseguir, processar e prender o ex-presidente Lula, o ministro Gilmar Mendes acabou abrindo a caixa-preta do voo cego do golpe que derrubou Dilma. Os argumentos utilizados pelo ministro da Suprema Corte Gilmar Mendes, em oposição ao pronunciamento do seu colega Kássio Nunes Marques, durante a sessão histórica do Supremo Tribunal de Justiça (STF) que julgou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, na tarde do dia 23 de março, mostraram à nação o lado mais obscuro da política.
Enquanto o Brasil ultrapassava a marca de 310 mil mortes em decorrência da covid-19, uma estranha e pouco comum movimentação dos ministros das forças armadas denunciavam uma crise jamais vista no país. Diante de um cenário desolador e dramático causado pela pandemia de coronavírus, a inquietação da cúpula militar, indicando uma cisão entre os que se opõem a Bolsonaro e os que o apoiam, demonstra que o Brasil está à deriva. Enquanto os militares medem força com o presidente que ajudaram a eleger, uma nota assinada pelo general Braga Netto, em que enaltece o 31 de março de 1964, como uma data a ser celebrada, apenas confirma a instabilidade do país.
O golpe que derrubou Dilma, com a participação dos militares como revelou Michel Temer, começa a ser desvendado, peça por peça. O fato é que Bolsonaro representa a continuidade do golpe de 2016. A crise pública protagonizada pelas forças armadas neste início de semana apenas comprova que o Brasil retrocedeu no tempo e mergulhou de cabeça nos valores morais daqueles deploráveis anos de chumbo. É no mínimo vergonhosa a manifestação de Braga Netto que enaltece o 31 de março de 1964, como uma data a ser celebrada, utilizando a farsa de que os militares salvaram o Brasil do comunismo.
Infelizmente, a dança das cadeiras protagonizada pelo presidente Bolsonaro nada mais é do que uma forma silenciosa de flertar com golpe, de ameaçar o país com bravatas que lembram o autoritarismo daqueles terríveis 21 anos de proibições, de censura, tortura, mortes e assassinatos. O ingresso dos militares no cenário político e nos noticiários do país revela que Bolsonaro pode ter ido longe demais na forma insana de comandar o país. Seja como for, ao usar termos como AI-5 e Estado de Sítio, o presidente se vale de uma grotesca coerção que atinge os próprios militares, além do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e todos que ousarem contrariá-lo
O MAIOR ESCÂNDALO JURÍDICO DA HISTÓRIA
Desde o início da Operação Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve atuação decisiva na agenda política do país. Durante o processo de impeachment de Dilma, a Suprema Corte rejeitou o pedido do então governo petista e de deputados de sua base para anular o processo que caminhava na Câmara, no início de 2016. Também foi fundamental, como já foi citado, nos processos e na prisão do ex-presidente Lula.
Constatada a perseguição contra Lula, os advogados de defesa do ex-presidente protocolaram pedidos em quatro ações distintas no STF para questionar a atuação do juiz Sérgio Moro, além de outras seis para a própria Justiça Federal, para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (trf4) e até para a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A via sacra percorrida pelos advogados de defesa do ex-presidente para reverter a soma de decisões que contrariam a própria lógica do mundo do direito foi muito bem definida pelo ministro da Suprema Corte Gilmar Mendes: “o maior escândalo político da história.
Em maio de 2016, após o STF decidir que não iria analisar as violações das garantias de direitos fundamentais de Lula (perpetradas pelo juiz de primeira instância do Paraná Sério Moro), a defesa do ex-presidente decidiu levar o caso para a apreciação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Na ação, os advogados de Lula, acompanhados do jurista australiano Geoffrey Robertson, denunciaram ao Comitê uma série de evidências de violação e abusos cometidos pela Lava Jato.
A condução coercitiva do dia 4 de março de 2016, completamente fora do previsto na legislação brasileira, foi apenas uma das irregularidades encaminhadas para a análise da do Comitê da ONU. O documento continha ainda o vazamento de dados confidenciais para a imprensa; a divulgação de gravações, inclusive obtidas de forma ilegal; bem como o recurso abusivo em relação às prisões temporárias e preventivas, visando a obtenção de acordos de delação premiada.
As denúncias de irregularidades nos processos contra o ex-presidente chamaram a atenção de juristas de diferentes lugares do mundo, gerando manifestos assinados por profissionais renomados da área do direito de pelo menos 20 países, como a França, Espanha, Itália, Portugal, Bélgica, México, EUA, Colômbia, Alemanha, entre outros.
GOLPISTA É GOLPISTA
Independente das motivações, o fato é que o discurso de Gilmar Mendes causou desconforto até mesmo a ferrenhos adversários políticos do PT. Recentemente, em entrevista ao "Congresso em Foco", o deputado federal Aécio Neves (PSDB) declarou que reconheceu a derrota para Dilma nas eleições presidenciais de 2014. A afirmação de Aécio foi rebatida imediatamente pela ex-presidenta. Na opinião de Dilma, Aécio Neves tentou limpar sua biografia, que o identifica como um golpista. “Aécio nunca aceitou de fato a derrota. Chegou a comemorar a vitória antes da hora e, inconformado com o resultado, mandou o seu partido, o PSDB, entrar com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedindo a recontagem dos votos. Foi derrotado de novo”, argumentou a ex-presidenta.
HERÓI, VILÃO OU OPORTUNISTA?
Tratado como um verdadeiro herói da democracia e do estado democrático de direito, o hoje bajulado Gilmar Mendes já foi visto como o vilão da Suprema Corte. Nomeado por Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes iniciou sua trajetória no STF em junho de 2002. Durante os governos petistas (2003-2016), Gilmar sempre atuou contra Lula e Dilma. Em 2005, ao lado do seu colega Joaquim Barbosa, quase derrubou Lula no chamado mensalão (Ação Penal 470). Um ano antes, quando a Operação Lava Jato nasceu, o magistrado não escondeu o entusiasmo ao declarar em entrevista ao jornal “O Globo” que o mensalão era “pequena causa” perto da Lava Jato.
A atuação de Gilmar mendes foi decisiva também em março de 2016, quando Dilma Rousseff nomeou Lula como Ministro-Chefe da Casa Civil, com objetivo de garantir fórum privilegiado ao ex-presidente. Alegando desvio de função, o STF interferiu em um tema que pela lei é prerrogativa presidencial. Ou seja: Gilmar Mendes impediu a nomeação e impediu que Lula assumisse o cargo de ministro.
A mudança de atitude de Gilmar Mendes está relacionada ao poder que a Lava Jato passou a ter, inclusive estabelecendo relações secretas com governos estrangeiros e passando a investigar ministros do STF, sem autorização. Ao descobrir que passou a ser alvo da força tarefa de Curitiba, Gilmar Mendes resolveu implodir de vez com a reputação do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro e com já bem desgastada operação.
TRF4 TAMBÉM ESTÁ SOB SUSPEIÇÃO?
A sessão que condenou o ex-juiz Sergio Moro por imparcialidade não mexeu apenas com a credibilidade da mídia. A vergonha pública dos jornalistas que agiram como assessores de imprensa da Lava Jato, como mencionou Gilmar Mendes, só não foi maior do que a atuação vexatória do TRF4.
Se por um lado o julgamento da suspeição de Moro no STF entra para história como a tentativa de resgate da imagem da Suprema Corte perante a sociedade, o mesmo não acontece com o TRF4. As evidências de que o órgão foi conivente com o ex-juiz Sérgio Moro mancham a atuação do Tribunal, que acelerou de maneira inédita o processo contra Lula. O relator levou apenas 36 dias para emitir um parecer sobre um processo que tem 250 mil páginas, enquanto o juiz revisor fez a correção do material em apenas seis dias. Não fosse humanamente impossível realizar tal tarefa, o fato seria motivo de elogios ao órgão, tamanha celeridade e dedicação.
Um levantamento feito pela Folha sobre a atuação do TRF4 revelou que apenas dois processos por corrupção foram decididos em menos de 150 dias e que nenhum outro recurso no âmbito da Operação Lava Jato caminhou com tamanha velocidade. Não bastassem as informações sobre o trabalho recorde de um órgão que é reconhecidamente moroso, é preciso mencionar o fato de que as pesquisas eleitorais na época indicavam vitória de Lula com boa vantagem sobre o segundo colocado e que venceria seus adversários em qualquer cenário.
Apesar de não fazer parte da turma dos juízes do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz fez questão de elogiar Moro em entrevista ao Estadão, afirmando que a sentença “é tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”. No entanto, mais adiante, o desembargador tropeçou nas palavras ao revelar que não leu a prova dos autos. Ou seja, acabou virando motivo de chacota por ter confirmado que gostou muito do que não leu.
Lenio Streck, jurista com importante produção acadêmica na área, afirma que a declaração de Thompson sobre o caso fere o Código de Ética da Magistratura: “qualquer pessoa pode dizer que a sentença é perfeita, tecnicamente irrepreensível (ou que é imperfeita e tecnicamente repreensível). Menos o presidente do tribunal que vai julgar o feito, que, aliás, embora não vá julgar a apelação, se houver um incidente de inconstitucionalidade, poderá ter de julgar uma questão prejudicial, no âmbito do Órgão Especial. E outros juízes também não podem falar acerca da sentença. Não sou eu quem diz. É o Código de Ética.”
SUBMISSÃO DO STF AOS MILITARES
Apesar do esforço do STF para “maquiar” a participação direta que teve, junto aos militares e na sua conivência com a Operação Lava Jato. É impossível não mencionar a situação caricata envolvendo a Suprema Corte e oi Exército, em abril de 2018, dias antes do julgamento do habeas corpus de Lula.
O comandante do Exército Brasileiro, general Eduardo Villas Bôas, fez uma declaração no twitter, pressionando o STF para que não aceitasse o habeas corpus. No texto, o general afirmava que “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade”. O STF aceitou calado, demonstrando total subordinação à sutil ameaça enviado do alto comando do Exército.
No dia 12 de fevereiro deste ano, o ex-comandante do Exército, General Eduardo Villas Boas admitiu, em entrevista ao Centro de Documentação Histórica da FGV de que se tratava de um “alerta” e não uma “ameaça” por parte do Alto Comando. A razão, segundo ele, era o temor por uma possível “convulsão social diante do aumento das demandas por uma intervenção militar”. Depois, admitiu que se tratava também de uma iniciativa para que os militares pudessem intervir na política do país. Lula havia sido preso pelo juiz Sérgio Moro, que comandava o TRF4 onde ele foi condenado e preso pelo caso do triplex no Guarujá. Tratou-se de uma medida da Lava-Jato para obrigar ao PT escolher um outro candidato para a disputa de 2018, tomando todo tipo de medidas arbitrárias, reveladas nos anos seguintes pela revista Intercept no escândalo da Vaza Jato.
Aos poucos, as peças vão se adequando ao quebra-cabeça. Os tweets publicados pelo general no dia anterior ao julgamento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula, no STF, no ano eleitoral de 2018, revelados somente no início de 2021, foram em acordo com o Alto Comando do Exército.
MAGISTRADOS E AS BRAVATAS
“A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição”, disse Fachin, em nota divulgada por seu gabinete, fazendo referência a reportagem da Folha. A partir da cronologia dos fatos que aos poucos são revelados por áudios vazados ou pelas entrevistas de generais que integram o governo do atual presidente Jair Bolsonaro, é possível supor que as grandes decisões sobre os rumos do país são estrategicamente formuladas pelas Forças Armadas. No entanto, é preciso trazer à tona a participação obscura de agências internacionais que além de orientar os passos da força tarefa de Curitiba, deram suporte à Operação Lava Jato.
O RECADO DAS FORÇAS ARMADAS
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, marcou para 14 de abril o julgamento da decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações contra o ex-presidente Lula (PT) e devolveu os direitos políticos do petista. Os ministros irão analisar o recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o despacho de Fachin que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato, para julgar o ex-presidente. O magistrado determinou a transferência dos casos para a Justiça Federal de Brasília e mandou o caso ser retomado à fase da análise da denúncia pelo novo juiz de primeira instância responsável pelo caso.
A inquietação protagonizada pelas forças armadas está relacionada ao descontentamento do presidente Bolsonaro com as decisões do STF, que anulou as condenações de Lula, possibilitando que o ex-presidente seja candidato nas eleições do ano que vem. As recentes pesquisas de opinião demonstram que Lula venceria Bolsonaro ou qualquer outro candidato no segundo turno.
O GOLPE ESTÁ NO FIM?
Não há dúvidas que o julgamento marcado para o próximo dia 14 de abril será decisivo para o futuro do Brasil. Resta saber se os militares são favoráveis à retomada da democracia no país. Como os golpes contemporâneos adotaram métodos diferentes aos aplicados em 1964, o que se espera desta vez é que o Brasil não tenha de esperar mais de 20 anos para reencontrar o estado democrático de direito.
PARTE 1
GOLPE CONTRA DILMA, PRISÃO DE LULA E SUSPEIÇÃO DE MORO REVELAM QUE BRASIL FOI VÍTIMA DE UMA CONSPIRAÇÃO