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Foto do escritorAlexandre Costa

Cuba propõe novas leis sobre migração, estrangeiros e cidadania

Novas leis serão debatidas, após quatro anos de análise, consulta e redação, na próxima sessão da Assembleia Nacional do Poder Popular – o parlamento local – que começará em 17 de julho.

POR DARIEL PRADAS - HAVANA

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service. Juan David García, 29 anos, emigrou de Cuba para Israel há uma década, em abril de 2014. Visita o país natal cerca de uma vez por ano, pois ainda tem a avó, um casal de amigos e uma casa em seu nome. Se ultrapassar mais de 24 meses sem voltar à ilha das Caraíbas, ele pode perder seus direitos de residência e de propriedade. Não fosse isso, os seus retornos talvez seriam mais prolongados. Porém, com os três novos projetos de lei propostos pelo governo cubano, essa exigência e a preocupação com os prazos podem desaparecer.


As novas leis sobre Migração, Estrangeiros e Cidadania serão debatidas, após quatro anos de análise, consulta e redação, na próxima sessão da Assembleia Nacional do Poder Popular – o parlamento local – que começará em 17 de julho.

Com 14 títulos, 21 capítulos, 18 seções e 176 artigos no total, os três projetos de lei visam alinhar o corpo legislativo do arquipélago com as normas internacionais, num contexto marcado pelos maiores fluxos migratórios estrangeiros das últimas décadas.

Apenas entre outubro de 2022 e maio de 2024, mais de meio milhão de cubanos – entre uma população de 11 milhões de pessoas – chegaram aos Estados Unidos, de acordo com dados oficiais daquele país. “Estou deixando aqui a minha família, os meus filhos. Desvincular-me de Cuba não é uma opção. Se eu tivesse um nível de vida confortável, sem tantos obstáculos, problemas, necessidades, não estaria interessado em partir para começar a vida do zero, aos 37 anos, em outro país”, Yoel López.

O texto da nova Lei de Migração estabelece categorias como a residência migratória efetiva ou a residência transitória para os cubanos no país e para os cubanos residentes no estrangeiro, os emigrantes e os investidores que vivem fora do território nacional.

A residência migratória efetiva é uma condição alcançada pelos cidadãos cubanos e estrangeiros residentes quando permanecem a maioria do ano no território nacional ou quando combinam um período de permanência e outras provas materiais capazes de comprovar seu enraizamento em Cuba.

O tempo acumulado será definido na regulamentação da lei, ainda em estudo; mas não será um período contínuo.

“Isso facilita a entrada e saída conforme a dinâmica da vida”, relatou o primeiro coronel Mario Méndez Mayedo, chefe da Direção de Identificação, Imigração e Assuntos de Estrangeiros do Ministério do Interior, durante uma conferência de imprensa.

No entanto, a polêmica sobre o assunto tem se instalado nas redes sociais e no painel de comentários dos meios de comunicação.

Como no site Cubadebate, onde um usuário chamado Rafael sintetizou a sua insatisfação: “Cubano, onde quer que esteja, sem renegar a sua condição, não deveria enfrentar tantos trabalhos”.

Amostra de passaportes emitidos pela República de Cuba. O novo projeto de lei estipula que os cubanos podem ter mais do que uma nacionalidade, mas apenas a cubana será válida em território nacional. Imagem: Jorge Luis Baños/IPS.

Quais são os benefícios da lei? Entre os aspectos relevantes do projeto de Lei de Migração está o desaparecimento da limitação de retornar uma vez a cada 24 meses ao país para não perder os direitos sociais e patrimoniais, uma cláusula controversa que vem sendo aplicada desde 2013, a partir do Decreto-Lei n.º 302 de 2012, inativo desde 2020 em resultado da pandemia de Covid.

Todas as pessoas que mantiveram a sua residência no país desde 2013, mesmo vivendo no estrangeiro, serão favorecidas pela lei, situação em que se encontra 1,3 milhão de pessoas, segundo Méndez Mayedo.

“Em termos práticos, isso significa que nenhum proprietário de casa ou veículo perde sua propriedade”, explicou.

Ao mesmo tempo, é interrompido o aumento do estatuto de “emigrante” para os que perderam a sua residência após mais de dois anos fora de Cuba e que não se submeteram posteriormente a um processo de repatriamento.

Com o projeto de Lei de Migração, o governo cubano oferecerá facilidades para se passar à categoria de “residente no estrangeiro” e assim recuperar as garantias legais.

Além disso, o projeto de lei sobre a cidadania permitirá aos cubanos residentes no estrangeiro reclamar a cidadania até a geração de seus netos. O projeto de lei abre também a possibilidade de ter várias cidadanias, desde que a cidadania cubana seja utilizada no território nacional, como já acontece em muitos outros países.

“Obviamente, eu me beneficiaria”, afirmou García, que, para além da nacionalidade cubana, tem nacionalidade israelense e lituana.

Embora não tenha planos de voltar a viver em seu país natal, ele não exclui a possibilidade de seus filhos ou netos considerarem essa opção.

“A minha avó fugiu da Lituânia (durante a Segunda Guerra Mundial, devido à perseguição nazista aos judeus étnicos) e, 70 anos depois, eu estava tirando esta nacionalidade, apesar dela nunca ter desejado voltar”, contou à IPS.

“Talvez meus descendentes queiram, não sei se viver, mas pelo menos ter uma relação, um orgulho, um passaporte ou qualquer outra relação com Cuba”, refletiu.

A cidadã russa de 71 anos, que preferiu manter o seu nome no anonimato e que é residente permanente em Cuba desde 1978, considera que o pacote de propostas de lei é uma “decisão sensata”.

“A lei atual é uma discriminação contra seus próprios cidadãos. Os habitantes de muitas nações podem viver em outros países sem terem de regressar. A única coisa que tenho de fazer com a Rússia é ir ao consulado renovar o meu passaporte”, disse.

No entanto, ela não gostou do fato de, para os estrangeiros, o limite de um ano de permanência fora do país ter sido mantido no projeto de regulamento, como condição para eles não perderem o seu estatuto de migrantes.

Imagem: Jorge Luis Baños/IPS.

Dois jovens apertam as mãos no exterior do Terminal 2 do Aeroporto Internacional José Martí, em Havana, após a chegada de um voo proveniente da cidade americana de Miami. A circularidade da migração pode ser entendida como a alternativa para defender os laços de Cuba com os seus nacionais, independentemente do local onde vivam.

Circularidade da migração Desde o triunfo da revolução cubana em 1959, as leis migratórias marcaram a vida dos cidadãos. Com os grandes êxodos dos anos 60, muitos migrantes perderam a propriedade das suas casas e de outros bens.

Essas regras foram flexibilizadas e, em 2013, foram introduzidas alterações importantes na legislação migratória: foi eliminada a autorização de saída para o estrangeiro e foram permitidos passaportes pessoais que tinham de ser renovados a cada dois anos, entre outras medidas.

Desapareceu a figura do emigrante sem regresso definitivo ao país.

A nova proposta de Lei de Migração exige um “documento mais completo, conforme a realidade demográfica e migratória do país”, afirmou Méndez Mayedo.

A Lei de Estrangeiros, que abrange tudo o que está relacionado com os não nacionais, precisa de ser renovada e “ajustada” ao aumento do número de turistas e visitantes, acrescentou.

Tanto esta lei como a Lei de Migração substituirão outras de 1976, que foram posteriormente reformadas e tornadas mais flexíveis, enquanto pela primeira vez haverá uma Lei de Cidadania em Cuba. Espera-se que os três projetos de lei sejam aprovados por unanimidade pelos deputados.

De acordo com Méndez Mayedo, os três projetos de lei foram elaborados para se enquadrarem na Constituição de 2019, como resposta à saída de cubanos nos últimos anos e para se obter dados precisos sobre a emigração, a fim de estabelecer políticas públicas de saúde, educação e segurança social.

Por outro lado, os três projetos são assimilados com o princípio da circularidade migratória como uma variante para o desenvolvimento do país. Um conceito que, de acordo com um artigo publicado pela Universidade de Havana, pode ser entendido como “a alternativa para defender os laços de Cuba com os seus nacionais, independentemente do local onde residam”.

“Cuba toma consciência das oportunidades e vantagens oferecidas pela circularidade da migração e promove políticas destinadas a garantir a sua inclusão nas estratégias de desenvolvimento econômico e social, o que resultará em maiores benefícios tanto para o país como para os migrantes cubanos”, sublinha o artigo.

Afinal, muitos migrantes partiram e continuam a partir nos últimos anos devido às crises recorrentes que complicam a situação do país. É o caso de Yoel López, que está pedindo a nacionalidade espanhola através da Lei da Memória Democrática do país europeu.

“Estou deixando aqui a minha família, os meus filhos. Desassociar-me de Cuba não é uma opção. Se eu tivesse um nível de vida confortável, sem tantos obstáculos, problemas, necessidades, não estaria interessado em partir para fazer uma vida do zero, aos 37 anos, em outro país”, disse à IPS.

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