Diversos crimes virtuais realizados de forma anônima marcaram o início da campanha eleitoral de 2020, em Porto Alegre, no último final de semana, dias 14, 15 e 16 de agosto. A suspeita é de que as ações criminosas que marcaram o início do período eleitoral na capital dos gaúchos tenham pego carona na onda de ataques de ódio que vem ocorrendo nos últimos meses em todo o país, via internet. Os autores seriam integrantes de grupos ligados a organizações de extrema direita e que propagam ódio, misoginia, racismo e homofobia, com ataques a lideranças de partidos políticos, ongs, entidades e movimentos sociais.
Na madrugada da última sexta-feira, a ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, teve sua conta oficial no Instagram invadida e retirada do ar. A Somos é uma das organizações LGBTI+ mais conhecidas de Porto Alegre, com cerca de 20 anos de atuação. Outro ataque ocorreu durante um debate virtual promovido por uma ong LGBTI, no sábado (15/8), exatamente no momento em que a deputada federal Fernanda Melchionna, líder do PSOL na Câmara e pré-candidata a prefeita da capital gaúcha iria iniciar sua participação no debate. A live foi invadida e além de ofensas e ataques homofóbicos, também foram anexados vídeos pornográficos à tela do evento, o que culminou com o encerramento da atividade.
No início da tarde, também no sábado, a live "Estratégias de Ação sobre o ensino remoto e as desigualdades socioespaciais", promovida pela Associação de Geógrafos Brasileiros, seção Porto Alegre, foi invadida da mesma forma. O ataque foi dirigido à presidenta da Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), Aline Kerber, convidada para expor detalhes da pesquisa “Pais e professores – Educação na Pandemia de COVID-19". A avalanche de xingamentos direcionados à Aline é uma evidente represália às posições da AMPD, que é contrária ao retorno às aulas. A entidade conquistou grande visibilidade em função da atuação no combate a projetos inconstitucionais, como o polêmico "Escola sem Partido".
Além dos ataques registrados às lives, uma outra ação criminosa gerou uma espécie de alvoroço nas redes sociais, a partir de um vídeo com denúncias ao prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, às duas agências de publicidade que prestam serviços à prefeitura, ao Grupo RBS e jornalistas da empresa. Apesar das especulações sobre a autoria do vídeo apócrifo, ninguém sabe quem fez e nem de onde veio.
VÍDEO APÓCRIFO
Além de elencar irregularidades sobre o processo de licitação para escolha das agências de publicidade que prestam serviços para a prefeitura, o material aponta uma significativa disparidade entre o que foi aplicado em publicidade nos três primeiros anos do mandato de Marchezan e o que foi gasto nos primeiros 20 dias após a contratação das referidas agências de publicidade. Em nota, os envolvidos (prefeito, RBS e as duas agências) negam e repudiam o conteúdo do material. Além de revelarem que pretendem processar os autores do material apócrifo, informaram que o caso foi encaminhado à delegacia de crimes cibernéticos.
DENÚNCIAS
O título do vídeo apócrifo é "Saiba porque a RBS defende tanto Marchezan". A peça, que mistura linguagem jornalística e publicitária, menciona que entre 2017 e 2019, a prefeitura teria tentado contratar as duas agências, por diversas vezes. Em seguida, acusa a comissão de avaliação técnica encarregada de examinar a licitação de ter cancelado três licitações. Somente na quarta licitação, as agências citadas no vídeo conseguiram "abocanhar" o contrato de R$ 35 milhões junto à prefeitura de Porto Alegre.
MARCHEZAN, AGÊNCIAS E RBS O material apócrifo alega que em 1.095 dias da gestão de Marchezan, o grupo RBS recebeu mais de R$ 8 milhões dos cofres da prefeitura da capital gaúcha, sendo que R$ 6,6 milhões saíram do orçamento da saúde e que seriam verbas do SUS. Também cita que em 20 dias, após as duas empresas terem assinado o contrato com o município, foram veiculados R$ 20 milhões em propaganda, sendo R$ 10,4 milhões destinados à RBS. O material relata que a ordem dada aos comunicadores do grupo afiliado da Globo é elogiar Marchezan e desqualificar as acusações contra o prefeito.
Ao que tudo indica, a disputa à prefeitura da capital gaúcha se dará no mesmo nível do pleito realizado em 2016. Há quatro anos, a eleição em Porto Alegre foi marcada por ataques, ofensas e até mesmo tiros. As redes sociais serão fundamentais no processo eleitoral de 2020, em função da pandemia de coronavírus e das regras de distanciamento. Impedidos de realizar comícios, de promover reuniões e quaisquer atividades que gerem aglomerações, a tendência dos candidatos será transferir para os ambientes virtuais o corpo a corpo das ruas, a entrega dos "santinhos" e a oportunidade de conquistar os votos dos 1.086.726 eleitores da cidade.
Os crimes virtuais ocorridos do fim de semana devem servir de alerta às autoridades, aos partidos políticos e aos seus candidatos. Mas, principalmente, aos 147.918.483 eleitores do país, que assumem um papel de protagonismo em relação ao processo democrático que vai mobilizar os 5.569 municípios do Brasil até o dia 15 de novembro, data das eleições.