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Foto do escritorAlexandre Costa

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA NO DIA “D” E NA HORA “H”

(*) por Nora Prado

No início do ano de 1984, durante o verão, eu tive o privilégio de entrar para o Grupo TEAR de Maria Helena Lopes e participar, ativamente, no processo colaborativo do espetáculo CRÔNICA DE UMA CIDADE PEQUENA, a partir da obra de Gabriel Garcia Marques, Crônica de Uma Morte Anunciada.


Foram, ao todo, nove meses de intensa pesquisa que resultaram em 4 horas de espetáculo, a partir do material bruto, diligentemente cortado, editado e finalizado pela genialidade de Lena, que nos conduzia pelos caminhos da improvisação. O espetáculo estreou com grande sucesso de público e crítica nos palcos porto alegrenses e, na sequência, apresentamos em São Paulo e Rio de Janeiro sendo recebido com igual entusiasmo e receptividade. Maria Helen Lopes ganhou o Prêmio Governo do Estado de São Paulo daquele ano, além das críticas fabulosas, entre elas, uma da Maria Ângela Alves de Lima com o sugestivo título” O Bom Tecido do Tear” no qual enaltecia a qualidade e apuro técnico e estético da direção e do elenco.


Os louros desse espetáculo, tão simples quanto sofisticado, segue no imaginário de todos que tiveram a oportunidade de assisti-lo, não raro, voltando ao teatro para rever mais de uma vez. Antunes Filho, o aclamado diretor paulista, que nos convidou para estrearmos no Teatro Anchieta no SESC Consolação, foi um dos maiores entusiastas do TEAR e Lena, e um dos incentivadores que seguiu, mais tarde, colocando o seu teatro a nossa disposição para as montagens futuras. Ele a conhecia e ao grupo desde a antológica montagem de Os Reis Vagabundos que Lena apresentou em São Paulo com enorme sucesso alguns anos antes.


O tempo passou e saí do TEAR em 1993 quando me mudei “de mala e cuia” para São Paulo. Integrei a Cia. De Ópera Seca de Gerald Thomas, o XPTO de Osvaldo Gabrieli e, por fim, fundei a própria Cia. Megamini com o parceiro e diretor Gabriel Guimard.


Entretanto o título do romance Crônica de uma Morte Anunciada permaneceu na minha imaginação, primeiro como deleite de leitura, segundo, como experiência inesquecível de um rico processo de trabalho e, terceiro, pelo conceito sócio político que passou a vigorar no noticiário jornalístico de então. No caso da necropolítica Bolsonarista implementada desde a posse do seu tenente incompetente, até agora, esse conceito emprestado de Garcia Marques passou a aparecer com frequência, dado os mal feitos em série perpetrados, como castigo, por esse governo disposto a aniquilar com o povo brasileiro e o Estado de Direito Democrático, no qual ainda restam pálidas mostras do que já foi um dia.


Não, por acaso, utilizo a mesma frase enigmática, mais uma vez, para denunciar o processo criminoso do projeto genocida implementado no Brasil, durante a pandemia de Covid 19, com crueldade pelos seus ministros tão incompetentes e sádicos quanto o chefe. O pico deste sinistro iceberg atingiu a marca de mais de 200 mil mortos, confirmando o descontrole sistemático do governo federal para lidar com a doença que já infectou mais de 3,5 milhões de brasileiros. Essa “tragédia anunciada”, estabeleceu novos recordes de óbitos nos últimos dias nas alas hospitalares de Manaus onde centenas de pacientes com covid e outros internos, faleceram por falta de oxigênio. O drama vivenciado pelos profissionais da saúde, através de uma onda de denúncias desesperadas, causou comoção em todos os brasileiros com exceção do presidente que, se quer, se pronunciou ou visitou pacientes nestes hospitais dando condolências aos familiares ou se desculpando pela tragédia.


A falta de infraestrutura e insumos para atender um contingente imenso após as festas de Ano Novo era um quadro esperado nas UTIS de todo o país, uma vez que os profissionais da área, especialmente os infectologistas, praticamente imploraram pelo distanciamento social e o uso de máscaras, além de alertarem a população para evitarem as aglomerações de fim de ano. Apelo que deveria ser corroborado pelo presidente, a exemplo de tantos chefes de estado mundo afora, mas que jamais foi endossado pelo planalto, muito menos pelo tenente irresponsável, que fez questão de promover aglomerações, desde o início da pandemia, circulando sempre sem máscaras, cumprimentando e abraçando apoiadores e fabricando um encontro dentro do mar nas primeiras semanas de janeiro para gerar ibope e afastar o seu baixo índice de popularidade. Evento calculadamente preparado com um grupo de homens devidamente ensaiados que se jogaram ao mar para abraçar o “mito” e gerar notícia.


Mas para coroar suas bizarras declarações ele, ainda, teve a audácia de dizer que não tomaria a vacina, e como uma criança mimada, ignorante e impertinente seguiu venerando a cloroquina, medicação amplamente contestada e desaconselhada por especialistas no mundo inteiro. Sua insistência enfática negando a vacina gerou protestos por parte de seus seguidores mais fanáticos que em aglomeração no vão coberto do MASP, em São Paulo, fizeram um patético desagravo público contra à vacina. Não bastasse tudo isso, o parasita e sua equipe não fizeram um plano de imunização nem compraram a vacina, destoando de todos os seus vizinhos da América Latina e do planeta. Atrapalharam os profissionais da Fiocruz e do Instituto Butantã, responsáveis pela fabricação e distribuição das vacinas para o território nacional, gerando uma série de declarações desencontradas e desgastando a credibilidade destas renomadas instituições. Sem falar que já tinham demitido centenas de profissionais respeitáveis, meses antes, desestabilizando esses centros de referências. Resumindo, impedindo que os cientistas, pesquisadores e profissionais competentes contribuíssem com a sua experiência para acelerar o processo e a logística de vacinação em massa no país.


A pérola máxima deste filme de horror, vivido por todos nós, aconteceu numa coletiva de imprensa quando o ministro da saúde, Eduardo Pazuello, outro incompetente militar obscurantista, que tomou o lugar de Luiz Henrique Mandetta, o único ministro que se mostro eficiente no governo, respondeu em tom de deboche que “a vacinação no Brasil aconteceria no dia D e na hora H”. Eximindo-se da responsabilidade de esclarecer os planos logísticos para uma verdadeira operação de guerra, tão necessária para o enfrentamento e interrupção do contágio da doença. Sua resposta truculenta, deixou os jornalistas perplexos e revoltou a população, agoniada, que sofre e morre diariamente por conta do desmonte da saúde e a falta de uma política de prevenção à Covid 19 articulada entre o governo federal e todos os estados e municípios. Além de passar vergonha diante da imprensa local e internacional, sua resposta foi um soco na cara dos brasileiros que esperam um comprometimento por parte de quem deveria zelar pela saúde pública geral, que aguardam ansiosamente pela vacina, que já começou em diversos países ao redor do mundo.


Na contramão do bom senso e da saúde, assistimos entre atônitos e indignados, o descontrole da pandemia que segue firme e em ritmo alucinante. Os protagonistas dessa tragédia anunciada, que deveriam zelar pela integridade física e emocional de seu povo, seguem dando mostras diárias e explícitas que essa suposta incompetência é na verdade o próprio plano de governo.


Diante de tamanha omissão só posso dizer que estes cínicos de pijamas não perdem por esperar e que eles próprios, em breve, sentirão o sabor amargo da derrota, ao serem despejados sem dó na lata de lixo da história. Aliás, tanto empenho em atrasar o processo de vacinação em massa só se justifica pelo medo que esta camarilha, inescrupulosa, sente do que o povo unido e em marcha, será capaz de depor esses criminosos do poder.


Em resposta à piada de mau gosto do ministro espero, sinceramente, que esse momento esteja prestes a chegar, precisamente no dia D e na hora H. Quem viver verá!


Porto Alegre, 15 de janeiro de 2021.


* Nora Prado é atriz, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.

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