Matei um homem nesta noite.
Estendido ao meu lado, inerte,
parece que dorme.
Coroei a sua fronte serena
com os lírios da madrugada
e a delicadeza da extrema-unção.
Não há culpas nem saudades,
só a imaculada beleza
e a poesia secreta
por onde se esvai
conformada
a potência rubra da vida.
Crueldade sem assombro
maçã despida de sumo.
Mar de espuma no deserto
ventania no horizonte e
o silêncio pleno da ruptura.
Alça gasta da vida,
pluma solta do tempo.
Meus olhos bebem seu gozo
na última fatia do esplendor
presente endereçado ao vento.
Ternura salgada ao luar
repousa o corpo amado
entregue a morte.
Escravidão suspensa, sorte
carne trespassada
pelo verbo amar.
Matei um homem nesta noite,
sonho que dorme nesta cama.
* Poema do livro A ESPESSURA DA VIDA, de 2017, editado pela Farol 3 Editores. Pintura de Lucien Freud.