Em meio à avalanche de notícias sobre a tentativa de golpe contra o governo recém empossado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) condenou, na quarta-feira (18/1), delegados aposentados dos Destacamentos de Operação Interna e Centros de Operações e Defesa Interna (DOI-CODI), pela participação na morte e tortura de 25 pessoas. Entre estes crimes, estão a execução do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e a tortura da ativista Amelinha Teles, junto com seus filhos pequenos, em 1972. Passados quase 59 anos após o golpe de 1964 (31 de março), o Brasil se vê, novamente, ameaçado pela banda podre das Forças Armadas.
O processo de redemocratização do país só foi possível porque a Lei da Anistia garantiu impunidade aos agentes de segurança e aos militares, pelos crimes cometidos durante os anos de chumbo. A punição dos delegados assassinos e torturadores é uma vitória extremamente importante do ponto de vista jurídico. Conforme reportagem da Ponte Jornalismo, a condenação ocorreu a partir de uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que levou a Justiça a reconhecer que os três delegados, que atuavam no DOI-CODI, em São Paulo, participaram, direta ou indiretamente, da tortura e do assassinato de ao menos 25 pessoas.
O processo se arrastava desde 2010, quando o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública. Naquela época, o tribunal não aceitou os pedidos, alegando que alguns já teriam prescritos e que a Lei de Anistia, de 1979, afastava a responsabilidade civil e administrativa dos acusados. Porém, em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o TRF-3 processasse os delegados devido ao entendimento de que a Lei de Anistia não incide sobre causas de caráter civil e que “a reparação civil de atos de violação de direitos fundamentais cometidos no período militar não se sujeita à prescrição”.
A Procuradoria havia feito seis solicitações: que os delegados indenizassem o estado de São Paulo e a União pelos valores pagos com indenização às vítimas e familiares de vítimas; o cancelamento das aposentadorias; a perda da função pública e de qualquer cargo público que tivessem no estado de São Paulo; que o governo paulista disponibilizasse a relação de todos os servidores, com nomes e cargos, que atuaram no DOI-Codi; que a União e o governo paulista fizessem “pedido de desculpas formal a toda a população brasileira”, com a citação dos casos específicos da ação civil pública e divulgação em canais oficiais e em pelo menos dois jornais de grande circulação em São Paulo; que os delegados pagassem indenização de danos morais coletivos.
Por não investigar a morte do jornalista e intelectual Vladimir Herzog, assassinado por agentes da ditadura militar em outubro de 1975, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). O único condenado foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que morreu em 2015 e não pagou pelos crimes de tortura cometidos durante o regime militar. Diante do atual cenário político do Brasil, é preciso enaltecer a decisão do TRF-3, que condenou os delegados aposentados Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina a pagarem, cada um, R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos sofridos pela sociedade brasileira em razão das torturas e mortes cometidas por eles durante a ditadura civil-militar. Do total, 15 pessoas foram vítimas de Aparecido Calandra, conhecido como Capitão Ubirajara. Outras seis, foram vítimas de David Araújo, que usava codinome de Capitão Lisboa. Conhecido pelo apelido de JC, em alusão a Jesus Cristo, Dirceu Gravina foi responsabilizado por outras seis mortes. O dinheiro deve ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
No ano passado, o Instituto Vladimir Herzog levantou que, dos 50 acusados em mais de 70 ações judiciais propostas pelo MPF, 31 ainda estão vivos. Entre os algozes com maiores números de ações estão Dirceu Gravina, que aparece em quinto lugar, com seis ações, e Aparecido Calandra em sétimo lugar, com quatro denúncias. A reportagem da Ponte cita que o DOI-CODI era subordinado ao Exército e se dividia em unidades regionais. O órgão era responsável por sequestros e violências contra as pessoas detidas pelo regime militar, atuando fora das leis da própria ditadura. O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi um dos comandantes do órgão.
A busca por Justiça e o aprofundamento das violações e dos crimes cometidos durante a ditadura civil-militar só foram possíveis por meio do trabalho realizado pela Comissão Nacional da Verdade, em 2012.
Ao que tudo indica, a condenação dos delegados assassinos e torturadores devolve ao Brasil a esperança por Justiça, em um momento no qual o país se vê ameaçado por uma tentativa de golpe, arquitetada de forma covarde pela escória das Forças Armadas, dos órgãos de segurança públicas e da legião de seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro. A condenação dos delegados do DOI-CODI é um novo capítulo na investigação, apuração e punição dos envolvidos nas mortes e na tortura de milhares de pessoas, durante a ditadura militar brasileira.
SENTENÇA A juíza federal Diana Brunstein acatou apenas o pedido sobre os danos morais coletivos, afirmando que os três delegados, “investidos de poder estatal” e pela prática de tortura e assassinatos, “causaram indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”. Ela argumenta que a prática de tortura era “institucionalizada”, mesmo com a proibição da antiga Constituição de 1969, e que não só as vítimas, mas a população como um todo “até hoje se ressente das arbitrariedades praticadas por agentes de estado no período ditatorial e, de maneira geral, teme o retorno das violações perpetradas no período”.
A magistrada estipulou o valor de R$ 1 milhão para cada acusado pelo “relevante interesse social lesado” e pelas condições financeiras deles. De acordo com o Portal da Transparência do estado de São Paulo, Aparecido Calandra e David Araújo receberam, respectivamente, R$ 19.753,68 e 19.787,61 em valores líquidos em dezembro de 2022. Já Dirceu Gravina, R$ 27.846,80.
PEDIDOS DO MPF
A Procuradoria havia feito seis solicitações: que os delegados indenizassem o estado de São Paulo e a União pelos valores pagos com indenização às vítimas e familiares de vítimas; o cancelamento das aposentadorias; a perda da função pública e de qualquer cargo público que tivessem no estado de São Paulo; que o governo paulista disponibilizasse a relação de todos os servidores, com nomes e cargos, que atuaram no DOI-Codi; que a União e o governo paulista fizessem “pedido de desculpas formal a toda a população brasileira”, com a citação dos casos específicos da ação civil pública e divulgação em canais oficiais e em pelo menos dois jornais de grande circulação em São Paulo; que os delegados pagassem indenização de danos morais coletivos.
Sobre os demais pedidos do MPF, Brunstein argumentou que as indenizações pagas pelo governo de São Paulo e pela União prescreveram e que os delegados não poderiam ter as aposentadorias canceladas nem perderem as funções públicas porque caberia a abertura de um procedimento administrativo, o que não estaria na alçada do Judiciário. A juíza também escreveu que, “mesmo que a instância administrativa pudesse ser suprimida em tais casos, as leis estatutárias preveem prazos prescricionais para a instauração de ações disciplinares, os quais, considerando a data dos ilícitos cometidos, já teriam se esgotado”.
Sobre o pedido público de desculpas, a juíza afirmou que não seria necessário porque, na sua visão, “o Estado brasileiro, há tempos, reconheceu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos no período da ditadura e vem, ao longo dos anos, promovendo diversos atos que visam o resgate e memória da verdade dos fatos ocorridos em tal momento histórico”. E sobre a divulgação de servidores que atuaram no DOI-CODI, a magistrada argumentou que a Lei de Acesso à Informação garante esses dados e que “não houve pretensão resistida na via administrativa” para isso.
A reportagem publicada pela Ponte Jornalismo informa que o MPF vai recorrer da decisão em vista dos outros pedidos negados. COMISSÃO DE ANISTIA Nesta semana, o ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, publicou portaria que reformula a composição da Comissão de Anistia, criada em 2002 para avaliar pedidos de reparação de vítimas da ditadura, mas que havia sido descaracterizada, durante o governo Bolsonaro, com a inclusão de militares entre seus membros. Com a nova reformulação, os militares ficam de fora e no seu lugar entram perseguidos políticos.
Vítimas de tortura e dos assassinatos cometidos pelos delegados do DOI-CODI. Delegado Aparecido Laertes Calandra: Hiroaki Torigoe (tortura e desaparecimento) Carlos Nicolau Danielli (tortura e homicídio) Maria Amélia de Almeida Teles (tortura) César Augusto Teles (tortura) Janaína Teles (tortura) Edson Luís Teles (tortura) Manoel Henrique Ferreira (tortura) Artur Machado Scavone (tortura) Paulo Vannuchi (tortura) Nádia Lúcia Nascimento (tortura) Nilmário Miranda (tortura) Vladimir Herzog (tortura e homicídio) Manoel Fiel Filho (tortura e homicído) Pierino Gargano (tortura) Companheira de Pierino Gargano (tortura) Delegado David dos Santos Araújo: Joaquim Alencar de Seixas (tortura e homicídio) Ivan Akselrud Seixas (tortura) Fanny Seixas (tortura) Ieda Seixas (tortura) Iara Seixas (tortura) Milton Tavares Campos (tortura) Delegado Dirceu Gravina: Lenira Machado (tortura) Aluizio Palhano Pedreira Ferreira (tortura e desaparecimento) Altino Rodrigues Dantas Junior (tortura) Manoel Henrique Ferreira (tortura) Artur Machado Scavone (tortura) Yoshitane Fujimore (tortura e desaparecimento)
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