O pedido de demissão de Milton Ribeiro, 44 anos, do Ministério da Educação, não vai colocar um ponto final no escândalo dos “pastores evangélicos do MEC”. Por envolver fé, pastores, prefeitos e extorsão fartamente documentada e divulgada pela imprensa, o caso tem um enorme potencial de complicar por muitos e muitos anos a vida política do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), incluindo danos à chance da sua reeleição. O caso segue o roteiro do que aconteceu com as vacinas, documentado no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. Em 1,3 mil páginas, o relatório mostra as digitais do governo Bolsonaro na morte de mais de 650 mil brasileiros pelo vírus e em episódios que jamais serão esquecidos, como foi a falta de oxigênio hospitalar que matou por asfixia dezenas de pacientes nos hospitais de Manaus (AM) e no interior do Pará – há matéria na internet.
Antes de começar a nossa conversa, vou fazer uma observação para os colegas, principalmente os jovens que estão nas redações fazendo a cobertura do dia a dia e sem tempo para digerir os fatos. Hoje, depois de quase quatro anos observando e vasculhando os cantos escuros do modo de governar da administração Bolsonaro, nós jornalistas podemos afirmar com um elevado grau de certeza como as coisas funcionam entre as quatro paredes do Palácio do Planalto. Voltando à história. No caso das vacinas, um grupo de empresários, pastores, militares de várias patentes (ativa, reserva e reformados) e médicos se reuniram ao redor do negativismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19 e armaram um esquema para encher os bolsos de dinheiro. Praticaram mais de 75 tipos de crimes, como descreve o relatório da CPI. A ação desse grupo custou vidas, sofrimento para as famílias e causou muita confusão. Graças à ação dos senadores da CPI, da Polícia Federal (PF), da pressão popular e da imprensa, esse grupo foi identificado e isolado. E a vacinação avançou no país. O caso dos pastores do MEC segue um roteiro semelhante. Ao redor de uma proposta sem pé nem cabeça de Bolsonaro referente ao ensino brasileiro, que busca identificar e isolar um núcleo de conspiração da esquerda que age nas universidades e em outros setores do ensino corrompendo intelectualmente os professores e estudantes. Esse roteiro tem um agravante em relação ao da Covid-19.
Qual é o agravante? Envolve religião. Bolsonaro sempre defendeu o modo de vida dos evangélicos como ideal para o povo brasileiro. Faz isso de maneira irresponsável, porque trata do assunto como se todos os evangélicos fossem a mesma coisa. Para espalhar essa sua ideia, ele contou com a ignorância dos jornalistas referente aos assuntos religiosos. Lembram da frase do presidente, que nós repetimos centenas de vezes nas nossas análises e notícias, de que nomearia um “ministro terrivelmente evangélico” para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF)? Em 2021, assumiu como ministro o pastor presbiteriano André Mendonça, 49 anos. Existem no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 42,3 milhões de evangélicos, divididos em centenas de igrejas que seguem orientações diferentes. Quem disse para Bolsonaro que o ministro Mendonça representa esse povo todo? Ninguém. O presidente tirou uma frase da cabeça dele e nós jornalistas saímos por aí a espalhar. O caso dos pastores do MEC. Os pastores da Assembleia de Deus Arilton Moura e Gilmar Santos montaram um esquema para extorquir dinheiro de prefeitos pelo Brasil. Sob os olhos do ministro da Educação, o pastor presbiteriano Ribeiro. Como todos os ministros de Bolsonaro, ele ocupou o cargo porque obedecia ao presidente. Esse rolo veio a público graças à imprensa, no caso o jornal Estadão. O próximo passo na apuração jornalística será separar a religião do sistema de extorsão dos prefeitos montado por Moura e Santos sob os olhos do ex-ministro. Antes de seguir no caso, gostaria de lembrar para os colegas o seguinte. O pastor Silas Malafaia, 63 anos, ganhou generosos espaços nos noticiários pedindo que o caso dos dois pastores fosse apurado com rigor pela PF e pelo Ministério Público Federal (MPF). De maneira muito hábil ele separa o presidente do rolo. Por quê? Simples. Ele faz parte desse circo montado por Bolsonaro.
Voltando a nossa conversa. Esses dois pastores são o fio de uma meada que percorre um caminho por dentro da administração do MEC e vai até o presidente da República. Qual é a culpa do presidente? A maneira como Bolsonaro conduz a administração federal abriu as portas para os vigaristas operarem usando como camuflagem as Forças Armadas, as polícias (PF, Civil e Militar) e os evangélicos. Foi assim no caso das vacinas, do MEC e sabem-se lá o que mais não tem por aí e que nós ainda não sabemos. Nas décadas de 80 e 90, fiz muitas matérias sobre os evangélicos nos quatro cantos do Brasil. Na época, havia uma grande expansão das igrejas evangélicas nas periferias das cidades e nos rincões pelo interior do país. A maioria que conheço são trabalhadores de baixa renda, pequenos agricultores e convivem em harmonia com seus vizinhos de outras igrejas. Essa raiva que Bolsonaro, Malafaia e o pastor Edir Macedo, 77 anos, dono da TV Record, pregam é coisa da cabeça deles. Eles insuflam esses sentimentos em proveito próprio. A realidade é outra. Todos, seja lá qual for a sua crença, precisam de emprego, saúde, escola e paz para tocar a sua vida. O resto é conversa fiada.
(*) Carlos Wagner é jornalista, repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo. Atualmente, Carlos Wagner é responsável pelo site Histórias Mal Contadas.