Ultimamente tenho sentido um cansaço imenso. Durmo quase 10 horas diárias e, ainda assim, me sinto exausta e sem vontade de levantar. Uma espécie de modorra crônica se apossou do meu corpo sem hora para terminar. Sensação de impotência e uma preguiça infinita como se o tempo tivesse ancorado inteiro como uma cobra grande por dentro da minha musculatura, ossos e o meu cérebro. Como se o peso de um ano inteiro precisasse ser exorcizado. Sonho muito e com uma riqueza de detalhes surpreendente. Me sinto mais viva em sonho do que na vida real. Ainda bem que estamos em dezembro, em meio as festas de Natal e Ano Novo, com autorização geral para o ócio abençoado de não fazer nada. Sem que a culpa pela preguiça e a marcha lenta nos atormente o espírito habituado a produção diária num dinamismo automático e ilimitado. Meus prazeres são ler, dormir, sonhar, fazer amor e, assistir algum filme interessante na televisão. Todo o resto são tarefas obrigatórias realizadas sem brilho. O resto me parece enfadonho e opressor. Válvula de escape? É provável que sim. Mas quem não necessita de pausa para recuperar a si mesmo?
Creio que este momento de pausa e desaceleração é essencial para a regeneração da nossa saúde física e mental. Vamos combinar que para nós, brasileiros, esses dois últimos anos foram infernais em todos os sentidos. A começar pelo presidente que tornou o país praticamente inviável tamanha incompetência e perversidade com que desmontou os serviços públicos essenciais para o funcionamento da nossa sociedade. Some-se ao desemprego em massa e inflação galopante os mais de 600 mil mortos pela covid e a péssima gestão da pandemia para termos um quadro de falência absoluta. Sou apenas mais uma das sobreviventes.
Seguir viva e firme, apesar de tudo, não é pouca coisa. Como eu, milhões de brasileiros devem sentir-se nesta condição de náufragos, exauridos e quase sem fôlego, ao conseguirem chegar à beira da praia. O Ano Novo seria como abrir os olhos e enxergar as estrelas brilhando na profundidade da noite. Faríamos uma grande fogueira em celebração à vida e novas perspectivas rumo ao futuro. Através dessa metáfora, desejo a todos que se renove a esperança e o poder de lutarmos pelos nossos sonhos, que não nos falte coragem nem a persistência necessária para realizá-los. Que a existência tenha leveza e o bom humor para azeitar a engrenagem cotidiana, que nossas velas estejam limpas e abertas para enfunarem ao vento que sopra para mares favoráveis e aprazíveis em 2022. Feliz Ano Novo!
Porto Alegre, 29 de dezembro de 2021.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.