No dia em que o Brasil comemora os 33 anos da sua Constituição Federal, o país deveria se envergonhar de retornar ao mapa da fome, que atinge 14,5 milhões de lares no país. O número de famílias na miséria, registrado em abril de 2021, é o maior da série histórica do Ministério da Cidadania, iniciada em agosto de 2012. O acesso à alimentação é um direito garantido pela Constituição. No entanto, a carta magna de 1988, que é a sétima do país e a sexta da República, não tem sido respeitada pelo estado, impedindo, desta forma, a garantia de um direito elementar à vida dos brasileiros.
Após 21 anos de ditadura militar, a nova Constituição deu ao Brasil maior estabilidade democrática, com a proibição da tortura, criminalização do racismo e garantia dos direitos sociais a todos os cidadãos. No governo de José Sarney, os 559 deputados e senadores eleitos em 1986 formaram a Assembleia Constituinte. Durante cerca de 19 meses, os parlamentares elaboraram a Constituição Federal de 1988, apelidada de cidadã. O documento é um dos mais extensos já escritos, com 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos. Apesar de ser uma garantia para todo e qualquer cidadão brasileiro, passadas pouco mais de três décadas da sua promulgação, a Constituição não consegue cumprir o que está expresso no seu artigo 6º.
Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, 13,4 milhões de famílias já viviam na miséria. A classificação para denominar quem está em situação de extrema pobreza quando a renda per capita é de até R$ 89 mensais, de acordo com o Governo Federal. Outras 2,8 milhões de famílias estão vivendo em situação de pobreza, com renda mensal entre R$ 90 e 178 por pessoa. Além do direito à alimentação, o artigo 6º da Constituição Federal também prevê, como garantias a todos os cidadãos, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados.
Neste 5 de outubro, no aniversário de 33 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, aproximadamente 58 milhões de brasileiros correm o risco de deixar de comer por não terem dinheiro. Isso significa que 27,7% da população vive uma situação de insegurança alimentar grave ou moderada, de acordo com um estudo feito pelo grupo Food For Justice.
O cenário do Brasil de Bolsonaro é cada vez mais trágico. Além das cerca de 600 mil mortes por covid-19, em função da falta de iniciativas para barrar o avanço da pandemia no país, nos deparamos com cenas deprimentes. A procura por pés de galinhas nos mercados só é pior que a fila quilométrica para receber ossos em um açougue de Cuiabá, no Mato Grosso — maior Estado produtor e exportador de carne bovina do país. Ou das pessoas garimpando restos em um caminhão de ossos e pelancas, descartadas por supermercados no Rio de janeiro. Dia após dia, as imagens da fome vão se espalhando pelo país.
Quando o presidente Jair Bolsonaro assumiu o governo, 10,3 milhões de brasileiros já conviviam com a fome. No ano passado, este número quase duplicou em relação a 2020, chegando a 19,1 milhões de pessoas nesta situação, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). Ou seja, em dois anos, 9 milhões de pessoas ingressaram no mapa da fome. O presidente Bolsonaro vem demonstrando ao longo do seu governo que não é insensível apenas em relação às mortes porte covid, a fome de milhões de brasileiros também não lhe abala ou comove.