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AMEAÇAS DE BOLSONARO À DEMOCRACIA FORAM DENUNCIADAS DURANTE 39º CONGRESSO NACIONAL DOS JORNALISTAS

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

Na “Carta da Cidade do Rio de Janeiro”, documento final do 39º Congresso Nacional dos Jornalistas, os profissionais repudiaram o projeto neoliberal e de extrema direita e as repetidas ameaças do presidente Jair Bolsonaro à democracia do Brasil e ao trabalho da imprensa no país. Realizado nos dias 17, 18, 24, 25 e 26 de setembro, o evento também colocou em discussão o projeto para financiamento público do jornalismo por meio da taxação das plataformas digitais e trouxe à tona um tema que atinge 3.280 municípios: o chamado “desertos de notícias”. São cidades que não dispõem de qualquer veículo de comunicação local e que juntos somam 33,7 milhões de pessoas, conforme dados que estão na edição do censo anual realizado pelo Atlas da Notícia. Outra questão discutida no encontro, que foi realizado via web, diz respeito às vítimas da Covid 19 no Brasil. De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), desde o início da pandemia até agosto foram registradas 286 mortes de jornalistas no Brasil, o que representa o maior número de vítimas entre profissionais da imprensa em todo o planeta.


O documento ressalta as reiteradas ameaças feitas por Bolsonaro à democracia e ao exercício do jornalismo. No último ano, foram registrados 429 episódios de violência contra jornalistas, dos quais 175 partiram diretamente do presidente. Os profissionais ressaltaram que os jornalistas vivem em alto risco em função de situações adversas para o exercício profissional e, neste momento, agravadas pela possibilidade de exposição e contaminação com o vírus Covid 19. A Carta da Cidade do Rio de Janeiro ressalta “o compromisso de luta permanente em defesa da classe trabalhadora, dos direitos e da democracia, demarcando o jornalismo como ferramenta fundamental contra o obscurantismo, o ódio e os retrocessos econômicos, sociais, políticos, ambientais e culturais que hoje marcam nosso país.”


TAXAÇÃO E FINANCIAMENTO PÚBLICO Como uma das formas de enfrentar essa situação a entidade apresentou a proposta de projeto para financiamento público do jornalismo por meio da taxação das plataformas digitais. De acordo com a iniciativa, um imposto será cobrado de empresas como Google, Amazon, Microsoft, Facebook e Apple para formação de um fundo destinado ao apoio a iniciativas jornalísticas. Essas cinco plataformas faturaram US$ 889 bilhões no ano de 2019, valor que representa 48,8% do PIB brasileiro.


A carta destaca que essas plataformas “constituem verdadeiros monopólios de comunicação de massa, apropriando-se indevidamente do trabalho jornalístico e lucrando bilhões de dólares sem dar uma contrapartida à sociedade.”


A proposta apresentada pela FENAJ é alinhada à da FIJ (Federação Internacional dos Jornalistas), que atua nesse sentido em todo o mundo. Caso aprovado pelo Congresso Nacional, o mecanismo visará a valorização de conteúdos locais e regionais, em iniciativas que proporcionem pluralidade de opiniões e que tenham como princípio o respeito às condições de vida e os direitos trabalhistas das e dos jornalistas.


A defesa do fim dos oligopólios dos grupos de comunicação faz parte do projeto. A carta destaca: “É apenas com o fim dos oligopólios de mídia e da concentração de capital que garantiremos a circulação de informações de maneira democrática e plural, representando de fato a diversidade e multiculturalidade do povo brasileiro.”


APROVAÇÃO DE COTAS

Outro destaque foi a aprovação do estabelecimento de cotas para negros, negras, indígenas, quilombolas e mulheres nas chapas que concorrerem às diretorias da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) no país. Com a decisão, mulheres terão asseguradas 30% das vagas, negros e negras 20% e 10% serão preferenciais para quilombolas e indígenas.


Os jornalistas se posicionaram ainda contra os “constantes e insistentes ataques à legislação trabalhista”, iniciado com a contrarreforma trabalhista de 2017 e que seguiram com as medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo Bolsonaro e referendadas pelo Congresso Nacional. A carta afirma a necessidade de reverter as medidas já tomadas, com anulação da Reforma Trabalhista e de todas as medidas de retiradas de direitos trabalhistas desde 2016.


Outros pontos incluídos no documento foram a luta em defesa da liberdade de imprensa e de expressão, a regulamentação profissional e a exigência de formação de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. Também é destaque é a defesa do sistema público de comunicação, em especial contra a privatização ou extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).


REALIZAÇÃO DE APOIOS

O 39o Congresso Nacional dos Jornalistas aconteceu virtualmente, de maneira inédita, devido à pandemia, nos dias 17, 18, 24, 25 e 26 de setembro de 2021. Foi realizado pela FENAJ e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ). Contou com o apoio da Fundação Friedrich Ebert (FES), Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), Associação dos Funcionários do BNDES, Federação Única dos Petroleiros, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação e TIM.


DESERTO DE NOTÍCIAS

No Brasil, 3.280 municípios formam o chamado “desertos de notícias”. São aqueles que não dispõem de qualquer veículo de comunicação local. Juntos, concentram 33,7 milhões de pessoas. Esses dados fazem parte da edição do censo anual realizado pelo Atlas da Notícia e foram apresentados pelo jornalista Sérgio Lüdtke no 39o Congresso Nacional dos Jornalistas, neste sábado, 25.


Esse quadro limita o acesso à informação, considerado pelo professor Celso Schroeder, da Puc-RS, como um serviço essencial. Segundo ele, o meio para produção de informação de qualidade é o jornalismo, que tem alto custo e, por isso, deve contar com financiamento público. Com esse raciocínio, defendeu a proposta de financiamento da produção jornalística por meio da taxação das grandes plataformas mundiais da Internet apresentada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).


O mapeamento da presença jornalística nos municípios brasileiros, feito pelo Atlas da Notícia, se refere ao ano de 2020. Do total de 5.570 municípios, o censo também identificou que outras 28,9 milhões de pessoas vivem em 1.187 municípios tidos como semidesertos de notícias, ou locais onde há, pelo menos, um veículo de comunicação local. No caso dos “desertos de notícias”, Lüdtke informou que o número significa uma redução de 5,9% em relação a 2019, “muito por conta das iniciativas digitais” que surgiram nos últimos tempos.


Os dados relacionados com os municípios considerados “oásis de notícias” reforçam esse quadro. Nesses 1.103 municípios, houve um aumento de 1.170 veículos online, em comparação a 2019. Com esse crescimento, a mídia digital se aproximou do veículo com maior presença nesses municípios: o rádio, que responde por 33,6% da participação, contra 32,2% do online. Em terceiro lugar está o impresso (24,7%) seguido pela TV (9,5%). De todas essas modalidades, o censo registrou o “desaparecimento” de 200 títulos impressos. Em todos os demais, houve aumento de número de veículos, em relação a 2019, tendo surgido 208 emissoras de rádios e 81 emissoras de TV.


SOBREVIVÊNCIA

Lüdke analisou a queda da publicidade no período da pandemia e disse que há veículos em situação quase desesperadora. Ele não crê na retomada da publicidade aos níveis pré pandemia e pregou a busca por novos modelos de captação de recursos. O jornalista afirmou que os leitores estão ávidos por notícias e que é necessário criar formas de financiamento que envolvam a sociedade, pois a publicidade da inciativa privada já não cumprirá esse papel.


Celso Schroeder, que também é diretor do Departamento de Relações Internacionais da FENAJ e ex-vice-presidente da FIJ, disse que é preciso trabalhar para acabar com a sensação do público de que o serviço jornalístico é gratuito: “É preciso superar a sensação de gratuidade do conteúdo jornalístico, para que a sociedade entenda e apoie a lei que busca a taxação da grandes plataformas e a remuneração do conteúdo jornalístico. O custo alto do bom jornalismo não é entendido pelas pessoas. A crise do momento não é do jornalismo, mas do financiamento do jornalismo”.


Segundo ele, a ausência de regulação do setor de comunicação permitiu a concentração dos veículos em poucos grupos econômicos e gerou os desertos: “As seis famílias donas das grandes mídias, que conduzem o Brasil, criaram os desertos de notícias pelo país.” De acordo com Schroeder, esses grupos sempre impediram a regulação e justificaram seus posicionamentos como sendo uma garantia para a liberdade de expressão. Mas agora, frente à ação das plataformas internacionais na Internet, percebem que deram um tiro no pé. Os recursos publicitários estão fluindo para elas e os deixam em dificuldades financeiras.


Para Schroeder há uma concentração, de maneira inédita, de poder político e econômico. Ele também observou que as plataformas digitais transformaram dados pessoais em mercadoria. Outra característica é a de ser uma tecnologia que funciona sem territorialidade e “se não há território, não há lei”.


UNIFICAÇÃO PLS

No painel, “Remuneração de conteúdo jornalístico nas plataformas”, foi feita a proposta de unificação dos Projetos de Lei 2950/2021 apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT/SP) e 2630/2020, do senador Ângelo Coronel (PSD/BA), para alcançar uma proposta que facilite a aprovação no Congresso. A ideia partiu do senador e foi acatada pelo jornalista Lincoln Macário, que defendeu o projeto feito pelo grupo Jornalismo tem Valor e apresentado pelo deputado. Ambos buscam a remuneração do trabalho jornalístico e asseguram ser complementares à proposta apresentada pela FENAJ.


Neste mesmo painel a presidente da FENAJ, Maria José Braga, enalteceu a importância do debate e lembrou que a proposta lançada pela entidade tem o objetivo de abrir as discussões. “Apresentamos uma proposta inovadora e sabemos da necessidade de os profissionais opinarem. É normal que ao terem o primeiro contato, cada um pare para pensar. Mas o nosso projeto foi construído por especialistas em cada tema. Tributaristas, assessores parlamentares, jornalistas, especialistas em direitos autorais etc. Contamos ainda com a experiência internacional da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) e estamos prontos para o bom debate.”


O senador é autor do PL2630/2020 que prevê o pagamento de direitos autorais aos veículos de imprensa pela publicação de notícias em redes sociais e plataformas. Ele explicou que a iniciativa se deu a partir do seu trabalho como relator da “PL das Fake News”. Já o PL 2950/2021, segundo Macário, “responde” ao Marco Civil da Internet e não à Lei dos Direitos Autorais e pode ser entendido como “complementar” à proposta da Fenaj de taxação das grandes plataformas digitais, “com a vantagem de ser autoaplicável. Isso significa que, em caso de ser aprovado, não precisa de regulamentação”, defendeu.


“Ao não envolver a Lei dos Direitos autorais, o PL não mexe com necessidade de atualização tecnológica e consegue ter uma tramitação mais rápida, porque essa Lei tem vários pontos a serem atualizados, mas sua tramitação está parada”, disse Macário.


TEMPOS DE ÓDIO

No último ano, foram registrados 429 episódios de violência contra jornalistas, dos quais 175 partiram diretamente do presidente da República. Os números foram apresentados pelo jornalista Luis Nassif, do Jornal GGN. Ele participou, na sexta-feira, dia 24, da roda de conversa “Jornalismo em tempos de ódio”, junto com a jornalista Patrícia Campos Mello.


Segundo Nassif, o “ativismo judiciário” está colocando o jornalismo em risco: “Os juízes aplicam as penas de acordo com a cara do réu que está na frente dele”, afirmou. Ele criticou o que chama de “grau de discricionaridade” dos juízes que resulta em multiplicação de penas sem critérios.


Nassif disse ainda que o mais assustador é o silêncio de juízes ante decisões que “desmoralizam” o próprio Judiciário. Otimista, afirmou que as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como as tomadas quanto à Lava Jato, levam a crer que o sistema judiciário será reconstruído. De qualquer forma, vê perseguições que ocorrem contra os juízes considerados “garantistas” dentro do próprio Judiciário.


ROTEIRO PRONTO PARA 22 Patrícia Campos Melo repórter especial, colunista da Folha de São Paulo e autora do livro "Máquina do Ódio", destacou a preocupação com o processo eleitoral do próximo ano. Ela afirmou que o “roteiro de 22” já está pronto e seguirá o texto que resultou em ações como a invasão do Capitólio, nos EUA, para garantir a manutenção de Trump como presidente.


Para ela, “nenhum governo gosta do jornalista. Isso é do jogo. Porém, hoje, a agressividade é muito grande, inclusive com ações online. Ao mesmo tempo, tentam emplacar Medidas Provisórias para atingir o faturamento das publicações. Não bastasse, o atual governo publicamente pressiona empresários para não anunciar em veículos ‘não patrióticos’”, observou.


Sobre matérias que são denúncias, Nassif afirmou que são “instrumentalizadas” pelo veículo, de acordo com seus interesses.


Patrícia, que denunciou o esquema das Fake News da eleição de 2018, disse que, apesar das notícias terem sido minimizadas, no início, algumas providências foram tomadas a partir das publicações. Citou como exemplo as atuais investigações que estão sendo feitas pelo TSE.


“Vamos continuar a fazer denúncias. Esse é o nosso papel. O que vão fazer com as denúncias é fora do meu controle. Acho que, aos poucos, as coisas melhoram, apesar de que não estou otimista em relação ao ano que vem”, afirmou.

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