Pesquisa de opinião realizada entre 8 e 10 de maio pelo PoderData e publicada pelo Poder 360, aponta indícios das fortes motivações para a estratégia da extrema direita no Brasil. Entre tantas informações relevantes – a pesquisa indica que 56% dos entrevistados desaprovam o governo Bolsonaro, sendo que seu governo é mais desaprovado entre os pobres, os adultos e as mulheres – há uma que chama a atenção e indica qual exatamente o campo de batalha principal contra o neofascismo e a extrema direita no Brasil.
Retrata a pesquisa que 48% das pessoas que recebem o Auxílio Brasil, programa do governo federal que substituiu o Bolsa Família, tem a intenção de votar no ex-presidente Lula da Silva no primeiro turno; enquanto apenas 29% dos beneficiários manifestam a intenção de votar em Jair Bolsonaro. Na matéria que divulga a pesquisa, seu editor oferece a explicação de que a alta inflação, que corrói o valor efetivo do auxílio, está na base desta situação, onde apenas a minoria que o recebe intenciona votar no Bolsonaro. A explicação é bastante plausível, contudo, não é a única.
O conjunto dos resultados políticos do governo Bolsonaro são negativos para sua candidatura. O governo é de um modo geral desastroso. Uma importante série produzida pela TV DDF, “O jogo dos sete erros”, vem reunindo especialistas em diferentes áreas. Seus depoimentos são contundentes e incontestáveis: o governo Bolsonaro é marcado pela desconstituição das políticas e serviços públicos de interesse da maioria da população.
Onde se assenta então a força eleitoral e política de Bolsonaro? Penso que devemos procurar esta resposta nos aspectos eminentemente políticos e ideológicos de seus movimentos. Mais do que afirmar e divulgar as políticas de seu governo, entre outros motivos porque são poucas e antipopulares, Bolsonaro tem uma agenda de afirmação de valores reacionários e antidemocráticos. Sua agenda tem sido a defesa do armamento, o desgaste do STF e da Constituição Federal, o anticomunismo, aproximação das lideranças religiosas ultraconservadoras e o ataque aos direitos sociais que teimam em resistir de pé desde Temer.
É nesse quadro que sua associação com o comando das Forças Armadas no questionamento das eleições toma sentido. O perfilhamento com a cúpula militar complementa o perfil de extrema direita de Bolsonaro. Ele é a candidatura de frente única entre o neoliberalismo, o ultraconservadorismo religioso, o autoritarismo militar e o neofascismo. Esta frente única cresceu em apoio popular como uma tentativa de resposta populista, fácil, para a crise econômica e o empobrecimento que o próprio neoliberalismo radicalizado criou.
A extrema direita, liderada inequivocamente por Bolsonaro, ofereceu como resposta à crise a restauração da ordem conservadora, da ordem hierárquica. Onde os pobres, negros, mulheres, jovens, deficientes, “voltam ao seu lugar”. A esquerda e a democracia passaram a ser tratados como os responsáveis pela ‘desordem”, que nada mais é do que a alteração, ainda que lenta e gradual, da ordem conservadora do passado.
As ameaças golpistas encaixam nesta política ideologizada, que se contrapõe inclusive à tradição pragmatista e despolitizadora da direita centrista. Como uma operação de construção e manutenção de legitimidade e credenciamento junto ao pensamento de extrema direita, Bolsonaro reitera constantemente que estaria “disposto a tudo pelos ideais conservadores”.
Mais do que um golpe como evento, algo como o fechamento do Congresso Nacional ou do STF e a suspensão das eleições, Bolsonaro, a cúpula militar e a extrema direita estão a operar uma situação de golpe, de desestabilização política com o objetivo de incidir no resultado das eleições. Uma sucessão continuada de tensões que processualmente vão criando uma situação de desestabilização podendo chegar a anomia política. Cenário que fatalmente se acentuará na situação onde se dê a, hoje pouco provável, vitória de Bolsonaro.
Bolsonaro sabe que o transcorrer estável das eleições levará à vitória de Lula, como indicam todas as pesquisas de opinião e a sua derrota, por consequência. Bolsonaro busca novos fatos que alterem esse cenário, tal e qual a prisão ilegal de Lula e a facada inexplicada nas eleições de 2018.
A desestabilização e a ameaça de ação militar têm esse papel. Simultaneamente organiza sua base conservadora ao tempo que desestabiliza o campo democrático. Subestimar a extrema direita facilita seu trabalho.
(*) Jorge Branco é Sociólogo, Mestre e doutorando em Ciência Política. Diretor Executivo da Democracia e Direitos Fundamentais.