top of page

A Solidão Devora, por Paulo Gaiger*

Foto do escritor: Alexandre CostaAlexandre Costa

O querido Alceu Valença escreveu e canta “A solidão é fera, a solidão devora, é amiga das horas, prima-irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos causando um descompasso no meu coração.” Janis Joplin um dia comentou, possivelmente com o coração descompassado e cheio de tristeza: ‘’No palco faço amor com mais de 25.000 pessoas e depois vou para casa sozinha.” Multidão e ausência. É foda para ela e inimaginável para nós que estamos entre as 25 mil pessoas. Como um sentimento acre e frio de uma atriz ao apresentar seu monólogo para um teatro vazio. Pé direito altíssimo, boca de cena escancarada, duas mil poltronas fantasmas guardando pó e indiferença, vastidão, um spot azul desluzido mal foca a fronte da atriz, sobra noite. A voz da atriz rebate nas paredes até sumir-se de exaustão. A atriz cai de joelhos, desfigurada e desfocada. Escuridão, gelo e só. A atriz é seu avesso. A solidão é fera e devora vagarosamente! Mas a atriz também poderia atravessar como Janis Joplin e encenar o monólogo para uma multidão e, depois dos aplausos e da doce ilusão, beber seu cálice de vinho sozinha e ir para o quarto, apagar a luz e se deitar também sozinha. E não ter com quem dividir nem sonos conturbados nem pesadelos suicidas em noites intermináveis. Amy Winehouse morreu menos do álcool e mais da solidão que a cercava. Abutres e imenso deserto. Diz a canção do Gilberto Gil: “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar. Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho, que o vinho busca ocupar o lugar da dor”. No caso da Amy, ninguém ao seu lado com empatia para sentir a dor que profundamente sentia. Solidão nas vísceras que a impulsionavam a cantar tão bem e tanto e tanto mais. Se Amy tivesse conhecido o poema Solidão, de Jeovânia P., imagino que o musicaria e o teria cantado como cantava a sua vida mesma: “A solidão rói meus pés, minhas carnes, meus olhos. Em vida sou comida. Ela me chega como se fosse os vermes, que devoram nossos corpos na areia. Ela faz isso de forma invisível. Quem olha pra mim vê esses olhos pretos a olhar e não percebem que a solidão está ali roendo cada pedacinho desse globo ocular e de todo o resto de mim”. Os relógios caminham lentos em devaneios e solilóquios da mente, na falta de um corpo que aqueça, de um abraço que abraça, de ouvidos que escutam, de olhos que veem, de compreensões que não julgam e, por isso, compreendem. Atrás do horizonte não existe lugar algum, talvez porque sequer horizonte exista. E, sim, um presente sombrio, dilatado e sem fim, preso ao atraso das horas, à estagnação das águas salobras e à umidade, aturdido pelos zumbidos contínuos e descompassados do coração. Sem escuta. Sem sincero amor. A solidão é fera.



bottom of page