Em que pese as políticas do governo federal que buscam destruir a educação, a saúde, as ciências e as artes, diferentes artistas e grupos de teatro, dança e de tantas outras formas ainda livres de expressão, não se encolhem, não se resignam à patifaria dos patifes do Planalto e do grande patife da Secretaria da Cultura. Há poucos dias, encerrou a 1ª Mostra UMBÚ das Artes, organizada por um coletivo de artistas do teatro (Adriane Mottola, Guega Peixoto, Lauro Fagundes, Letícia Vieira, Liane Venturella e Sandra Possani). Tudo aconteceu na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre. Para quem anda atento e vivo pelas ruas virtuais e reais das cidades, sabe que na pandemia, os espetáculos cênicos sofreram um cambio de registro, do modo de se construir e de se levar ao público. Nem pior nem melhor do que a versão ao vivo, da ansiedade, da marcação, da presença, do suor e do aplauso. Diferente! Mas bom, muito bom! Quem viu A Vó da menina, com as atrizes Sandra Dani e Laura Hickmann, com direção brilhante da Camila Bauer e belezura de trilha de Álvaro Rosa Costa e Simone Rasslan? Arrepiante, magnífico. Nunca deixe de ver várias vezes. Entre os espetáculos arrebatadores da Mostra UMBÚ, A mãe da mãe da menina é um aprofundamento de A Vó da menina. A narrativa de três mulheres, vó, filha e neta, prende o espectador (ou telespectador?) do começo ao fim. Das coisas que nunca foram ditas, dos sentimentos retidos, dos olhares desviados, do amor inconcluso, dos ressentimentos sem comunicação, das janelas que fecham sem mais, do pedido de desculpas entalado, do perdão postergado, de fugas pra ali ou pra acolá, dos sorrisos ocos. Silêncios que escondem, no fundo e nas margens, o amor imenso, a alegria tanta e a gratidão. Nada como uma conversa, como conjugar o verbo ouvir, ouvir com respeito, carinho e sem julgamento. Somos e é para todos nós. Sandra Dani, como avó, Laura Hickmann, como neta, e Liane Venturella, como filha e mãe, dão uma aula suprema de interpretação. Stanislavski, Bergman e Peter Brook aplaudiriam de pé e com os olhos cheios. Novamente, a direção sensível da Camila Bauer. Trilha do Álvaro e da Simone e mais uma equipe genial por detrás. 2068 é outro espetáculo fenomenal do Máscara enCena, grupo que pesquisa a máscara no teatro como uma forma de revelar e limpar o ator. Um trabalho complexo de uma beleza infinita como a própria pesquisa da descoberta e do uso da máscara em cena. Em um tempo e espaço indefinidos e apocalípticos, de espera sem muito sentido porque não se sabe o que esperar, da inação e impotência, como um retrato niilista de não pessoas e não lugares, 2068 é silêncio e vácuo, um buque à deriva, pouco importa pra onde ruma porque já não ruma ou se repete como em um jogo de espelhos e imagens destorcidas e não. Tempo de nada mais poder vir a ser ou acontecer. Momentos oníricos fugazes, memória fraturada, ruídos e luzes que atravessam e tensionam um não lugar sem porvir. Fim. Talvez sejamos nós amanhã? Alexandre Borin Camila Vergara Fábio Cuelli e Mariana Rosa são as máscaras e manipulam as máscaras com precisão tamanha que o espectador se demora em perceber que no grande grupo de “humanos” em cena, apenas quatro, de fato, respiram. Trilha genial de Caio Amon. Direção forte e sem igual da Liane Venturella. Não deixem de procurar os espetáculos nas redes e assistam. Antes que nos vejamos à deriva na escuridão.
(*) Paulo Gaiger é artista professor do Centro de Artes - UFPel.
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