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A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE..., POR ARTUR BARCELOS*

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Quando um cai, todos caem. Essa é a sensação que temos ao terminar de assistir o vídeo chamado Hiato, postado no canal Tempero Drag do YouTube no dia 17 de setembro de 2025. Nele, de forma incomum para o canal, Guilherme Terreri, criador de Rita Von Hunty, aparece sem estar com a caracterização da persona. E, em 30 minutos e 31 segundos, nos faz retorcer os espíritos. Rita Von Hunty é uma personagem política e militante criada por Terreri há dez anos. E nessa década tornou-se referência para milhões de pessoas. O canal Tempero Drag, onde Rita faz suas análises de temas variados, tem 1 milhão e quatrocentos mil seguidores. O alcance de sua imagem é muito maior, sendo difícil estimar.


Rita passou a ser uma voz importante para alcançar um público diversificado. Em uma combinação rara de profundidade de conteúdo e humor refinado, ela consegue traduzir a complexidade de temas políticos, sociais e culturais em linguagem acessível e didática. Conseguiu “furar as bolhas” da esquerda em muitas ocasiões. E mesmo para setores da esquerda que se consideram esclarecidos, os vídeos de Rita serviram para compreender o essencial em vários aspectos de conceitos políticos tidos como complexos. Ela também conseguiu desnudar alguns dos problemas mais profundos da contemporaneidade de forma simples e rápida. Destaco aquele que, em minha opinião, é seu melhor vídeo. Com apenas cinco minutos, “Consciência de Classe”, publicado em 06 de novembro de 2018, permitiu ver como frações cada vez maiores das camadas populares se projetam no imaginário da burguesia. Jesse de Souza precisou de muitas páginas para explicar o “pobre de direita”. Rita o fez em cinco minutos sentada em frente a uma câmera com a boneca Roxellycsen. Eu tenho uma Roxellycsen para sempre lembrar dessa aula magna de Rita.


Com essa persona, Guilherme passou a atuar de forma intensa em várias frentes. Vídeos, artigos, livros, palestras, entrevistas, aulas, etc. Tornou-se uma figura importante para a esquerda. Sobretudo na disputa com a direita e a extrema-direita no ambiente virtual. E foi justamente no ambiente virtual que Guilherme parece ter encontrado uma verdade arrasadora, que poucos conseguem compreender. A desesperança.


Sim, Hiato é um vídeo que nos esfrega na cara que estamos diante da sentença de morte da esperança. Justo ela, que é a última que deve morrer. Está sentenciada. Não há data para a execução da pena. Mas se trata de um fato consumado. Ou não? Para tentar responder a isso é preciso falar sobre o que Guilherme Terreri não falou. Em seu vídeo ele confessa que teve um colapso. “Quebrou”, como disse Milly Lacombe em seu artigo “A despedida da drag queen que revolucionou a educação popular no Brasil”, publicado no dia 20 de setembro de 2025. Lacombe foi praticamente a única pessoa com visibilidade e influência que comentou a atitude de Guilherme. Que atitude foi essa? Ele anunciou um hiato, um tempo indeterminado, das atividades do canal Tempero Drag. Deixou entredito que Rita Von Hunty irá desaparecer por um tempo. E explicou o motivo. Sua absoluta desolação frente ao desastre humano que está ocorrendo em Gaza. Segundo Guilherme, não há como continuar produzindo conteúdos para explicar e interpretar fenômenos políticos e sociais quando o assassinato de milhares de pessoas é normalizado todos os dias através de uma enxurrada de imagens. Sendo assim, admitiu que não pode seguir com os vídeos de Rita Von Hunty. Mas o que ele não nos disse?


O que esfacelou o ânimo e o espírito de Guilherme foi essa máquina de produzir mentiras, horror e mortes chamada Redes Sociais. Desde o surgimento delas, com destaque para o Facebook em 2008, nos acostumamos com a ideia de que “tudo pode”. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, com um smartphone nas mãos virou “produtor de conteúdo”. O que contém o conteúdo não importa. Não há filtro, checagem, verificação que de conta da quantidade abissal de conteúdos despejados nas redes a cada minuto no mundo todo. Por esse caminho a mentira, o horror e a morte se tornaram banais. Não importa o esforço que se faça.


Arrisco dizer que Guilherme Terreri chegou a um destes becos do labirinto em que estamos presos como ratos de laboratório. É possível que tenha chegado a outros becos como esse antes. Porém, dessa vez, foi vencido pelo cansaço. Ao terminar de ouvi-lo tem-se a sensação de uma tremenda impotência. Nos sentimos, junto com Guilherme, impotentes, prostrados.


Ele nos diz que se sente assim frente ao horror da banalização de genocídios como o de Gaza. Eu acrescento que estamos impotentes frente ao avanço da revolução digital e tudo que ela representa. Estamos contra as cordas. No corner. O vídeo de Guilherme Terreri é um alerta poderoso. Se ele, com anos de experiência no uso da tecnologia digital para fazer o enfrentamento político, sucumbiu, o que podemos fazer nós, os que sequer temos uma ínfima parte de sua visibilidade e alcance? Impõe-se a dúvida. Segue valendo a pena? Ou a cada postagem, cada comentário, cada compartilhamento, cada emoji, o algoritmo leva água diretamente para o moinho dos que querem um mundo “desigual por natureza”? A esperança por um outro mundo ainda está viva. Mas aguarda serena, na cela, seu caminho ao cadafalso. Rita Von Hunty, nós te amamos!!! *Artur Barcelos é Historiador e Arqueólogo  

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