Desde o início da pandemia por covid-19 que o mundo tem andado do avesso. Além da mudança drástica que afetou o nosso cotidiano nos colocando numa quarentena sem precedentes, nos privando do contato presencial, nos afastando de amigos e familiares, seguiram-se milhões de mortes e um luto gigantesco pairando, severo e sem trégua, por todos os países.

Especialmente no Brasil cujo governo, agora sabemos, atrasou o que pôde na compra da vacina enquanto negociava propina por baixo dos panos em negociatas duvidosas com vacinas sem a menor garantia de eficácia. Enquanto isso, despejavam fake news, através das redes pelo escritório do crime, minimizando a periculosidade do vírus e as formas de contágio enquanto enalteciam o tratamento precoce à base de cloroquina e invermictina, sem nenhuma comprovação de eficácia científica. Com essa combinação medonha de oportunismo, negacionismo e omissão o ritmo de contágio e óbitos aumentaram, vertiginosamente, e hoje beiramos os 570 mil mortos. Uma cifra obscena e francamente criminosa.
Provas cada dia mais robustas se avolumam através da Comissão Parlamentar de Inquérito que vem a público mostrar as digitais culpadas deste governo genocida. Num país sério e minimamente comprometido com o seu povo, Bolsonaro, seus ministros da saúde e parte do alto clero do Ministério da Saúde já teriam caído e estariam atrás das grades. Mas como a impunidade é a tônica dominante no Brasil, os mais de 120 pedidos de impeachment seguem fechados e sem a menor disposição de serem abertos pelo presidente da câmara.
Com a sua imagem aos pedaços e sua popularidade despencando, apesar das motociatas bagaceiras, o presidente tenta dispor de diversas cortinas de fumaça para afastar os holofotes sobre os seus crimes e perversidades. Sua participação nas queimadas da Amazônia, no genocídio da Covid, participação nas Fake News, na obstrução da justiça que segue no encalço dos seus filhos pelos crimes das Rachadinhas, dos milicianos envolvidos no assassinato de Marielle e com as dezenas de coincidências com seus vizinhos de condomínio, a lista é extensa. Com a evidente demonstração de que Lula ou Ciro o venceriam no primeiro turno nas eleições de 2022, Bolsonaro passou a perseguir a urna eletrônica, propondo o voto impresso e espalhando uma série de mentiras a respeito da votação eletrônica, cuja eficácia demonstrada com rapidez na apuração e nenhuma ocorrência de fraude ao longo de décadas, frustra quem desejaria fraudá-la como foi no passado.
E é justamente esse retrocesso contínuo que temos assistido em choque e com revolta desde que esta corja assumiu o poder. Declarações estapafúrdias de seus assessores e ministros mostram o quanto regredimos em termos de valores e perspectivas. Bolsonaro agora é réu por crimes de prevaricação e responsabilidade no caso das vacinas. Diante disso, não admira a perseguição aos ministros do STF e as ameaças declaradas de golpe institucional pelo presidente a democracia brasileira como uma das últimas ações visando desestabilizar e atingir a ordem do nosso Estado Democrático de Direito. Uma passeata ridícula pela esplanada dos ministérios com tanques e blindados do exército para entregar pessoalmente o convite para o exercício de treinamento das forças armadas em Formosa. Coincidindo exatamente no dia da votação do sistema de votação para as eleições presidenciais.
Com a recente prisão de seu aliado Roberto Jefersson, por incitação ao terror e disseminação de fake news, Bolsonaro, pressionado pela filha de Jefersson, tentou intimidar o STF, mas sem sucesso. O tiro, mais uma vez, saiu pela culatra. Assistimos a agonia de um déspota que tenta a todo custo se manter no poder.
Por outro lado, assistimos o terremoto no Haiti e a eminência de inundações na mesma região tão castigada. Incêndios florestais e calores devastadores com inundações sem precedentes. A crise climática nos lembrando de que somos os responsáveis diretos por este desequilíbrio descomunal. No Brasil, o frio, geada e neve destruindo safras inteiras com prejuízos sobre a economia e a inflação aumentando. Gente com fome.
Gente aterrorizada com a saída das forças armadas norte-americanas e a escalada ao poder das forças opressoras do Talibã de volta ao Afeganistão depois de 20 anos. A população fugindo em massa do país temendo o retrocesso sanguinário dos fanáticos que agora tomam o país novamente. Gente desesperada tentando escapar do inferno e sendo morta ao despencar de aviões ou sendo abatidas por tiros. Gente amontoada em aviões cargueiros norte-americanos. Sim, os mesmos norte-americanos responsáveis diretos por armar e treinar bandos de milicianos fanáticos que se opunham ao poder russo e que terminaram criando um monstro para escapar do “comunismo”. Quantas barbáries em nome desta falácia.
Não bastasse essa convulsão de ordem política, social e econômica, na cultura seguimos perdendo astros de grande potência e beleza que nos deixam mais órfãos. Para aumentar a galeria de artistas que se foram em 2021, perdemos Paulo José e Tarcísio Meira na semana passada. Aqui em Porto Alegre, perdemos o nosso querido Elton Manganelli. Artista visual que deu grandes contribuições ao Teatro e à Televisão, com seus talento e criatividade ímpares. Ficam suas obras para nos lembrar o artista e a sua poesia confortar o nosso espírito que amanheceu triste e inconsolável como a chuva que não para de cair.
Parece que a bruxa está solta, mas são apenas os nossos demônios humanos vindo à tona. Que a gente possa fazer escolhas melhores antes que seja tarde demais.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2021.
(*) Nora Prado é atriz, poeta, professora de interpretação para Teatro e Cinema, atuou na Escola das Artes do Palco - SP.