COMITÊ EM DEFESA DA DEMOCRACIA PROMOVE DEBATE SOBRE OS 21 ANOS DA DÍVIDA DO RS JUNTO À UNIÃO
- texto e fotos / Alexandre Costa
- 30 de nov. de 2019
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O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito do RS promoveu mais uma edição dos "Debates Mensais sobre Conjuntura Econômica", atividade realizada no final da tarde da sexta-feira (22/11), no auditório do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (CEAPE), localizado no Centro Histórico de Porto Alegre.
O tema da discussão foi “da antessala da renegociação da dívida do RS às suas consequências: 21 anos (1997 – 2018)”, que contou com a participação dos auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) César Luciano Filomena e Josué Martins. Filomena é Engenheiro Civil e mestre em Ciências Sociais. Josué é presidente do CEAPE, mestre em Economia e integra o grupo de Auditoria Cidadã da Dívida. O debate teve mediação do sociólogo Benedito Tadeu César, que é um dos coordenadores do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito do RS.
A realidade é amarga para quase todos estados da Federação, que apesar de arrecadarem muito, investem pouco e não aplicam o suficiente para atender as necessidades básicas da população. Além do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os estados que têm as maiores dívidas junto à União.
A questão da dívida dos estados tem gerado inúmeros debates e discussões. Com a chegada do Plano Real, em 1994, os problemas de solvência e liquidez se agravaram e foram criados programas para reduzir e reestruturar o sistema financeiro nacional, gerando queda na receita. As altas taxas de juros, a desoneração das exportações dos produtos primários e restrição ao crédito provocaram instabilidade financeira dos estados. A eliminação de receitas inflacionárias e o aumento das dívidas mobiliárias levaram os estados à beira da falência, que ficaram sem alternativas e se submeteram às soluções oferecidas.
O problema da dívida dos estados com a União surgiu no final da década de 90, período marcado pela inflação e pelos juros elevados. Até 1997, antes da assinatura do contrato de renegociação com a União, a maior parte da dívida do RS era composta de títulos públicos lançados no mercado, a chamada dívida mobiliária. Com a edição do Plano Real e a adoção de uma política de combate à inflação baseada em altas taxas de juros, o estoque da dívida estadual apresentou um aumento significativo. Isso ocorreu com todos os estados da Federação e obrigou a União a adotar medidas no sentido de estabilizar minimamente a crise financeira dos Estados.
A principal medida foi a consolidação das dívidas estaduais, sob a égide da Lei Federal no 9.496/1997, que também obrigou os Estados a alinharem sua gestão aos ditames da União. Com isso, a União passou a intervir na gestão financeira dos Estados através do estabelecimento de metas a serem cumpridas.
Diversos economistas consideram que o contrato firmado se transformou numa grande agiotagem. A União concedeu um empréstimo de R$26,9 bilhões ao Estado. Em valores corrigidos, foram pagos R$29,7 bilhões e o Rio Grande do Sul ainda ficou devendo R$47,1 bilhões. De acordo com os cálculos, já foram pagos R$2,8 bilhões a mais que o valor emprestado e o estado ainda deve 1,75 vezes esse mesmo valor.
POLARIZAÇÃO
Na abordagem que fez sobre a dívida, César Filomena analisou as decisões políticas e os impactos na economia do Rio Grande do Sul a partir da eleição de 1994, ressaltando a existência de uma polarização entre dois campos políticos, representados por Antônio Britto (PMDB) e Olívio Dutra (PT).

Um dos problemas estruturais citados pelo sociólogo diz respeito à relação entre receitas e despesas. Neste período, o estado passou por uma transição, tendo que se adequar à Lei Camata, passando pela reinterpretação dos gastos com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001, e posteriormente à implantação do Plano Real, em 2004. Gradativamente, a folha de pagamento do estado passou a incidir de forma mais decisiva e outro fator desestabilizador foi o salto do valor da dívida pública. Nesta época não havia a despesa com o SUS previdenciário com o funcionalismo, que se dava por meio de uma pactuação.
Filomena abordou ainda o processo de desestatização, a partir da venda da CEEE e da CRT, e o financiamento público para o setor privado. Ele citou o caso emblemático da GM, em março de 1997, quando do estado repassou 253 milhões de reais à montadora. “Hoje, este valor corrigido seria de 1 bilhão 322 milhões de reais, utilizando o indexador inicial da dívida, o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna)”, argumentou.
Cabe lembrar que no dia 17 de março de 1997 o governador Britto assinou o protocolo de implantação do complexo automobilístico da GM em Gravataí. No mesmo dia, sem que houvesse sequer um projeto de engenharia, o governo depositou R$ 253,26 milhões como empréstimo para a GM, com 6% de juros ao ano, 5 anos de carência e dez anos para pagar. O governo gaúcho também se comprometeu a oferecer à GM financiamento do capital de giro, a ser pago em doze anos, com um prazo de carência de 10 anos; e a implantação de toda a infraestrutura. A GM, em contrapartida, se comprometeu a gerar 1.300 empregos na montadora e 2700 nas fornecedoras.
De acordo com Filomena (2015), o governo Britto deu início a uma agenda de políticas de redução do comprometimento dos recursos públicos com a folha do funcionalismo, de desestatização via privatização de áreas de interesse econômico e de concessão de serviços públicos para iniciativa privada.
"As decisões da política e a forma com que elas são implementadas têm impacto na nossa existência, no funcionamento do estado, na cidadania, no setor privado e assim por diante. Na minha tese defendida em 2015, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, eu fiz um resgate de todos os processos decisórios e de alguma maneira coloquei em xeque os agentes, suas decisões e os resultados que eles obtiveram", argumentou.
PREJUÍZO AOS COFRES PÚBLICOS
Já o presidente do CEAPE, Josué Martins, que faz parte do grupo de Auditoria Cidadã da Dívida, lembrou que a Auditoria da Dívida, seja em âmbito estadual ou nacional, nunca foi efetuada. “O resultado da renegociação da dívida estadual foi uma brutal redução da capacidade de investimento público do RS. Aquele saldo devedor, assumido lá em 1998, resultou em um enorme prejuízo aos cofres públicos e não houve responsabilização por isso. O correto seria saber quem deu causa aos 2 bilhões e 100 milhões de reais e se foi um problema de mercado ou de gestão”, advertiu.

Josué observou que o acordo entre o estado e a União envolveu 9,7 bilhões de reais de uma dívida que estava quitada. “Como a dívida chegou a 9,7 bilhões de reais se em 1994 o valor era de 4,5 bilhões de reais”, indagou o presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do estado, lembrando que os valores foram elevados em 122% por conta de ajustes do Plano Real praticados pelo governo federal.
Josué Martins afirmou que para pagar os 9,7 bilhões da dívida o Estado assumiu que empenharia mensalmente 13% de sua receita líquida durante 30 anos. “Um trabalho de auditoria realizado em 1999, realizado por Auditores Externos do Tribunal de Contas do RS, concluiu que o contrato de refinanciamento retirou do estado a autonomia financeira e administrativa prevista na Constituição Federal”, disse.
O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito do Rio Grande do Sul já definiu a data da próxima edição dos “Debates Mensais Sobre Conjuntura Econômica”. Será no dia 13 de dezembro, no auditório do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (CEAPE). Após a definição do tema do encontro e dos debatedores, o Comitê fará a divulgação oficial do evento.
ASSISTA AOS VÍDEOS DA EDIÇÃO DE NOVEMBRO DOS "DEBATES MENSAIS SOBRE CONJUNTURA ECONÔMICA"
parte 1
parte 2
parte 3