
A defesa do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ingressou com Habeas Corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), na madrugada desta terça-feira (13/8), solicitando a nulidade dos processos da Operação Lava Jato contra o ex-presidente e a sua imediata liberdade, com base nas revelações do portal The Intercept Brasil em parceria com outros veículos de imprensa. Na ação, a defesa alega que Lula foi submetido a “constrangimento ilegal agravado por acórdão do STJ que deixou de reconhecer a manifesta suspeição de procuradores da República que participaram da ação penal proposta contra o ex-presidente. A suspeição dos procuradores da República foi levantada pelos advogados de Lula desde a primeira manifestação apresentada nos autos da Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (“caso tríplex”) — em 10.10.2016 — e foi negada pelo ex-juiz Sérgio Moro, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF4) e pelo STJ.
Os advogados do ex-presidente afirmam que, de acordo com a Constituição Federal, com a legislação e os tratados internacionais internalizados no país, os membros do Ministério Público devem estrita observância às garantias da legalidade, impessoalidade, moralidade e da imparcialidade (CR/88, art. 37, caput; LC 75/93, art. 5º; Portaria nº 98/PGR, art. 4º, III). O fato de o MPF ser parte da ação penal não permite que seus membros atuem infringindo tais garantias. Ao contrário, têm eles o dever de zelar por um processo justo, no qual a acusação seja realizada de acordo com meios legítimos e com a observância do rule of law.
Esse habeas corpus impugna capítulo específico do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.765.139/PR, julgado em 23.04.2019 — ainda pendente de complementação em razão de embargos de declaração apresentados pela Defesa no STJ.
A defesa de Lula alega que durante o processo-penal, eventuais manifestações dos membros do Ministério Público devem ser realizadas serenas, prudentes e objetivas, evitando-se expor o investigado/acusado ou prejudicar a garantia da presunção de inocência (CNMP, resolução nº 36/2016, art. 13, 14, 15 e 18; UNODC, item 11; Guia de Implantação e Estrutura de Avaliação do Artigo 11, relacionado à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, item 27). No entanto, os advogados do ex-presidente consideram que os procuradores da República ignoraram tais parâmetros e aniquilaram sua garantia à presunção de inocência, pois, dentre outras coisas:
(1) realizaram uma coletiva com uso de PowerPoint na data do protocolo da denúncia, dispensado a Lula tratamento de culpado antes mesmo da instauração do processo (16/09/2016);
(2) emitiram declarações à imprensa durante a fase de investigação e ao longo do processo para rotular Lula como culpado a despeito da inexistência de qualquer prova de culpa;
(3) usaram as redes sociais, durante o processo, para publicar diversos textos ofensivos a Lula e incompatíveis com o seu estado de inocência assegurado pelo Texto Constitucional, além de tentar influenciar, por esse meio ilegítimo, decisões em recursos apresentados em favor do ex-presidente;
(4) tentaram criar pelo menos uma fundação de direito privado bilionária (R$ 2,5 bilhões) com recursos provenientes da Petrobras, para a qual a narrativa acusatória sobre Lula teve enorme relevância.
A defesa de Lula mencionou as mensagens divulgadas pelo The Intercept, pela Folha de S.Paulo, Veja, UOL, BuzzFeed e pelo jornalista Reinaldo Azevedo que reforçaram a suspeição dos procuradores da República em relação aos processos envolvendo o ex-presidente. As mensagens comprovam, dentre outras coisas, que:
(1) as investigações contra o ex-presidente Lula foram iniciadas a partir de um comando emitido pelo ex-juiz Sergio Moro ao procurador da República Deltan Dallagnol sobre supostas propriedades destinadas aos filhos de Lula;
(2) os procuradores da República sabiam que não havia qualquer prova efetiva contra Lula no caso do tríplex, tampouco vínculo com a Petrobras, mas a despeito disso, ofereceram denúncia e pediram a condenação do ex-Presidente;
(3) durante o processo, agiram com clara motivação pessoal e política, além de terem ficado submetidos à coordenação e orientação do ex-juiz Sérgio Moro.
"Como esses novos elementos de reforço às teses defensivas estão à disposição do Supremo Tribunal Federal no Inquérito nº 4.871, pedimos que as mensagens trocadas entre procuradores da República e entre procuradores da República e o ex-juiz Sérgio Moro que estejam relacionadas ao ex-Presidente Lula sejam compartilhadas nesse habeas corpus com fundamento no art. 21, inciso I, e no art. 191, inciso II, ambos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF). Há firme jurisprudência do STF no sentido de que provas destinadas a confirmar teses defensivas podem e devem ser compartilhadas, ainda que eventualmente tenham origem ilícita", alega a defesa de Lula. O habeas corpus deverá ser analisado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, onde já tramita, de forma independente, desde novembro de 2018, o HC 164.493/PR —no qual demonstramos a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.
A defesa pediu para que o ministro Alexandre de Moraes determine o compartilhamento das mensagens trocadas entre integrantes da Lava Jato e que foram apreendidas pelos supostos hackers presos durante a Operação Spoofing. Segundo o advogado Cristiano Zanin, que atua na defesa de Lula, "é incontroverso na jurisprudência do STF que provas, mesmo que ilícitas, podem ser usadas na defesa de acusados". "Não discutimos se essas provas podem ou não ser usadas para condenação dos procuradores, mas é inegável, do ponto de vista jurídico, que se aplicam para inocentar os envolvidos nos processos", afirmou Zanin.