A ex-presidenta Dilma Rousseff manifestou sua indignação com a declaração do presidente Jair Bolsonaro, que chamou de herói o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi durante a ditadura e primeiro militar condenado por conduzir e participar das sessões de tortura em presos políticos. "O Brasil está vinculado ao Estatuto de Roma, acordo elaborado sob a égide da ONU e referendado pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional, em 2002. Nele, a tortura é considerada crime contra a humanidade e é crime imprescritível, conforme também aponta a Convenção das Nações Unidas de 26 de dezembro de 1968", enfatizou a ex-presidenta. A declaração de Bolsonaro sobre o coronel Ustra foi motivada pelo encontro do presidente com a viúva do coronel Ustra, Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, recebida no Palácio do Planalto para um almoço, na quinta-feira (8/8).
Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura militar, salientou que "é inadmissível que um chefe de Estado e de governo defenda a tortura e desrespeite os acordos assinados por seu País, violando os princípios fundamentais de civilidade da comunidade internacional". Em 2016, durante votação na Câmara dos Deputados que culminou com o impeachment de Dilma, o então deputado federal Jair Bolsonaro justificou seu voto pelo afastamento da presidenta, referindo-se ao coronel Ustra como "o terror de Dilma Rousseff. Brilhante Ustra foi o primeiro militar brasileiro condenado, em 2008, por crimes durante a ditadora.
O coronel Brilhante Ustra foi reconhecido como torturador por várias vítimas. Na quinta-feira, a jornalista Tatiana Merlino, em texto publicado no blog do também jornalista Leonardo Sakamoto, afirmou que cada vez que Bolsonaro defende o coronel “é como se os torturados, sequestrados, mortos e desaparecidos no período fossem novamente colocados no pau-de-arara, na cadeira do dragão, fossem xingados, humilhados, espancados”. Além disso, o presidente “ofende, ataca, desrespeita a todos nós, que somos familiares de mortos e desaparecidos, e lutamos há décadas por memória, verdade e justiça”.
Luiz Eduardo Merlino, tio de Tatiana, jornalista e militante do Partido Operário Comunista (POC), “foi assassinado sob tortura, em julho de 1971, aos 23 anos, em uma sessão comandada por Brilhante Ustra”. Segundo o relato da sobrinha, após ser preso em Santos, ele foi levado ao DOI-Codi e torturado por 24 horas, até uma das pernas gangrenar. “Então, foi deixado em uma cela forte, sem poder andar e comer. Depois, jogaram ele em um camburão e levaram-no ao hospital militar. Outro preso político que estava sendo torturado por Ustra ouviu sua conversa ao telefone. Decidiam se amputavam ou não a perna gangrenada, para que a vida de meu tio fosse salva. Para amputar, teriam que avisar a família. ‘Deixa morrer’, sentenciou o coronel.”
O coronel Brilhante Ustra chefiou o DOI-Codi de São Paulo, de 1970 a 1974. De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, durante este período Ustra foi o responsável pela tortura e morte de mais de 500 pessoas. No ano passado, um colegiado do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou extinta ação em que Ustra havia sido condenado a pagar indenização à família de Merlino. Em 2014, o Superior Tribunal de Justiça negou recurso e reconheceu a responsabilidade do chefe do DOI-Codi por torturas no período da ditadura.
DEPUTADO CRITICA BOLSONARO POR ESTAR NA CONTRAMÃO DA CIVILIZAÇÃO
As declarações do presidente Jair Bolsonaro em que faz referência ao coronel Brilhante Ustra como sendo um "herói nacional" gerou indignação do deputado federal Márcio Jerry (PCdoB) que utilizou a tribuna da Câmara dos Deputados, na tarde desta quinta-feira (8/8), para criticar o presidente. “É importante que fiquemos atentos para essa escalada do fascismo que está acontecendo no país, infelizmente liderada por aquele que deveria ter a maior responsabilidade pela preservação das instituições, da democracia e das leis, o presidente da República”, disse Jerry.
O deputado afirmou também que Bolsonaro segue na contramão da civilização e do avanço democrático ao tomar atitudes como homenagear a ditadura militar ou de dirigir-se ao povo com palavras inadequadas para o cargo que ocupa. “O presidente se dirige de maneira depreciativa, preconceituosa, discriminatória e racista a nós nordestinos, e não conformado com isso extrapola os limites constitucionais de sua função ameaçando estados do Nordeste e governadores, ações absolutamente inaceitáveis. Portando, um presidente que não entendeu a dimensão de seu cargo”, completou Jerry.