O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) promove eleição par a escolha da nova diretoria, dias 16, 17 e 19 de julho. Pela primeira vez a chapa terá duas mulheres para os cargos de presidenta e vice, Vera Daisy Barcellos e Laura Santos Rocha, respectivamente. Além da eleição presencial, os associados poderão votar, pela primeira vez, por meio de um sistema online. De acordo com o estatuto do Sindicato, não há quórum específico para a eleição, isto significa que será considerado qualquer número de votos.
APOIO DOS DIRETORES
Confira a entrevista da Fabiana Reinholz com a Vera Daisy Barcellos,
publicada no Brasil de Fato, no último dia 6 de julho.
Vera Daisy: “ É fundante que a categoria
se reconheça enquanto trabalhadores”
"Uma mulher negra, feminista, 70 anos, libriana, diplomada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1971. Mãe do Juliano e mulher do Ricardo Costa, que me apoia há 39 anos." É assim que se descreve Vera Daisy Barcellos, como prefere ser chamada. Com 48 anos de dedicação ao jornalismo, tem sua trajetória marcada pela luta antirracista e anti-machista. O amor pelo jornalismo nasceu na infância, quando descia as escadas, de madrugada, rumo à biblioteca da casa grande, do general Floriano, para ler os livros “proibidos”.
Filha de Eva Barcellos, uma mãe “solteira”, empregada doméstica, analfabeta e com mais quatro filhos. Vera Daisy conta que na época sua mãe era empregada na família do general Floriano de Oliveira Faria e sua esposa Ceci, e pensando em dar um futuro melhor a sua filha, e buscar um futuro melhor para si, sua mãe decidiu trabalhar como cozinheira de restaurante, deixando Vera Daisy sob os cuidados dos Oliveira Faria. Foi nessa casa, onde tudo começou. Com a ajuda e apoio dos irmãos de criação, o hoje economista Álcio, e em especial, Adyr, médico, enfrentou a resistência dos pais de criação para se tornar jornalista. “O que tu vais fazer numa profissão dessas? Isto não é coisa para uma mulher direita”, relata com a voz embargada ao contar o começo da profissão em um ambiente predominantemente masculino. "Quando começo em 1971, era em um ambiente predominantemente masculino, e inicio fazendo cobertura de Esporte, também um ambiente mais masculino”, rememora.
Vera Daisy, que foi a primeira mulher negra a fazer cobertura de esportes no jornal Zero Hora, que foi a primeira mulher negra a fazer cobertura de carnaval, concorre agora para ser a primeira presidenta negra do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors). Se eleita, a jornalista será a segunda mulher a ocupar o cargo, nos 76 anos de história do Sindicato. A primeira foi a jornalista Vera Maria Spolidoro Cuadrado, nas gestões de 1986 – 1989 e 1989-1992.
Nessa quinta-feira (4), na sede da entidade, foi feita a apresentação da chapa única, que disputa a eleição marcada para os dias 16, 17 e 18 deste mês. Após apresentação da nominata 'Jornalistas na Resistência - Trabalhadores em defesa da ética, da pluralidade e da democracia', Vera Daisy falou brevemente de sua trajetória e dos desafios do jornalismo nos tempos atuais. “Levei três anos para me decidir a aceitar esse convite. Minha história, e a de quem se soma nessa chapa, é a história de quem não foge a luta, mesmo considerando o momento difícil que estamos vivendo, mesmo sabendo da crise que o jornalismo está passando, mesmo sabendo como as empresas estão nos tratando”, ressalta.
“Essa é a nossa casa, essa é a minha casa. Estamos aqui apesar da crise. É hora de muita garra. Está difícil, claro que está difícil, ainda mais com esse governo que está posto, nós sabemos de todas as dificuldades que vamos enfrentar, mas eu acredito na união”, sentencia a jornalista. Como exemplo, cita o caso dos jornalistas de Alagoas, que se uniram, a partir do último dia 25, em greve por nove dias, contra a redução de 40% do piso salarial da categoria. (Como represália, na quinta-feira (4) a afiliada da Globo em Alagoas demitiu 15 jornalistas menos de 24 horas após o fim da greve, e na sexta (5), uma apresentadora foi rebaixada de função.)
Para Vera Daisy os jornalistas precisam se ver como trabalhadores. “Nossa estrutura está fragilizada, não tem a ressonância da categoria”. Em um momento de fragilização do movimento sindical, processo iniciado depois do impeachment da presidenta Dilma, a candidata frisa a importância da união de todas as categorias. “Sabemos que se ficarmos sozinhos estamos fadados a perder. Queremos fazer uma gestão colaborativa, participativa, e que não que fique só na mão da executiva. Faremos uma série de eventos para atrair não só a categoria, mas a sociedade como um todo”.
entrevista
BdF: O sindicato tem 76 anos, agora, se eleita, tu serás a segunda mulher a presidir a entidade e será a primeira mulher negra presidenta, qual o peso disso, o significado?
Vera Daisy: Antes de dizer qual é o peso, o que isso representa, quero dizer que o sindicato, o qual conheço bem há bastante tempo, durante a minha militância pela luta antirracismo, nos deu um grande apoio. Quando eu jornalista responsável pela revista Tição, Impresso alternativo daqui do RS, e que circulou nos anos 1978 e 1979, o sindicato representou um fortalecimento na luta antirracista. Na época tínhamos que nos apresentar no DOPS , em 1971, e o sindicato teve um significado muito grande na defesa dos direitos, de cuidar do seu associado.
Mas tu me perguntas o que significa o fato de eu ser a segunda mulher, e somando-se o fato de eu ser uma mulher negra, bom, caracteriza-se bem o que é a sociedade brasileira. Leva 27 anos para vir uma mulher candidata, isso mostra uma questão do machismo.
São duas coisas que me movem durante a minha militância, o machismo e o racismo. Numa entidade sindical isso pode acontecer? Pode. E dirias que é de uma forma inconsciente, eu diria que não. Na verdade, as entidades sindicais, na sua maioria, reproduzem o modelo da sociedade vigente no Brasil, que é a questão do espaço que nós mulheres ocupamos.
Nós sempre estamos, e a minha vida profissional mostrou isso, lutando. E eu costumo dizer que, ao longo da minha profissão, que já soma 48 anos, tanto na esfera privada, que foram nos jornais que trabalhei, quanto nas assessorias de imprensa de organismo público federal, da qual eu também participei, hoje eu sou uma funcionária pública aposentada, eu não tive a oportunidade de galgar uma chefia. Mesmo no serviço público, sendo eu a que criou, montou uma assessoria de imprensa na Fundação Legião Brasileira de Assistência, organismo que foi fechado pelo primeiro governo do FHC.
A gente percebe que por ser mulher e ser negra, a gente carrega o machismo e o racismo juntos, dois fatores estruturantes da organização da sociedade brasileira, e que nos prejudica sensivelmente, enquanto mulheres negras, cujos indicadores mostram o lugar que ocupamos.
BdF: O que mudou das décadas passadas para esse ciclo de agora?
Vera Daisy: Eu levei muito tempo para aceitar esse convite da atual diretoria do sindicato, disse que precisava pensar. Não estava fugindo, mas precisava pensar muito o que representaria assumir esse papel nesse momento crítico que o nosso país está passando, em que todos os cenários possíveis estão fragilizados, e na forma como o atual governo está se colocando, seja na esfera federal, estadual e municipal. Eu comecei a pensar que seria uma tarefa muito difícil, mas na medida que eu comecei a convidar as pessoas e vendo os mesmos anseios que eu tinha se mostrando, fomos dizendo juntos que sim, vamos enfrentar, vamos fazer uma gestão colaborativa. Isso fez com que eu aceitasse esse desafio de ser, nesses 76 anos de sindicato, a segunda mulher a presidir a nossa entidade.
Segunda mulher que carrega consigo três características. Primeira, o fato de ser mulher em si. Segunda que eu estou assumindo esse compromisso com a categoria aos 70 anos, e ao assumir esse compromisso com a categoria, eu sou uma mulher idosa, que também é outra fatia do segmento da população que é maltratado, que não é respeitado, que tem os seus direitos violados. E terceiro, o fato é que sou uma mulher negra.
Na minha fala (apresentação da chapa), eu retomo minha origem, precisamos sempre retomar nossa origem para se fortalecer.
BdF: O nome da chapa é 'Jornalistas na Resistência - Trabalhadores em defesa da ética, da pluralidade e da democracia’, nos tempos atuais como ser resistência, como garantir a ética, a pluralidade, com um governo que menospreza o trabalho do jornalista?
Vera Daisy: Pois então, como fazer tudo isso com esse governo que começa a efetivamente romper com os princípios éticos, os princípios dos direitos humanos, mais acentuados agora, só será possível com união.
Estamos vivendo uma crise do jornalismo, de um jornalismo que é feito, que está sendo feito agora, que não tem nenhuma respeitabilidade pela ética, que divulga mentiras e é aplaudido por isso.
Nós, enquanto sindicato, como podemos resistir nesse cenário?
Primeiro, parte-se do princípio da união da categoria. A categoria se apresenta e se apresenta desunida, não é co-participativa da entidade representativa que é o sindicato. Nós já tentamos criar um conselho e fomos derrotados. E ele não passou porque as grandes empresas fizeram toda uma campanha de que nós, sindicato, estávamos querendo censurar.
Quando se fala em resistir nesse momento, passa pela conscientização de que nós somos trabalhadores, que somos uma categoria integrada por trabalhadores, isso é fundante.
Outra coisa que as pessoas precisam ter conhecimento, é de que código de ética é um documento que tem que ser, andar junto conosco. E esse código de ética dos jornalistas brasileiros é um guia.
Hoje estão dizendo o seguinte, o Intercept está ferindo a ética. Isso é dito pelas pessoas que se contrapõe às denúncias que o veículo está fazendo. Contudo ele está seguindo o que está escrito no código de ética, ele está sendo ético, está denunciando, está cumprindo o que está escrito.
Como sobreviver nesses tempos? É fundante que a categoria se reconheça enquanto trabalhadores, que ela reconheça no sindicato a sua entidade representativa, e isso passa pela frequência assídua aqui dentro, trazendo sugestões, proposições de trabalho, porque a categoria espera que o sindicato vá até ela, sim iremos, mas é uma via de mão dupla também. BdF: Como lidar e contrapor as fake news?
Vera Daisy: Nós aqui no sindicato temos feito atuações, chamando eventos, nos manifestamos contra. Tentamos, ao longo da atual gestão, fazer muitas intervenções, denunciando as fake news, dizendo que não é esse modo de atuação do trabalho do jornalista, e por outro lado já chamamos recentemente, em parceria com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o qual o sindicato integra, um evento na Fabico - UFRGS, onde a gente se posiciona contra, e onde afirmamos que isso não é jornalismo.
Enquanto nova diretoria, teremos um olhar muito atento para a questão das notícias falsas, porque essa reprodução é que está minando a verdadeira imprensa. Todo mundo hoje tem acesso a elas, com as novas mídias, whatsap e outros mecanismos de comunicação, isso está uma terra de ninguém. Todo mundo acha que pode fazer, não checam fontes, e vão alardeando, e tem um grupo de pessoas que são movidas por essas notícias falsas e faz uma reprodução automática, e isso é muito perigoso.
Dentro das nove propostas que elencamos, tem essa preocupação também, de retomar essa discussão.
BdF: Tu mencionastes o FNDC, e eu pergunto qual a importância da democratização da comunicação?
Vera Daisy: Até hoje sou uma das poucas pessoas que fala da Confecom (1ª Conferência Nacional da Comunicação realizada em 2009). Aqui no Estado eu não ouço mais falar. E eu sempre retomo as resoluções da conferência que não foram concretizadas. Acredito que ali estava a base, naquele tempo poderíamos ter nos fortalecidos. Porque o que está acontecendo agora, foi pela não implementação das resoluções. Não é só isso claro, mas é uma das causas. Quando a gente tem essa situação das fake news, ou como digo, das noticias falsas, gera toda essa instabilidade.
Eu vejo o jornalismo com um dos pilares do fortalecimento da comunicação, da democracia.
BdF: Tu também mencionastes em um quase fechamento do sindicato, do enfraquecimento do movimento sindical que vem desde o governo Temer. No atual cenário, como manter vivo o movimento sindical nesse momento de fragilidade?
Vera Daisy: A primeira coisa que a gente fez foi centrar em cima das contas. Nós tínhamos uma coisa cultural que os dirigentes eram para fazer política. Então, agora a gente inverteu, fazemos política, mas também cuidamos da gestão financeira, da gestão administrativa, estamos voltando lá trás, quando todo mundo se engajava, participava, foi por isso que eu fiz o chamamento. Temos que pensar como vamos ter um fundo financeiro, se esse modelo que está posto, com esse governo colocando como dificuldade não se ter os recursos, nós teremos que nos reinventar. Essa tem sido a palavra também, além de resistência, um modelo sindical reinventado, como isso será feito? É a partir de nós assumindo e já pensando, temos algumas ideias, mas temos que aperfeiçoar.
Mas a palavra de ordem é reinvenção e resistência.
Edição: Fabiana Reinholz