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“CADA DIA É UMA BATALHA NA VIDA DO ATOR”


Bibi Ferreira está no céu e, com certeza, vai continuar brilhando nos palcos da eternidade. A diva dos musicais brasileiros nos deixou nesta quarta-feira, 13 de fevereiro, aos 96 anos de idade. Lembrei da entrevista que fiz com ela, há 18 anos, no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, após ter interpretado os fados de Amália Rodrigues. Naquela noite Bibi fez o público gaúcho chorar de emoção.

Eu jamais havia assistido um espetáculo de fado e também nunca tinha tido a oportunidade de ver Bibi Ferreira ao vivo.

Era agosto de 2001, eu havia sido contratado pela revista Continente Multicultural, de Pernambuco, para fazer uma entrevista com Bibi Ferreira. Ela estava em Porto Alegre com o espetáculo em que interpretava Amália Rodrigues, que havia morrido fazia dois anos, aos 79 anos de idade, em Lisboa. Amália até hoje é considerada uma das mais brilhantes cantoras do século XX.

A entrevista com Bibi Ferreira era parte de uma matéria sobre a “arte do ator”. Foi feita por mim e pelos colegas Fábio Lucas e George Moura, com a edição maravilhosa do Homero Fonseca, que reuniu depoimentos de diversos atores. Além de Bibi Ferreira, também foram entrevistados Paulo José, José Wilker, Juca de Oliveira, Salton Melo, Marcelo Valente, José Dumont, Geninha da Rosa Borges e Carolina Ferraz.

Tão logo terminou a apresentação, após a saraivada de palmas e os gritos de bravo!!!, me dirigi rapidamente ao camarim para tentar entrevista-la. Sim, tentar, porque havia recebido orientação da sua assessora de imprensa de que a entrevista seria por e-mail ou telefone, na semana seguinte.

Concordei com as normas impostas. Mas, evidentemente, não cumpri o combinado.

Ao entrar no camarim fui maravilhosamente bem recebido pela Bibi Ferreira, que me deu um abraço bem apertado, enquanto guardava um imenso colar de pedras vermelhas, do qual deduzi que fossem rubis. Até hoje fico me indagando se aquela joia era original ou uma imitação. Era parte do figurino para tornar o cenário mais próximo à época vivida por Amália Rodrigues e os seus fados.

Logo que pisei no camarim, a diva dos palcos pediu para sua assessoria me deixar à vontade. “Venha cá menino. Deixem o garoto trabalhar”, ordenou a filha do grande ator Procópio Ferreira. Aquele carinho se espalhou pelo ambiente e serviu de blindagem em relação à combinação que havia feito com sua assessoria, de não entrevista-la.

Diante das exigências da profissão, essa talvez tenha sido uma das minhas maiores vitórias como jornalista.

Naquela noite fria de agosto, tive a oportunidade de ouvir e registrar o que Bibi Ferreira tinha a dizer sobre o teatro e a vida nos palcos pelo mundo a fora.

“Olha, eu posso me considerar uma privilegiada, pois sempre tenho um trabalho para fazer: Mas a realidade não é essa. Tenho essa sorte, mas já lutei muito, trabalhei muito e hoje começo a colher o fruto de 60 anos de carreira. Acho que hoje em dia, existe um campo maior para se realizar uma peça. Se o indivíduo não consegue um teatro para se apresentar, ele faz um evento, se apresenta na estação de metrô, coloca um banquinho numa praça, enfim, ele se vira e consegue uma forma de mostrar a sua arte... Mas isso que estou falando não significa que é tudo um mar de rosas. A carreira continua sendo difícil, cada vez mais surgem atores e o mercado não é tão grande assim... Muito atores chegam à velhice com uma situação muito difícil. Excelentes artistas, com grande talento, mas infelizmente esquecido... Cada dia é uma batalha na vida do ator!”.

A morte de Bibi Ferreira fez o Brasil chorar e se soma a uma série de acidentes e catástrofes que abalaram o país neste triste início de 2019, como o trágico rompimento da barragem de Brumadinho, que resultou em centenas de mortos e desaparecidos; o incêndio que interrompeu o futuro e retirou a vida de dez meninos da base do Flamengo; e a queda do helicóptero que vitimou o consagrado jornalista Ricardo Boechat.


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