A repentina queda em desgraça do Facebook tem derrubado a arraigada suposição de que não se podia regular. Agora, vem aflorando um raro consenso que assume como fato o poder irresponsável do Facebook, que talvez mereça intervenção governamental.
O recente escândalo da Cambridge Analytica contribuiu para o outrora sempre adiado debate sobre o poder monopolístico, seus perniciosos efeitos na sociedade e o papel do governo para colocar um freio a isso, com implicações que vão além do Facebook. Se abre, assim, uma valiosa oportunidade para uma reforma estrutural.
Como podemos aproveitá-la? O próprio Mark Zuckerberg já disse em entrevistas, e durante seu testemunho no Congresso, que a regulação poderia ser necessária. Mas que tipo de regulação? Repetimos os erros do passado e provamos com auto regulações frágeis, que se atenuem com o tempo? Ou submetemos o Facebook a uma supervisão pública real, implementando medidas redistributivas?
Até agora, as discussões se centraram majoritariamente na privacidade do usuário, o que é vital. Mas devemos considerar uma visão mais ampla e audaz acerca de quais são os deveres do Facebook para com a sociedade em troca do incrível poder que lhe permitimos acumular – independentemente de que possamos conter ou diminuir tal poder. Chegou o momento de um novo contrato social.
Esse contrato deve afirmar o controle público sobre os sistemas de comunicação. Deveria proteger os criadores de conteúdo e os usuários particulares – isto é, aqueles que realmente produzem o trabalho, a atenção e os dados com os quais o Facebook obtém benefícios –, e o mais importante, deve privilegiar as necessidades democráticas da sociedade cima do objetivo único do Facebook, de maximizar seus benefícios.
Fazer com que o Facebook pague pelo jornalismo difundido
No último ano, o Facebook tem sido acusado de má gestão dos dados dos usuários, de abusar de poder de mercado e por dar caminho livre à desinformação, tudo isso enquanto acumulava riqueza mundo afora. O Facebook deveria dar muito mais em troca de seus benefícios e assumir uma maior responsabilidade por seus graves custos para a sociedade.
A dependência do periodismo com respeito às verbas de publicidade tem sido sempre um grande problema. Agora, o modelo comercial está se desmoronando, situação que já mostra devastadoras consequências. Menos recursos apoiando cada vez menos jornalistas, deixando redações reduzidas a cinzas e fechadas em todos os países. A indústria do jornalismo impresso viu sua mão de obra ser reduzida pela metade durante a década passada. Regiões inteiras e graves problemas sociais relegadas a miseráveis coberturas noticiosas. Os observadores veteranos começam a falar abertamente de um “futuro pós-jornal”. Entretanto, estas instituições em apuros ainda entregam a maior parte do que se considera a “informação original” –agora mais importante do que nunca – para o resto do sistema de meios de comunicação.
Embora sejam diversos os fatores que contribuem para a desaparição da publicidade no jornalismo, é tragicamente irônico que o Facebook e o Google estejam fazendo com que morram de fome aquelas instituições das quais se espera que lutem contra a desinformação. Para compensar o dano, essas empresas deveriam financiar serviços públicos de comunicação com informação local, jornalismo de investigação e informação sobre políticas – coberturas informativas que não sempre significam mais cliques, mas que são necessárias para a democracia.
O Google se comprometeu a dar 300 milhões de dólares em três anos (menos de um 1% de seu lucro em 2017), através da sua recém criada News Initiative, para combater a desinformação e ajudar os meios a financiar seus conteúdos. O Facebook, por sua vez, lançou um “acelerador” jornalístico de 3 milhões de dólares (0,07% de seu lucro em 2017) para ajudar entre 10 e 15 organizações de notícias a armar suas assinaturas digitais empregando a plataforma do Facebook. Esses esforços são deploravelmente insuficientes. As perdas atuais exigem apoio direto do jornalismo que está sendo ativamente soterrado financeiramente por Google e Facebook.
Estes dois problemas entrelaçados – o poder monopolístico irresponsável e a perda do jornalismo de serviço público – poderiam ser abordados mediante intervenções políticas que controlem o Facebook e redistribuam os lucros, como parte de um novo sistema regulatório contra o impacto negativo dos “gigantes digitais” na sociedade.
A dívida do Facebook para com a sociedade
Um “imposto às redes sociais” sobre os lucros do Facebook e do Google geraria recursos significativos para um fundo de financiamento ao jornalismo. Um 1% de seus lucros líquidos em 2017, algo que essas empresas sem dúvida podem pagar, significaria 159,34 milhões de dólares do Facebook e 126,62 milhões do Google/Alphabet – um total de 285,96 milhões entre ambos. Esse dinheiro criaria uma dotação financeira para o jornalismo independente, especialmente se combinado com outras contribuições filantrópicas de fundações que se acumulam com o tempo.
Para protegê-lo dos grandes interesses, este fundo deve se manter sob gestão pública e isolado da influência governamental. Ainda assim, todas as doações teriam que ser “limpas” de prévias ataduras, para assegurar a independência jornalística contra possíveis favoritismos ou interesses de mecenas individuais. Um serviço de jornalismo nacional – e, em última instancia, internacional – dotado de recursos, ajudaria a garantir o acesso universal a uma informação de qualidade. Também poderia contribuir para financiar uma rede social pública alternativa (sem fins comerciais) para competir diretamente com o Facebook – e quem sabe um dia superá-lo.
Regulando o Facebook
O apoio financeiro ao jornalismo é só um benefício potencial para colocar os gigantes digitais sob um maior controle público. Além de salvaguardar a privacidade dos usuários, as regulações progressivas poderiam incluir interoperabilidade obrigatória e portabilidade de dados, proibir a publicidade das organizações de financiamento duvidoso ou obscuro, fazer valer uma transparência radical e a supervisão pública dos algoritmos e da recopilação de dados – talvez inclusive uma nova agência reguladora de redes sociais.
Para regular o Facebook será necessária uma série de políticas públicas. As recentes reformas incluíram uma exceção à seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que protege as páginas web de responsabilidade legal, e um acordo do Facebook para cooperar com investigadores que possam estudar efeitos adversos. Será necessária muita supervisão pública.
Mas qualquer acordo normativo não deves se limitar a consolidar o poder do Facebook e preservar o status quo. A redistribuição dos lucros do Facebook não deveria excluir medidas antimonopólio, como sua desvinculação de WhatsApp, Messenger e Instagram, e a prevenção de futuras aquisições. Ademais, uma investigação antimonopólio deveria explorar como o Facebook aproveita seu controle sobre os dados para dominar o mercado publicitário.
Os precedentes históricos e a economia dominante justificam a regulação agressiva dos monopólios, especialmente das redes como sistemas de comunicação, para os quais é socialmente ótimo que una empresa mantenha serviços e infraestruturas essenciais. Em vez de dividir essas empresas – o que, assim como a nacionalização, nunca deveria ser descartada como opção – os incentivos e as sanções podem simplesmente evitar que exagerem em seu domínio de mercado e que se envolvam em comportamento lucrativo prejudicial para a sociedade. O Facebook, até agora, se tem feito de tudo para escapar de tais restrições.
Reformulando o debate
As liberdades individuais e os direitos do consumidor definem o discurso político estadunidense. Um paradigma mais socialdemocrata expande esta empobrecida maneira de ver as notícias e a informação, que são considerados como bens públicos, que não devem ser abandonadas somente aos imperativos comerciais de monopólios não regulados.
Menos escravos do fundamentalismo de mercado, os europeus estão na frente dos Estados Unidos no que se refere a confrontar os gigantes digitais. Além das multas e dos impostos sobre Facebook e Google, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, por sua sigla em inglês) da União Europeia garante que os usuários de Internet dos 28 países da UE compreendam e consintam como são usados os seus dados, e permite movê-los a outros lugares. O GDPR garante o “direito ao esquecimento” para que os cidadãos da UE possam eliminar permanentemente sua informação pessoal disponível online.
Nos Estados Unidos, surgiu o movimento #DeleteFacebook, assim como chamados a criar redes sociais alternativas. Esses esforços, embora animadores, têm pouco poder de gerar mudanças institucionais, pelo menos a curto prazo. Muitos dos 2,2 bilhões de usuários do Facebook em todo o mundo necessitam dessa ferramenta para suas comunicações básicas, o que gera enormes “efeitos de rede” – o valor da rede cresce com seu tamanho –, o que torna muito difícil qualquer saída massiva. Enquanto a expansão do Facebook avança, devemos dirigir a ação coletiva às intervenções políticas.
O domínio do Facebook não deriva do gênio do mercado ou da tecnologia mágica, e sim de deficiências políticas, como a preguiça em aplicar as leis antimonopólio. Muitos foram seduzidos pelo espírito do move fast and break things (“mudar rápido e romper as regras”) de Silicon Valley. Muitos se calaram quando disseram que a Internet não precisava de regulação, que era um ambiente intrinsecamente democrático e que as benevolentes corporações eram suas melhores guardiãs. As decisões políticas e as indecisões acarretam consequências. Agora colhemos o que se semeou.
Mas ainda estamos em tempo de consertar as coisas. Os algoritmos são uma criação humana – como se demostrou recentemente, quando o Facebook ajustou seus algoritmos para privilegiar as publicações de amigos e familiares em detrimento das publicações dos editores de notícias. O Facebook não é uma espécie de Frankenstein, imune ao controle social. Os humanos podem e devem intervir. O Facebook poderia permitir contratar legiões de avaliadores, editores e tecnólogos, para evitar a propagação da desinformação e garantir práticas éticas.
No final, entretanto, isso não é um simples problema do Facebook. A governança sobre as infraestruturas de comunicação é uma decisão política que todas as sociedades devem encarar, e decidir sobre as obrigações do Facebook e sobre como se fazem cumprir –para evitar o excesso de intervenção governamental e ainda assim garantir a participação democrática. Os grupos de defesa internacionais e as instituições de vigilância independentes também deveriam ajudar a monitorar as ações do Facebook e exigir responsabilidade. Entretanto, deverão ser consideradas válidas aquelas intervenções que evitam exageros, regulam e criam alternativas públicas.
Simplesmente, o Facebook possui um controle poderoso demais sobre os meios e a política mundial, e esse poder deve ser controlado. Um novo contrato social pode ajudar a financiar a infraestrutura pública que a democracia requer, especialmente o jornalismo, que se centra em questões locais, e que tem (como o Facebook) um poder concentrado do qual deve prestar contas. Devemos recuperar a Internet das mãos dos monopólios irresponsáveis.
Victor Pickard é professor de Comunicação na Annenberg School of Communication da Universidade de Pensilvânia
FONTE: CARTA MAIOR