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Rodrigo Gomes, da RBA

PASTORAL CARCERÁRIA DENUNCIA FALTA DE AÇÃO DE AUTORIDADES CONTRA A TORTURA


São Paulo – O Poder Judiciário, o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública, todos do estado de São Paulo, têm dificultado a apuração de casos de tortura no sistema carcerário em vez de atuar para elucidar as denúncias e punir os responsáveis. Esse é o apontamento do relatório parcial sobre casos de tortura nas penitenciárias brasileiras elaborado pela Pastoral Carcerária, com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e da ONG Oak Fundation, divulgado hoje (28). “As instituições do Sistema de Justiça, infelizmente, têm atuado estruturalmente mais obstaculizando do que promovendo a apuração dos casos de tortura”, afirma o assessor jurídico da Pastoral Carcerária nacional, Paulo Malvezzi.

A Pastoral acompanha 57 casos de tortura contra detentos por meio do Programa de Prevenção e Combate à Tortura, desde 2014. Desses, 29 ocorreram em São Paulo e foram notificados à Defensoria, ao MP e ao Judiciário. Segundo a entidade, em apenas 20% dos casos, a Defensoria informou alguma providência – que poderia ser simplesmente a instauração de um procedimento administrativo. O Ministério Público e o Judiciário paulista, no entanto, não prestaram informações sobre medidas que seriam tomadas.

“Apesar de dois relatores (de Direitos Humanos) da Organização das Nações Unidas (ONU) terem considerado tal prática como endêmica nas masmorras brasileiras, a regra da tortura continua sendo a subnotificação, já que a chance de qualquer responsabilização dos envolvidos ou reparação das vítimas é baixíssima”, diz Malvezzi.

Em relatório divulgado no início deste mês, o relator Juan Méndez reportou chutes, agressões com cassetetes, sufocação, choques elétricos com armas ‘taser’, uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, abusos verbais e ameaças como os métodos de tortura mais comumente utilizados pelas polícias e por agentes carcerários. E que esses não costumam ser punidos pelas práticas.

Outro apontamento feito pela Pastoral, em seu relatório, é que mesmo para realizar apenas providências preliminares, os órgãos citados exigem “denúncias minuciosas, desconsiderando o contexto autoritário e obscuro que esses atos ocorrem, e, por consequência, acabam por sepultar qualquer possibilidade de apuração dos fatos, invertendo a obrigação assumida internacionalmente pelo Estado brasileiro de prevenir e erradicar a tortura”.

Dos casos relatados em São Paulo, 67% ocorreram em unidades de prisão provisória, delegacias, presídios mistos ou no momento da detenção. E atinge as mulheres de forma desproporcional: 30% das denúncias foram de tortura contra mulheres, embora elas representem apenas 7% dos mais de 600 mil presos brasileiros.

A situação não é muito melhor no restante do país. Foram denunciados casos de tortura em Minas Gerais (seis); Espírito Santo (quatro); Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná (três em cada); Mato Grosso e Rio de Janeiro (dois); Alagoas, Amapá, Brasília, Rio Grande do Norte e Santa Catarina (um). Tanto a Defensoria Pública como o Ministério Público foram oficiados sobre os 28 casos. Nesses, cerca de 35% das vítimas eram mulheres. Os resultados foram praticamente os mesmos de São Paulo. Em 65% dos casos, os defensores não informaram qualquer providência. No Ministério Público, o percentual sobe para 85%. No caso do Judiciário, nenhum retorno foi dado.

No caso mais recente, em 28 de agosto de 2015, a Pastoral Carcerária recebeu denúncia de que detentos da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (MG), estariam sendo barbaramente agredidos, com sessões de espancamento por múltiplos agentes, sufocamento com sacola plástica, pancadas nos testículos, entre outras técnicas de tortura.

“O caso foi imediatamente enviado ao Ministério Público mineiro, para adoção das providências cabíveis. Passados quase seis meses, e após cobrança da Pastoral Carcerária, a promotoria responsável, em 26 de fevereiro de 2016, determinou o arquivamento da denúncia, sem a realização de visita à unidade ou entrevista com os presos do local apontado na denúncia”, relatou a entidade no documento.

A Pastoral considera que o número de casos registrados não possibilita conclusões categóricas, nem representa a totalidade dos atos de tortura praticados, mas aponta indícios importantes, sobretudo quanto à forma como as instituições do Sistema de Justiça têm recebido e reagido aos casos.

“Apesar da profusão de órgãos voltados para fiscalização do sistema penitenciário e de defesa e promoção dos diretos humanos, ainda estamos em busca de um modelo público mais eficiente para o encaminhamento e acompanhamento de casos de violação”, afirma o assessor jurídico da Pastoral Carcerária de São Paulo, Francisco Crozera.

Defensoria

O defensor público coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, Patrick Lemos Cacicedo, afirmou que a Defensoria não deixa de investigar nenhuma denúncia recebida de violação de direitos humanos. Mas que, como as ações do órgão são descentralizadas – com núcleos independentes em cada região do estado – não há uma reunião dos dados e informações sobre as medidas tomadas.

Quanto aos dados da Pastoral, o defensor disse que precisaria de mais detalhes para buscar informações sobre o que foi feito em cada caso. "Todos os casos têm o devido encaminhamento. Fazemos visitas ao local, contato com a vítima e com familiares, comunicação a juízes. Este número de denúncias apresentado pela Pastoral é relativamente pequeno em relação ao que nos chega por familiares e pelas própria vítimas", disse Cacicedo.

Segundo ele, o problema é que as denúncias formalizadas não progridem. "O judiciário cria instâncias que servem mais como barreiras", afirmou. Cacicedo defende que devia haver uma investigação policial sobre a tortura, como ocorre com qualquer outro crime. "Mas o caso é enviado à corregedoria do próprio presídio, no caso das penitenciárias, ou para um grupo específico do poder judiciário, no caso de tortura praticada por policiais. E não se sabe o que é feito realmente da denúncia", explicou.

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