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Paulo de Tarso Riccordi

AS “ABUELAS DE PLAZA DE MAYO” COMPLETAM 38 ANOS


Durante a ditadura argentina (1976-1983), cerca de 30 mil pessoas foram presas, torturadas, mortas ou desaparecidas. Entre essas, centenas de crianças foram arrastadas junto aos pais, ou nascidas na prisão.

Com grande festa nesta quinta-feira, 22 de outubro, a associação argentina Avós da Praça de Maio completará “38 anos buscando a verdade”. Ao mesmo tempo, comemora a localização de 117 crianças sequestradas pelos militares imediatamente após o nascimento -durante o cativeiro das mães, logo assassinadas ou até hoje dadas como desaparecidas- e entregues para adoção, com origem e nome mudados. A última delas, Cláudia Domínguez Castro, hoje com 37 anos, somente há três semanas soube sua verdadeira identidade e conheceu sua família. Durante a última ditadura argentina (1976-1983), cerca de 30 mil pessoas foram presas, torturadas, mortas ou desaparecidas. Entre essas, centenas de crianças foram arrastadas junto aos pais, ou nascidas na prisão.

Os movimentos de direitos humanos da Argentina registram a existência de um “plano sistemático de apropriação de bebês”, que incluiu a criação de maternidades clandestinas e listas de espera para adoção. O sequestro de recém nascidos foi transformado em fonte de renda pelos carcereiros, tratados como butim de guerra. Arrancados das mães, mais de 500 bebês foram entregues a famílias de militares, vendidos a casais civis ou a entidades, sem identidade. No dia 30 de abril de 1977, 14 mulheres pediram uma audiência ao ditador Jorge Videla, para saber do paradeiro de seus filhos e netos presos e desaparecidos. Cansadas de esperar, decidiram fazer uma manifestação pública na Praça de Maio, diante da Casa Rosada, o palácio presidencial argentino.

Como reuniões com mais de duas pessoas estavam proibidas pelos ditadores, elas caminharam em duplas, em torno da pirâmide localizada no centro da praça, que representa a Liberdade. Las locas de Plaza de Mayo Desde então, todas as quintas-feiras, das 15h30 às 16h, com a cabeça coberta por lenços brancos representando fraldas, elas se reúnem diante do palácio. No começo, os ditadores debochavam: “Chegaram as loucas”. Menos de um ano depois, com enorme repercussão, o mundo já conhecia aquelas obstinadas e corajosas mulheres que enfrentavam os militares. E logo “las madres de Plaza de Mayo” e “las abuelas de Plaza de Mayo” se constituíram em sociedade não governamental para lutar também institucionalmente para “localizar e restituir a suas legítimas famílias todas as crianças sequestradas pela repressão política e criar as condições para que nunca mais se repita tão terrível violação dos direitos das crianças, exigindo castigo a todos os responsáveis”.

As “abuelas de Plaza de Mayo” completam nesta quinta-feira 38 anos de um metódico esforço para recuperar seus netos e netas, grande parte deles hoje pais e mães, o que estende a restituição da identidade aos bisnetos. Para isso, ao longo desses anos cotidianamente pesquisaram os registros de adoções daquele período em orfanatos, Juizados de Menores, maternidades de todo o país. E pedem à população que ajudasse a localizar as crianças, informando sobre casos de adoção durante a ditadura (visite o site www.abuelas.org.ar). Foi desse modo que Cláudia Domínguez Castro descobriu sua verdadeira identidade e sua família. Ela é filha dos militantes políticos Walter Hernán Domínguez e Gladys Cristina Castro, presos em 9 de dezembro de 1977 na província de Mendoza e desde então desaparecidos. Gladys, com 24 anos, estava grávida de seis meses.

Em 1994, o Movimento Ecumênico pelos Direitos Humanos, em Mendoza, recebeu uma denúncia anônima sobre uma criança apresentada de uma hora para outra como filha de um casal de idosos. Entretanto, sem meios para comprovar uma relação entre a então adolescente e alguma das mais de 500 mães mortas ou desaparecidas, as “abuelas” precisaram ainda aguardar duas décadas por novos instrumentos legais e científicos para tal. Desde então, a Justiça criou um arquivo de informações sobre cada criança desaparecida.

Também foi aprovada a Lei que criou um Banco de Dados Genéticos, onde estão registrados os mapas genéticos de todas as famílias de desaparecidos, com o quê passaram a disponibilizar o exame de DNA para os casos investigados. E, em abril de 2014, foi criada a Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (Conadi), com a função de contacto com possíveis filhos de desaparecidos. Em fevereiro deste ano, Cláudia aceitou o convite da Conadi e fez o exame de DNA. Em 27 de agosto ela recebeu a informação de que é filha de Walter e de Gladis e neta de María Assof de Domínguez e de Angelina Catterino, que desde 1978 participam das “Abuelas de Plaza de Mayo” justamente em busca de apoio para encontrar a neta e as demais crianças tomadas pela ditadura (leia o relato de Cláudia em Página 12: http://migre.me/rSU64).

Cláudia Domínguez Castro é o 117º bebê sequestrado localizado pelas “Abuelas”. Ainda falta localizar cerca de outras 400 pessoas arrancadas de seus pais naquela circunstância. O convite para a festa dos 38 anos da Associação destaca que “a luta das Abuelas sempre se caracterizou por sua alegria e esse será o espírito deste evento, com a única finalidade de recordar aos que não estão aqui e a celebrar o encontro dos netos e netas já restituídos a suas famílias”.


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