por Aline Kerber, Emanuel Corrêa e Júlio Sá – Presidenta e advogados da Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD)
É duro decidir, ainda mais quando envolve tantas pessoas e um contexto complexo e de polarizações acirradas. Poucos se posicionam e decidem. Faltam lideranças e principalmente governos responsáveis, mesmo quando tratamos de preservação da vida. Sobram hipócritas! Mas quem fica em cima do muro está sendo injusto com o lado certo ou com o que precisa ser feito. No caso de decidir pela vida - com tantas dores, renúncias e perdas no caminho, ainda mais em uma situação de calamidade e de ausência de governantes dialógicos, é duríssimo, mas o que há de mais democrático é a luta pela vida!
foto: reprodução Muito embora não agrade a todos a decisão de suspensão das aulas em bandeira preta no RS, existe uma minoria barulhenta constituída de egoísmos, ignorância e defensora do estado mínimo. Nos falta escutar as vozes de quem pega ônibus lotado todo dia, das mães das periferias para compreender melhor o cenário. O mais difícil é que em um contexto de fome, de crescimento exponencial da miséria e das desigualdades sociais, precisamos ainda lutar contra um mentiroso, acéfalo e genocida no poder central, rodeado de cínicos, autoritários e oportunistas.
Essa é a base do negacionismo, uma tecnologia de “governo da morte”, que serve para manter as estruturas desiguais, os privilégios e para matar aceleradamente como política contra aqueles que sempre estiveram na mira e viram os seus morrerem - seja pela violência cotidiana, seja pela violência institucional em razão da insegurança de outros direitos, sobretudo o de existir.
Toda solidariedade e escuta aos que sofrem e estão em luto e luta neste momento que é o pior da pandemia. Mas há uma distopia muito grande no ar. Tem até Prefeito (Curitiba) proibindo a entrega voluntária de comida aos moradores de rua e uma infecunda discussão na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com dinheiro público, sobre o “kit covid” – sabidamente ineficaz e que já provou, inclusive, que agrava os quadros de COVID em pacientes que chegam nas UTIs, além de causar outras doenças graves e a necessidade de transplante.
As evidências estão aí. Caos! Março de 2021 bateu recorde de sepultamentos em Porto Alegre, 2000 enterros/cremações, o Estado do Rio Grande do Sul está sem vagas em UTI’s, profissionais da saúde precisaram escolher quem atender primeiro nas UTIs. Imaginem se as aulas não tivessem sido suspensas, quantas mais seriam as vítimas?
Quem tem lucidez e dignidade e votou no atual Presidente ou no seu discípulo local prefeito Melo deve estar com algum sentimento bem desconfortável. Mas a vida deve ser sempre para frente! Está mais do que na hora dessas pessoas pedirem desculpas e reverem seus posicionamentos. Precisamos da união de todos em favor da vida e da ciência. Chega de negar os fatos!
59% da população brasileira reprova o atual Presidente. Será que é pouco? Se cada um fizer a sua parte, que começa com consciência e empatia, logo podemos sair destas trevas. Onde estão as vacinas? Precisamos acelerar a vacinação urgentemente! Até lá seguir o clamor da voz das ruas que gritaria, se pudesse, #ForaBolsonaroGenocida e fora tudo que ele representa, como vimos nas carreatas pela vida e pela vacina no início do ano, gerando, uma repressão desnecessária através de multas, sobretudo por “buzina em carreata”. Em Porto Alegre, um grupo de mais de 10 pessoas ingressou na justiça com “ação anulatória de multas cumulada com danos morais”. Bolsonaro boicotou a compra das vacinas e desestimulou a vacinação, duvidou da eficácia da máscara, aglomerou sem máscara, inclusive, boicotou o distanciamento social e insistiu na falta de auxílio emergencial para garantir isolamento social e o controle da pandemia, trazendo discursivamente uma falsa dualidade: morrer de fome ou morrer do vírus.
"Entregue a sua vida pela economia", esse foi o lema, declamado pelo Prefeito de Porto Alegre Melo. Nossa cidade virou notícia no mundo, no New York Times, e não foi pelas nossas virtudes: viramos o epicentro do mundo da COVID com um sistema de saúde colapsado, no país que tem mesmo número de mortes pela doença que os 10 países depois do Brasil com mais número de vítimas letais. Já são mais de 325 mil vidas perdidas porque preferem manter essa falsa dicotomia entre vida x economia x escola e o “salve-se quem puder”. As experiências de enfrentamento ao coronavírus mais bem sucedidas no planeta colocaram a vida em primeiro lugar e já estão colhendo os frutos da retomada da economia. Todavia, como uma tática para desagregar ainda mais a população, resolveram abrir escolas no pior momento, forçaram as pessoas ao trabalho presencial, mesmo sabendo que logo teriam que fechar e que seriam necessárias medidas mais restritivas, por força das mortes, do colapso da saúde ou de decisão justiça. Tudo colapsou, mesmo com as aulas suspensas, embora ontem o centro de Porto Alegre estivesse com uma cena lamentável de aglomeração intensa, filas e muitas pessoas sem máscara. A cena da mãe com bebê no colo e com máscara no queixo choca. Imaginem com escolas abertas neste momento...
No RS, foram 20.063 mil vidas perdidas pela COVID-19, muitas pessoas próximas de quase todos nós, sobretudo em Porto Alegre, e só em março temos 36% dos casos todos, considerando desde o início da pandemia, há 1 ano. Esse cenário estava claro em fevereiro, os especialistas avisaram, tanto que o Governador Leite suspendeu a cogestão e avançou para a bandeira mais crítica do Modelo de Distanciamento Controlado no Estado. Infelizmente, fica cada dia mais demonstrável a importância da decretação da bandeira preta no RS, são constantes os aumentos expressivos de contágio e de mortalidade pela COVID-19, batendo recordes diários. Março fechou pior do que iniciou, UTIs ainda mais superlotadas e com centenas em filas de espera, falta de medicamentos, inclusive para intubação e descontrole da pandemia em relação à saúde, proteção social e controle da disseminação do vírus e da fome.
Não é só o arbítrio das pessoas que faz com que muitas não usem máscara ou façam festas. Foi a decisão política de cogestão e corresponsabilidade dos governantes a abertura de comércio, bares e restaurantes, a lotação de ônibus de trabalhadores das periferias da Capital e RMPA porque não foi disponibilizado mais frota ou outros modais para mobilidade urbana. As escolas fechadas em regime de plantão com altas taxas de contaminação porque não houve protocolos suficientes e principalmente por imperar a negação da importância das medidas restritivas que levaram à suspensão das aulas presenciais no RS.
Por falta de “culhão” político, restou à justiça gaúcha e ao STF que decidissem pela suspensão das aulas presenciais durante a bandeira preta no RS a partir de Ação Civil Pública que envolveu a Associação Mães e Pais pela Democracia, CPERS e SINPRO/RS, com apoio público da Sociedade Brasileira de Pediatria. Decisão dura sim, mas necessária! Vidas estão sendo salvas. Logo saberemos o impacto.
Aguardamos, por um lado, respostas urgentes do Presidente, Governadores e Prefeitos para a evitar a quebradeira das escolas e para o desemprego em massa na educação privada e, de outro, o plano para uma volta às aulas que considere as escolas públicas, além de privilegiar um trabalho educacional voltado aos enormes déficits emocionais e pedagógicos acumulados e os traumas e lutos gerados, sobretudo aos órfãos da COVID.
Não podemos admitir uma volta às aulas só para alguns e precisamos de um ambiente seguro e uma pandemia controlada para isso acontecer. São 779 crianças com até 12 anos que morreram da doença no país. Um estudo de outubro na revista científica The Lancet Infectious Disease aponta que aumenta em 24% a taxa de propagação do coronavírus com a abertura de escola, analisando 28 dias de voltas às aulas em 131 países. Já vivemos uma desigualdade imensa, não é viável aumentar essa desigualdade pela educação. A educação deve ser pensada por completo, enquanto temos algumas escolas privadas que são ventiladas e com protocolos rígidos, com poucos alunos e que conseguem abrir com condições sanitárias, há tantas outras sem as condições ideais nas redes pública e privada. Por exemplo, no Estado são 328 escolas públicas estaduais que nem banheiro tem e ainda só 26% das escolas estaduais com água encanada, segundo dados apresentados pelo DIEESE no ano passado. Isso é um escândalo.
A política do Governador Leite na educação é um fracasso. Ele fecha escolas (mais de 60 foram fechadas, inclusive a Escola Rio Grande do Sul), não oferece estrutura para alunos e professores para as aulas online/remotas e reduz matrículas até na EJA como política de educação mínima e se omite na busca por vacinação dos educadores e trabalhadores da educação e testagem, rastreamento e monitoramento dos casos nas escolas e não consegue encontrar soluções aos problemas estruturais mais simples como o das “janelas emperradas” nas salas de aula, sem falar dos principais problemas como citados acima.
Só sairemos desta juntos! Esse é o principal aprendizado da pandemia, mas precisamos que TODOS realmente queiram encontrar saídas para virarmos este jogo. Os Governantes precisam agir, não podem só ficar no discurso, ou como disse o Governador na campanha, “precisa levantar a bunda da cadeira”!
Em suma, vivenciamos a cruel pedagogia do vírus, como disse o Boaventura de Sousa Santos, inclusive que nos ensina, embora nem todos queiram ou consigam aprender, e ainda ataquem quem luta em defesa da vida e da vacina, que nada substitui a escola na nossa sociedade para a garantia dos direitos, inclusive para alargarmos a concepção da educação que deve estar voltada à vida, à diversidade e ao pensamento crítico e plural. Por uma educação libertadora e por isso a luta agora é pela vida, pela redução de danos e pela sobrevivência!